Flávia Pierry
Temer correu para
aprovar a reforma trabalhista e prometeu editar uma MP para ‘corrigir’ nova
lei. Agora, com MP quase ‘caducando’, trabalhadores e empresários vão ficar em
limbo jurídico
Trabalhadores e empregadores saem perdendo com a
sinalização do governo e do Congresso de que a medida provisória (MP) que
complementaria a reforma trabalhista não deverá ser aprovada. Sem essa
regulamentação, pontos importantes da reforma ficarão sem definição, resultando
em maior incerteza para as duas partes dos contratos de trabalho. Sai pior quem
foi contratado depois de novembro, durante a vigência da MP.
Ao que tudo indica, a MP vai “caducar”, isto é, perder
validade por não ter sido aprovada pelo Congresso dentro do prazo, que termina
no próximo dia 23.
“Teremos decisões judiciais conflitantes? Com certeza.
Demoraremos para ter uniformidade nas decisões? Com certeza”, afirmou Noemia
Porto, vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da justiça do
Trabalho (Anamatra).
Até mesmo a extensão da validade da reforma trabalhista
poderá ser questionada. Sem o esclarecimento proposto pela MP, podem ficar
valendo regras da antiga Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), pré-reforma,
em temas como regime de jornada de trabalho (no caso de categorias que
trabalham 12 horas e folgam 36), ou como deve ser o trabalho intermitente e
regras para o funcionário autônomo.
“A ausência de regulação da reforma por meio dessa MP
deixa algumas lacunas que essencialmente fragilizam a segurança das relações
que foram criadas a partir da reforma e até mesmo antes da reforma. Isso cria
um clima de insegurança jurídica bastante grande. O juiz vai se valer de regras
que talvez valessem antes, até mesmo antes da reforma, para poder interpretar
cada situação colocada a ele”, avalia Fernando Dantas, advogado sócio do
escritório Carvalho, Dantas e Palhares Advogados.
Sem a MP prometida pelo governo, que pacificava o
entendimento de ao menos oito pontos polêmicos, os trabalhadores que podem ser
mais prejudicados são aqueles que iniciaram um novo contrato de trabalho após
14 de novembro do ano passado e portanto sob vigência de dispositivos que
ficarão inválidos.
Segundo Noemia, o Congresso terá obrigatoriamente de
aprovar um decreto legislativo para explicar como ficam esses casos, que após
dia 23 caem em um limbo jurídico. Tal decreto deverá explicar qual regra será
válida em cada caso que estava explicado na MP: se vale o que foi tratado na
reforma trabalhista, se volta ao que estava previsto na lei original da CLT ou
se há ainda outro tratamento novo. Mas mesmo para os contratos de trabalho
firmados antes da reforma, ainda há muita incerteza.
Veja os principais
pontos alterados pela MP e que agora precisarão ser esclarecidos:
Jornada 12 x
36
A MP determinava que as jornadas do tipo 12 x 36 horas só
poderiam ser adotadas por meio de acordo ou convenção coletiva. Com a queda do
dispositivo, pode prevalecer o que foi aprovado na reforma, que permitia acordo
individual para tal regime.
“É um dispositivo que regula um tema importante, e sua
caducidade deixa empregados e patrões à mercê da compreensão do Judiciário
acerca da sua viabilidade jurídica”, avalia o advogado Fernando Dantas.
Dano extrapatrimonial
A MP trazia um entendimento mais favorável ao trabalhador
no caso de danos a ele. Sem a MP, a regra pode voltar ao que ficou aprovado na
reforma, mas também pode prevalecer entendimento anterior, do Código de
Processo Civil. Também já há jurisprudência sobre o tema e os juízes poderão
definir penas com base em decisões judiciais anteriores.
Na reforma, ficou definida indenização com base no
salário contratual. Críticos a esse entendimento alegavam que isso diferenciava
trabalhadores mais pobres e mais ricos.
Trabalho
autônomo
A reforma trabalhista foi pouco clara sobre os limites
para a contratação dos autônomos e sem a MP esses limites voltam a estar ainda
mais nebulosos. A MP previa que não poderia haver cláusula de exclusividade
para esses trabalhadores e agora esse limite não mais existe. Porém, o advogado
avalia que os juízes poderão se basear em decisões anteriores para resolver
contenciosos trabalhistas sobre esse tema, já amplamente analisado.
Trabalho
intermitente
Esse é um tema que sofre grande prejuízo pela caducidade
da MP, por ser inovador e a nova regra imposta pela reforma trabalhista estar
desalinhada com os casos que já foram julgados na justiça trabalhista. “Os
parâmetros da jurisprudência não se alinham com a regulamentação proposta”,
avalia Fernando Dantas.
A reforma previu a existência do trabalho intermitente,
aquele em que se pode contratar e pagar o trabalhador por hora. Mas não definiu
seus limites, benefícios e excepcionalidades, como casos de auxílio-doença, que
a MP tratava. Será necessário ter uma legislação nova sobre o tema.
Comissão de
empregados
A MP determinava que as comissões – para representar
funcionários dentro de empresas com mais de 200 empregados – não substituem o
papel dos sindicatos de defender direitos e interesses coletivos ou individuais
da categoria. Esse ponto é menos problemático e pode ser decidido por
orientação jurisprudencial, formada por súmulas do Tribunal Superior do
Trabalho com base em decisões judiciais anteriores.
Insalubridade de
gestantes e lactantes
Outro ponto que fica bastante prejudicado sem a MP. “Esse
é um tema sensível e que não encontra na jurisprudência existente regulação
especial. A caducidade da MP impacta esse tema”, avalia o advogado trabalhista.
Na reforma, mulheres grávidas ou que estão amamentando
ficam afastadas da função insalubre automaticamente. Pela MP, abria-se a
possibilidade de mulheres que atuam em locais com insalubridade de grau mínimo
ou médio de apresentar atestados médicos para retornarem ao trabalho.
Remuneração
previdenciária
A MP previa que empregados que no somatório de um ou mais
empregos não recebam o valor de um salário mínimo ao mês poderão recolher a
diferença entre a remuneração recebida e o salário mínimo diretamente à
Previdência. Nesses casos, sem a MP, os juízes poderão se valer do que foi
julgado em casos anteriores.
Governo joga culpa
nos senadores e desagrada até aliados; entenda a polêmica
A MP 808 foi editada em 14 de novembro do ano passado, e
o prazo para sua aprovação na Câmara e no Senado termina dia 23 deste mês – ele
já foi prorrogado uma vez. Representantes do governo na Câmara admitem que a
medida não será aprovada e afirmam que não há uma alternativa sendo pensada.
“A MP foi para o saco”, afirmou um deputado da base do
presidente Michel Temer ao ser questionado sobre o tema.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pressionou
os deputados da comissão mista criada para analisar o texto e na semana passada
formalizou em ofício que se relatório não fosse aprovado até terça-feira
passada (3), o que não aconteceu, o texto não seria pautado para o Plenário. A
matéria ainda teria de tramitar no Senado depois disso, tudo antes do dia 23 de
abril.
No governo, a postura é dar de ombros sobre o fim do
prazo e dizer que o acordo feito com os senadores para aprovar a reforma
trabalhista foi mantido, já que o presidente da República editou a MP. A culpa
pela queda da MP teria sido dos senadores.
Representantes do Palácio do Planalto no Congresso alegam
que o prazo acabou porque a oposição não aceitou acordo sobre quem seria o
relator da medida, já que queriam um “sindicalista”, segundo deputado da base
de Temer.
O processo de criação da MP foi complexo e costurado em
acordo entre o governo no Senado e a oposição. O primeiro relator do texto,
senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), propôs alterações no texto que veio da
Câmara, que não foram feitos para que a tramitação fosse apressada sob a
promessa de que seriam vetados e uma MP corrigiria as lacunas.
Em um Congresso já tomado pelas eleições, há pouca
mobilização para reverter o processo, danoso para trabalhadores e
empresários. “Não tratamos ainda do quer vamos fazer. A mensagem que fica
é de um governo que não tem palavra. Vamos ver como vamos buscar uma reparação
sobre isso”, afirmou o líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS).
Uma resposta definitiva sobre o tema, para assegurar
direitos ao trabalhador e reduzir riscos dos empresários deve ficar apenas para
o ano que vem. O senador Paulo Paim (PT-RS) afirmou que vai apresentar uma
sugestão da criação de um estatuto do trabalhador, que retome pontos da CLT
alterados na reforma, mas com modernizações.
Paim afirma que poderá iniciar o processo de tramitação
do projeto já em maio, mas que a discussão do projeto deverá transcorrer
durante as eleições e ficar para o próximo governo.
“Tenho tradição na casa de aprovar estatutos. Quem fez
essa lambança e criou esse imbróglio foram eles. Eles vão ter de responder .
Esses meses ainda vão ficar nesse vazio. Quase um precipício para empresário e
trabalhador. Os empresários ficarão tateando, sem se jogar, com medo dos
riscos”, disse Paim.
Gazeta do Povo
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