Editorial
Nove
anos, 10 meses e 21 dias depois de receber as alegações finais da defesa do
réu, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, mandou
extinguir processo contra o deputado Flaviano Melo (MDB-AC). Trata-se de um
caso exemplar da inaceitável demora da mais alta Corte do País em julgar os
casos que envolvem autoridades com foro privilegiado.
Ainda
que o processo em questão envolvesse um complexo emaranhado de informações e
demandasse empenho excepcional por parte do Supremo para analisá-lo, nada
justificaria tamanha lentidão. No entanto, em se tratando de um caso
relativamente simples como o do deputado Flaviano Melo, quase uma década de
intervalo para que o relator tomasse alguma decisão sobre o processo, quando já
se chegava às portas da prescrição, beira o escárnio.
Diz a
acusação que o parlamentar em questão, quando era governador do Acre, entre
1988 e 1990, participou de esquema de gestão fraudulenta para desviar recursos
públicos, em associação com funcionários do Banco do Brasil. Todos os demais
envolvidos no escândalo, julgados em tribunais de instâncias inferiores, já
foram condenados há muito tempo.
Depois
de muitas idas e vindas desde o recebimento da denúncia, em 25 de junho de
2002, o processo contra Flaviano Melo foi enviado ao Supremo em 25 de junho de
2007, em razão de sua eleição para a Câmara dos Deputados no ano anterior. As
alegações finais do Ministério Público foram encaminhadas no dia 18 de março de
2008 e entregues ao relator, ministro Celso de Mello, naquele mesmo dia. As
alegações finais da defesa foram apresentadas no dia 23 de maio de 2008. Três
dias depois, em 26 de maio, o processo foi considerado concluído.
Começava,
então, a saga da análise do caso por parte do ministro Celso de Mello. Em 18 de
junho de 2010, dois anos depois das alegações finais, o Ministério Público
Federal apresentou requerimento de prioridade para o caso. Diante do silêncio
do relator, o pedido foi reiterado em 22 de novembro de 2013. Quatro anos
depois, em 6 de dezembro de 2017, a Procuradoria-Geral da República fez novo
requerimento ao Supremo, enfatizando o risco de prescrição do caso, que
ocorreria no final de junho. “A prescrição da pretensão punitiva estatal é
iminente, mesmo ao se considerar a pena máxima em abstrato prevista para os
delitos imputados (12 anos). Sobressai, assim, a necessidade de julgamento da
ação penal ora em trâmite nesta Corte”, escreveu a procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, ao ministro Celso de Mello.
Nesse
meio tempo, o ministro relator do caso foi questionado por repórter do
Estado sobre a razão da demora. Primeiro, em dezembro de 2017, seus assessores
informaram que ele estava “concluindo a revisão do relatório, já elaborado,
devendo liberá-lo nos próximos dias” e que o julgamento deveria ocorrer “no
máximo em março de 2018”. No dia 9 de abril passado, o jornal tornou a
perguntar ao ministro sobre a demora, e seu gabinete informou que relatório
estava “sendo liberado para o revisor”.
Na
sexta-feira 13, o ministro Celso de Mello finalmente tomou uma decisão: mandou
arquivar a ação. Questionado pelo repórter do Estado sobre o motivo para
tamanha demora para chegar a essa conclusão, o ministro mandou ler as 30
páginas do documento que ele levou tanto tempo para elaborar. Em nenhuma delas,
no entanto, há qualquer explicação para a delonga.
Muito ao
contrário: o breve despacho do ministro Celso de Mello conclui que a denúncia
contra o deputado Flaviano Melo era simplesmente inepta, pois “narra denúncia
genérica e que não individualiza a conduta que teria sido praticada”. Fica
difícil saber por que o ministro levou tanto tempo para chegar a tão singela
conclusão, que deveria estar clara já no recebimento da denúncia, uma década
atrás.
Não se
trata, infelizmente, de caso isolado de morosidade. O Supremo tornou-se um
necrotério de processos que envolvem autoridades acusadas de corrupção. E isso
não deveria ser trivial. Justiça que tarda, seja para condenar ou absolver,
solapa a confiança dos cidadãos nas instituições e na democracia.
O Estado de São Paulo
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