domingo, 8 de abril de 2018

Detenções, acusação de traição e rebelião: o que acontece dentro do Exército da Venezuela?

Daniel García Marco

Quase no final do teclado de emojis de WhatsApp, há símbolos que representam os signos do zodíaco, de cor lilás. Na Venezuela, eles são usados como códigos de conversa entre alguns militares. "O pessoal envolvido está sob investigação", cheguei a ler depois de entender uma das mensagens codificadas.

A mensagem vinha de um membro das Forças Armadas da Venezuela, a quem perguntei como estava o ambiente em Furte Tiuna, o centro do poder militar em Caracas. "Hostil", respondeu ele.

Sua impressão confirma que algo está se movimentando dentro dos quartéis venezuelanos, onde têm ocorrido prisões de dissidentes do governo de Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez.

Desde o início deste ano, 34 oficiais venezuelanos foram detidos e apresentados aos tribunais militares, segundo o advogado Alonso Medina. Ele defende a maioria dos nove militares de alta patente presos em 2 de março, acusados de traição à pátria e de instigar a rebelião. Eles negam as acusações.

Em 13 de março, também foi detido o general aposentado Miguel Rodríguez Torres, que faz parte do chamado chavismo dissidente: fiel ao falecido Chávez, mas crítico ao governo de Maduro. Torres, por exemplo, foi companheiro de armas de Chávez na tentativa de golpe de 1992 e ministro do Interior de 2013 a 2014.

Outras figuras do chavismo dissidente são a ex-procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, que foi destituída do cargo, e o antigo "czar do petróleo" venezuelano, Rafael Ramírez. Ambos estão fora do país, acusados de corrupção.

"Apenas duas pessoas têm acesso a ele", disse uma fonte próxima a Torres, que afirma que ele está incomunicável, sem acesso a sua família nem a sua defesa. A informação, diz a fonte, teria sido passada por amigos do ex-ministro no Serviço de Inteligência (Sebin).

Segundo o governo venezuelano, Rodríguez Torres está "envolvido em ações contra a paz e a tranquilidade públicas, e em conspirações e complôs que pretendiam atentar contra a unidade monolítica da nossa Força Armada Nacional Bolivariana". "As ações criminosas (...) incluíam atos armados e conspirações contra nossa Constituição", acrescentou.

O ex-ministro Torres lidera o Movimento Amplo Desafio de Todos, que aderiu à chamada Frente Ampla. Esse grupo agrega a oposição tradicional do chavismo e antigos apoiadores de Chávez que renegam seu sucessor, Maduro.

A crise chega ao quartel
"Pela primeira vez, temos visto de forma clara e transparente como a crise política está repercutindo no âmbito militar (da Venezuela)", afirma Rocío San Miguel, presidente da ONG Controle Cidadão, especializada em segurança e defesa.

A especialista diz que não via uma situação assim desde 2002, quando
houve uma tentativa de golpe de Estado contra Chávez. Ela destaca a alta posição dos militares presos e sua conexão com a chamada revolução bolivariana de Chávez. San Miguel assegura, contudo, que "o generalato" segue próximo de Maduro.

Nos últimos anos, o presidente deu aos militares operações de grande poder político e econômico, como a importação de alimentos e a direção da petroleira estatal PDVSA, a joia da coroa e quase única fonte de recursos do país.

Em 28 de fevereiro, Maduro assinou dois decretos expulsando do Exército um total de 24 membros das Forças Armadas. Entre as razões apontadas estão "ter tentado por meios violentos mudar a forma republicana da nação". O governo vem denunciando a oposição por supostas tentativas de desestabilizar as Forças Armadas.

"A Força Armada Nacional Bolivariana não pode ser dividida por ninguém, por sua consciência patriótica nacional", disse há duas semanas Vladimir Padrino, ministro da Defesa. "Aos desesperados, eu digo: fiquem tranquilos, aguentem firme, eles não vão conseguir."

Setores descontentes
Todos os casos recentes reforçam um descontentamento palpável. A agência de notícias Reuters publicou em julho do ano passado que ao menos 123 membros das Forças Armadas haviam sido detidos desde que, em abril de 2017, deram início a quatro meses de protestos contra o governo. As acusações iam de traição e rebelião, até roubo e deserção, segundo documentos militares.

Em março deste ano, o Supremo Tribunal de Justiça também confirmou a condenação de oito anos por crimes como "incitação pública" de Raúl Baduel, outro ex-militar e ex-ministro de Defesa. Baduel é considerado o homem que salvou Chávez do golpe de Estado de 2002. Por isso, ganhou as maiores honrarias militares, mas logo abandonou o governo e se tornou opositor do chavismo.

Em janeiro, o ex-membro da polícia científica Oscar Pérez e seus homens morreram em um combate com forças de segurança. Estavam rebelados há meses. A oposição diz que Pérez foi vítima de assassinato.

Em agosto de 2017, outro grupo liderado pelo capitão Juan Carlos Caguaripano, que está preso, assaltou e roubou armamento do Fuerte Paramacay, na cidade de Valencia. Antes do ataque, os rebeldes publicaram um vídeo que mostrava Caguaripano rodeado de uns 20 homens uniformizados. O capitão anunciava uma "ação cívica e militar para reestabelecer a ordem constitucional" no país.

O fantasma do golpe
Essa turbulência no mundo militar se soma à crise econômica da Venezuela e às expectativas para as eleições presidenciais de 20 de maio, nas quais Maduro poderia vencer, apesar da hiperinflação e da escassez de produtos básicos, frente a uma oposição dividida entre o boicote e a participação.
Diante de tudo isso, há o fantasma do golpe de Estado, em um país que tem uma larga tradição militarista e que viveu três tentativas do tipo nos últimos 26 anos. "O golpe é uma possibilidade", disse a especialista San Miguel.

O senador americano Marco Rubio, que parece estar por trás da dura oposição do governo americano de Donald Trump contra o governo da Venezuela, tem falado abertamente de respaldar uma rebelião militar. "O mundo apoiará as Forças Armadas da Venezuela se elas decidirem proteger o povo e restaurar a democracia, derrubando o ditador", escreveu Rubio no Twitter, em fevereiro.

O líder da oposição Leopoldo López, que cumpre uma controversa condenação em prisão domiciliar, afirmou para o jornal americano The New York Times que é preciso aumentar "as formas de pressão" à Venezuela. "Em 1958, houve um golpe militar que começou a transição para a democracia. E, em outros países da América Latina, houve golpes do Estado que convocaram eleições. Então, não quero descartar nada, porque a janela eleitoral se fechou", afirmou López.

A oposição institucional, contudo, rejeita essa possibilidade. "Não estamos encorajando um golpe ou uma insurreição militar. Nós civis devemos resolver nossos próprios problemas", disse Edgar Zambrano, presidente da Comissão Permanente de Defesa e Segurança do Parlamento, de maioria opositora.

O militar que me manda mensagens codificadas por WhatsApp não fala de golpe, mas sim de um ataque imprevisto. Já o ministro da Defesa, Padrino, definiu com mais clareza, duas semanas atrás: "Estou em completo desacordo com esses golpes de Estado. Isso já não tem cabimento nesse século", concluiu.

BBC Mundo na Venezuela


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