André
de Souza, Eduardo Bresciani, Adriana Mendes, Daniel Gullino, Jailton de
Carvalho, Gian Amato e Sérgio Roxo
BRASÍLIA, SÃO PAULO E LISBOA- O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma
hoje o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
que tenta garantir o direito de não ser preso enquanto recorre aos tribunais
superiores contra a condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na
Lava-Jato. Mas há muito mais em jogo do que o destino do líder nas pesquisas de
intenção de voto na eleição presidencial deste ano.
Todos os condenados em segunda instância, que, pela regra atual, já
podem ser presos, acompanham os desdobramentos de uma decisão favorável a Lula.
Pode ser o começo de uma nova jurisprudência no STF, retardando o momento do
início da execução da pena de condenados apenas após a análise de todos os
recursos.
Ontem, coube à procuradora-geral da República, Raquel Dodge,
dimensionar a gravidade do debate no STF. Dogde disse que a execução da pena
somente após o trânsito em julgado “aniquila o sistema de Justiça”.
— O princípio de presunção da inocência é uma garantia individual
importante em todos os países, é importante também no sistema brasileiro. No
entanto, apenas no Brasil o Judiciário vinha entendendo que só se pode executar
uma sentença após quatro instâncias judiciais confirmarem uma condenação. Este
exagero aniquila o sistema de Justiça exatamente porque uma Justiça que tarda é
uma Justiça que falha — disse a procuradora, em sessão do Conselho Superior do
Ministério Público Federal.
Raquel Dodge ainda mandou um memorial aos ministros do Supremo
Tribunal Federal reiterando a posição do Ministério Público e afirmando que uma
mudança no entendimento sobre o tema abalaria a confiança no tribunal. “Um
sistema instável e imprevisível deixaria os jurisdicionados inseguros quanto a
seus direitos e deveres, além de incrédulos quanto à capacidade de o Poder
Judiciário agir de modo coerente, justo e isonômico situação que atinge, em
última análise, a própria confiança da população na capacidade de o Poder
Judiciário resolver conflitos de forma segura e confiável”, afirmou a
procuradora-geral.
Antecessor de Dogde no cargo, Rodrigo Janot afirmou durante palestra
em uma universidade em Brasília que a fixação da jurisprudência pela prisão em
segunda instância, em 2016, fez crescer o número de delações premiadas.
— Quando o STF aprovou a prisão em segunda instância, em 2016, as
colaborações fizeram assim — disse Janot, traçando com as mãos no ar uma curva
ascendente.
Previsto para começar às 14h, o julgamento será aberto com o voto do
relator, Edson Fachin. Depois, se manifestam os outros dez ministros,
terminando com o voto da presidente, Cármen Lúcia. É possível que um dos
ministros levante a discussão sobre os efeitos da decisão do habeas corpus de
Lula para outros casos.
Ontem, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, contrários à regra
atual, avaliaram que o habeas corpus vale apenas para o ex-presidente Lula. Os
dois não têm intenção de usar o julgamento para estabelecer uma regra a todos
os casos de condenados em segunda instância porque já consideram que uma
eventual decisão favorável a Lula apontaria nova tendência. Em outras palavras,
os magistrados teriam os dois entendimentos, de 2016 e de 2018, para decidir
sobre o momento da prisão.
— É um processo subjetivo. Cada juiz decide como quer, continua
decidindo — disse Lewandowski, ao ser questionado se uma decisão favorável ao
ex-presidente poderia servir de parâmetro para as instâncias inferiores.
VOTO DE
ROSA WEBER É INCÓGNITA
Em Portugal, o ministro do Supremo Gilmar Mendes afirmou ser muito
negativo para o Brasil ter um ex-presidente condenado, e disse esperar uma
“pacificação” após decisão sobre o tema. O ministro embarcou ontem para
participar do julgamento.
— A decisão é vital para a pacificação, que não será de imediato. Não
acredito no aumento de conflitos. Aqui e acolá haverá uma escalada, palavras de
ordem mais duras dos grupos que lutam, mas não me parece que haverá uma
elevação. Qualquer que seja o resultado, pela execução de prisão em segundo
grau ou pela não execução, haverá uma acomodação pacífica em relação ao tema —
disse Gilmar.
O alcance da decisão de hoje pode ser importante para definir o voto
da ministra Rosa Weber, considerada o fiel da balança no julgamento do habeas
corpus. Ela já se posicionou pela prisão somente após esgotados todos os
recursos, mas costuma pregar respeito ao “princípio da colegialidade”, ou seja,
mesmo pensando diferente, vota de acordo com o entendimento vigente.
O
Globo
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