André de Souza
BRASÍLIA
- O julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
marcado para amanhã, e o risco de que uma decisão favorável ao petista seja
usada para reverter a regra da prisão de condenados em segunda instância,
mobilizaram integrantes do Judiciário e do Ministério Público. Um manifesto com
mais de 5 mil assinaturas foi protocolado ontem no Supremo Tribunal Federal
(STF) na tentativa de sensibilizar a Corte a não revogar a decisão tomada em
2016.
Ministros
do STF ainda não entraram em consenso se o habeas corpus de Lula, que, em tese
vale apenas para o caso dele, pode ser usado para rediscutir o tema como um
todo. Alguns magistrados contrários à prisão após condenação sem todos os
recursos julgados entendem que o habeas corpus do petista, caso a maioria do
STF mude o entendimento atual, pode alterar a jurisprudência e ter reflexo em
casos de outros condenados em segunda instância.
No
tribunal, além do habeas corpus de Lula, que tenta garantir a liberdade contra
a condenação determinada pelo juiz Sergio Moro — confirmada e aumentada pelo
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) —, há duas ações declaratórias
de constitucionalidade (ADCs) que tratam do tema de forma genérica, sem abordar
um caso específico. A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, não marcou a
data de julgamento dessas ações. Se isso ocorrer, é possível que haja mudança
no entendimento da Corte, seja para permitir a execução da pena após o trânsito
em julgado (quando esgotados todos os recursos), seja para autorizá-la somente
depois de análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma terceira
instância.
O
abaixo-assinado a favor da execução da pena já na segunda instância foi
entregue ontem no começo da tarde por um grupo de dez pessoas, entre
integrantes do Ministério Público e do Judiciário. O promotor Renato Varalda,
do Distrito Federal, disse que a intenção era entregar, nos gabinetes dos 11
ministros, uma nota técnica em defesa da execução da pena juntamente com o
abaixo-assinado. Questionado se uma decisão do STF favorável a Lula poderá ter
reflexos em outros casos, Varalda respondeu:
— Sim.
Havendo consolidação no Supremo de impossibilitar a execução provisória a
partir de decisão condenatória em segunda instância, isso se reflete no Brasil
inteiro. E causa, claro, maior sentimento de impunidade, porque serão liberados
estupradores, homicidas, “latrocidas”.
COMO FUNCIONARIA A QUESTÃO DE ORDEM
Para
tentar contrapor o movimento favorável à prisão em segunda instância, outro
abaixo-assinado, com cerca de 3 mil apoios e participação também de advogados
de investigados na Lava-Jato e defensores públicos, solicitou o oposto, ou
seja, o adiamento do início da execução da pena.
Ao menos
três ministros do STF — dois publicamente, e um em caráter reservado — também
avaliam que uma decisão favorável a Lula pode ter reflexos em outros casos. A
possibilidade de análise da jurisprudência de maneira mais ampla, e não o caso
concreto do ex-presidente, como defende outra parcela de ministros, pode ser
importante para definir o voto da ministra Rosa Weber, considerada o fiel da
balança no julgamento. Ela já se posicionou outras vezes pela prisão somente
depois de esgotados todo os recursos. Mas também costuma pregar respeito ao
“princípio da colegialidade”, ou seja, mesmo pensando diferente, vota de acordo
com o entendimento vigente quando há um caso específico em julgamento.
Uma
questão de ordem poderá ser levantada no começo ou no final da sessão por um
dos ministros contrários à regra atual. Nesse caso, Cármen teria que submetê-la
ao plenário.
Ao blog
da colunista do GLOBO Míriam Leitão, Gilmar Mendes, que já foi favorável à
prisão após condenação em segunda instância, mas hoje é contra, defendeu ontem
esse caminho:
— No
plenário, o tribunal pode fixar nova orientação em qualquer processo.
Igualmente
contrário à prisão em segunda instância, Marco Aurélio Mello reverberou Gilmar:
— Claro
que é possível mudar qualquer jurisprudência em qualquer processo, desde que
esteja evidentemente no plenário — afirmou ao GLOBO o ministro Marco Aurélio.
Outro
ministro, em caráter reservado, destacou que o plenário não se vincula a decisões
passadas e é sempre soberano, podendo fixar nova regras para as instâncias
inferiores.
Independentemente
da decisão a ser tomada, o clima de tensão em torno do julgamento levou a
ministra Cármen Lúcia a se reunir ontem por cerca de meia hora com o
diretor-geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, para tratar do esquema de
segurança no entorno do tribunal. Ela também gravou pronunciamento para pedir
serenidade e respeito às opiniões diferentes.
— Este é
um tempo em que se há de pedir serenidade. Serenidade para que as diferenças
ideológicas não sejam fonte de desordem social. Serenidade para se romper com o
quadro de violência. Violência não é justiça. Violência é vingança e
incivilidade. Serenidade há de se pedir para que as pessoas possam expor suas
ideias e posições, de forma legítima e pacífica — defendeu a presidente do
Supremo.
BARROSO “PACTO DE SAQUE AO ESTADO”
Em
palestra em evento da Organização das Nações Unidas (ONU), em São Paulo, o
ministro Luís Roberto Barroso, favorável à prisão em segunda instância,
criticou ontem a corrupção.
—
Celebrou-se de longa data, e com renovação constante, um pacto oligárquico de
saque ao Estado brasileiro entre parte da classe política e parte da classe
empresarial e parte da burocracia estatal — afirmou o ministro Barroso, que
acrescentou. — (A corrupção) não era produto de falhas individuais, era um
programa, um modo de conduzir o país com um nível de contágio espantoso que
envolva empresas públicas e privadas, agentes públicos e privados. Foi espantoso
o que realmente aconteceu no Brasil.
O
julgamento de Lula começou no dia 22 de março, mas, em razão de compromissos já
firmados por alguns ministros, foi interrompido. O adiamento também foi uma
consequência do feriado prolongado da Páscoa na Corte. Em janeiro deste ano, o
TRF-4 condenou Lula a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção
passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, no litoral de São
Paulo.
O Globo
(Colaboraram
Daniel Gullino e Renata Mariz)
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