terça-feira, 3 de abril de 2018

Juízes se mobilizam para manter prisão em 2ª instância

André de Souza

BRASÍLIA - O julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcado para amanhã, e o risco de que uma decisão favorável ao petista seja usada para reverter a regra da prisão de condenados em segunda instância, mobilizaram integrantes do Judiciário e do Ministério Público. Um manifesto com mais de 5 mil assinaturas foi protocolado ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de sensibilizar a Corte a não revogar a decisão tomada em 2016.

Ministros do STF ainda não entraram em consenso se o habeas corpus de Lula, que, em tese vale apenas para o caso dele, pode ser usado para rediscutir o tema como um todo. Alguns magistrados contrários à prisão após condenação sem todos os recursos julgados entendem que o habeas corpus do petista, caso a maioria do STF mude o entendimento atual, pode alterar a jurisprudência e ter reflexo em casos de outros condenados em segunda instância.

No tribunal, além do habeas corpus de Lula, que tenta garantir a liberdade contra a condenação determinada pelo juiz Sergio Moro — confirmada e aumentada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) —, há duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) que tratam do tema de forma genérica, sem abordar um caso específico. A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, não marcou a data de julgamento dessas ações. Se isso ocorrer, é possível que haja mudança no entendimento da Corte, seja para permitir a execução da pena após o trânsito em julgado (quando esgotados todos os recursos), seja para autorizá-la somente depois de análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma terceira instância.

O abaixo-assinado a favor da execução da pena já na segunda instância foi entregue ontem no começo da tarde por um grupo de dez pessoas, entre integrantes do Ministério Público e do Judiciário. O promotor Renato Varalda, do Distrito Federal, disse que a intenção era entregar, nos gabinetes dos 11 ministros, uma nota técnica em defesa da execução da pena juntamente com o abaixo-assinado. Questionado se uma decisão do STF favorável a Lula poderá ter reflexos em outros casos, Varalda respondeu:

— Sim. Havendo consolidação no Supremo de impossibilitar a execução provisória a partir de decisão condenatória em segunda instância, isso se reflete no Brasil inteiro. E causa, claro, maior sentimento de impunidade, porque serão liberados estupradores, homicidas, “latrocidas”.

COMO FUNCIONARIA A QUESTÃO DE ORDEM
Para tentar contrapor o movimento favorável à prisão em segunda instância, outro abaixo-assinado, com cerca de 3 mil apoios e participação também de advogados de investigados na Lava-Jato e defensores públicos, solicitou o oposto, ou seja, o adiamento do início da execução da pena.

Ao menos três ministros do STF — dois publicamente, e um em caráter reservado — também avaliam que uma decisão favorável a Lula pode ter reflexos em outros casos. A possibilidade de análise da jurisprudência de maneira mais ampla, e não o caso concreto do ex-presidente, como defende outra parcela de ministros, pode ser importante para definir o voto da ministra Rosa Weber, considerada o fiel da balança no julgamento. Ela já se posicionou outras vezes pela prisão somente depois de esgotados todo os recursos. Mas também costuma pregar respeito ao “princípio da colegialidade”, ou seja, mesmo pensando diferente, vota de acordo com o entendimento vigente quando há um caso específico em julgamento.

Uma questão de ordem poderá ser levantada no começo ou no final da sessão por um dos ministros contrários à regra atual. Nesse caso, Cármen teria que submetê-la ao plenário.

Ao blog da colunista do GLOBO Míriam Leitão, Gilmar Mendes, que já foi favorável à prisão após condenação em segunda instância, mas hoje é contra, defendeu ontem esse caminho:

— No plenário, o tribunal pode fixar nova orientação em qualquer processo.
Igualmente contrário à prisão em segunda instância, Marco Aurélio Mello reverberou Gilmar:

— Claro que é possível mudar qualquer jurisprudência em qualquer processo, desde que esteja evidentemente no plenário — afirmou ao GLOBO o ministro Marco Aurélio.

Outro ministro, em caráter reservado, destacou que o plenário não se vincula a decisões passadas e é sempre soberano, podendo fixar nova regras para as instâncias inferiores.

Independentemente da decisão a ser tomada, o clima de tensão em torno do julgamento levou a ministra Cármen Lúcia a se reunir ontem por cerca de meia hora com o diretor-geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, para tratar do esquema de segurança no entorno do tribunal. Ela também gravou pronunciamento para pedir serenidade e respeito às opiniões diferentes.

— Este é um tempo em que se há de pedir serenidade. Serenidade para que as diferenças ideológicas não sejam fonte de desordem social. Serenidade para se romper com o quadro de violência. Violência não é justiça. Violência é vingança e incivilidade. Serenidade há de se pedir para que as pessoas possam expor suas ideias e posições, de forma legítima e pacífica — defendeu a presidente do Supremo.

BARROSO “PACTO DE SAQUE AO ESTADO”
Em palestra em evento da Organização das Nações Unidas (ONU), em São Paulo, o ministro Luís Roberto Barroso, favorável à prisão em segunda instância, criticou ontem a corrupção.

— Celebrou-se de longa data, e com renovação constante, um pacto oligárquico de saque ao Estado brasileiro entre parte da classe política e parte da classe empresarial e parte da burocracia estatal — afirmou o ministro Barroso, que acrescentou. — (A corrupção) não era produto de falhas individuais, era um programa, um modo de conduzir o país com um nível de contágio espantoso que envolva empresas públicas e privadas, agentes públicos e privados. Foi espantoso o que realmente aconteceu no Brasil.

O julgamento de Lula começou no dia 22 de março, mas, em razão de compromissos já firmados por alguns ministros, foi interrompido. O adiamento também foi uma consequência do feriado prolongado da Páscoa na Corte. Em janeiro deste ano, o TRF-4 condenou Lula a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, no litoral de São Paulo. 

O Globo
(Colaboraram Daniel Gullino e Renata Mariz)


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