quarta-feira, 11 de abril de 2018

A caminho do brejo

Cora Rónai

A sociedade dá de ombros, vencida pela inércia

Um país não vai para o brejo de um momento para o outro — como se viesse andando na estradinha, qual vaca, cruzasse uma cancela e, de repente, saísse do barro firme e embrenhasse pela lama. Um país vai para o brejo aos poucos, construindo a sua desgraça ponto por ponto, um tanto de corrupção aqui, um tanto de demagogia ali, safadeza e impunidade de mãos dadas. Há sinais constantes de perigo, há abundantes evidências de crime por toda a parte, mas a sociedade dá de ombros, vencida pela inércia e pela audácia dos canalhas.
Aquelas alegres viagens do então governador Sérgio Cabral, por exemplo, aquele constante ir e vir de helicópteros. Aquela paixão do Lula pelos jatinhos. Aquelas comitivas imensas da Dilma, hospedando-se em hotéis de luxo. Aquele aeroporto do Aécio, tão bem localizado. Aqueles jantares do Cunha. Aqueles planos de saúde, aqueles auxílios moradia, aqueles carros oficiais. Aquelas frotas sempre renovadas, sem que se saiba direito o que acontece com as antigas. Aqueles votos secretos. Aquelas verbas para “exercício do mandato”. Aquelas obras que não acabam nunca. Aqueles estádios da Copa. Aqueles superfaturamentos. Aquelas residências oficiais. Aquelas ajudas de custo. Aquelas aposentadorias. Aquelas vigas da perimetral. Aquelas diretorias da Petrobras.
A lista não acaba.
Um país vai para o brejo quando políticos lutam por cargos em secretarias e ministérios não porque tenham qualquer relação com a área, mas porque secretarias e ministérios têm verbas — e isso é noticiado como fato corriqueiro da vida pública.
Um país vai para o brejo quando representantes do povo deixam de ser povo assim que são eleitos, quando se criam castas intocáveis no serviço público, quando esses brâmanes acreditam que não precisam prestar contas a ninguém — e isso é aceito como normal por todo mundo.
Um país vai para o brejo quando as suas escolas e os seus hospitais públicos são igualmente ruins, e quando os seus cidadãos perdem a segurança para andar nas ruas, seja por medo de bandido, seja por medo de polícia.
Um país vai para o brejo quando não protege os seus cidadãos, não paga aos seus servidores, esfola quem tem contracheque e dá isenção fiscal a quem não precisa.
Um país vai para o brejo quando os seus poderosos têm direito a foro privilegiado.
Um país vai para o brejo quando se divide, e quando os seus habitantes passam a se odiar uns aos outros; um país vai para o brejo quando despenca nos índices de educação, mas a sua população nem repara porque está muito ocupada se ofendendo mutuamente nas redes sociais.
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O Brasil caminha firme em direção ao brejo há muitas e muitas luas, mas um passo decisivo nessa direção foi dado quando Juscelino construiu Brasília, aquela farra para as empreiteiras, e quando parlamentares e funcionários públicos em geral ganharam privilégios inéditos em troca do “sacrifício” da mudança para lá.
Brasília criou um fosso entre a nomenklatura e os cidadãos comuns. A elite mora com a elite, convive com a elite e janta com a elite, sem vista para o Brasil. Os tempos épicos do faroeste acabaram há décadas, mas os privilégios foram mantidos, ampliados e replicados pelos estados. De todas as heranças malditas que nos deixaram, essa é a pior de todas.
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Acho que está rolando uma leve incompreensão dos reais motivos de mobilização da população em alguns setores. Eles parecem acreditar que o MBL e o Vem Pra Rua falam pelos manifestantes, ou têm algum significado político, quando, na verdade, esses movimentos funcionam mais como agentes de mobilização — afinal, alguém precisa marcar uma data e um horário, ou nenhuma manifestação acontece.
A maioria das pessoas que foi às ruas está pouco se lixando para eles. Seu alvo primordial é gritar contra a corrupção, a sordidez que rege a vida política brasileira, a bagunça geral que toma conta do país. Seu principal recado é o apoio à Lava-Jato, que parece ser a única coisa que funciona num cenário em que o resto se desmancha.
Se ninguém fez muita questão de gritar #ForaTemer nos protestos de domingo passado, isso talvez se deva menos a palavras de ordem vindas de carros de som do que a dois fatos bastante simples. O primeiro é que está implícita na insatisfação popular a insatisfação com Temer, e naquele momento parecia mais urgente responder aos insultos do Congresso; o segundo é que há uma resistência natural a se usar uma palavra de ordem criada pelo “outro lado”, pela turma que acredita na narrativa do golpe.
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Gilmar Mendes disse que a decisão de Marco Aurélio Mello de afastar Renan da mesa do Senado é “indecente”. Não, ministro. Pode ser qualquer outra coisa, mas indecente não é. Indecente é um homem como Renan Calheiros ocupar a mesa do Senado. Aliás, indecente é um homem como Renan Calheiros, que já renunciou ao mandato para não ser cassado e tem mais prontuário do que biografia.
Com todo o respeito, ministro, o senhor precisa rever as suas prioridades e dar um trato nos seus adjetivos.

O Globo


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