Arnaldo Jordy - Portal
- PPS
A
entrevista do juiz Sérgio Moro no programa Roda Vida, da TV Cultura, nesta
segunda-feira, 26, não apenas bateu recordes de audiência e de comentários nas
redes sociais, como serviu para relembrar aos brasileiros a importância da
operação Lava Jato e do combate à corrupção sistêmica para o país. Essa chaga é responsável por desvios que
chegam a 220 bilhões por ano, dinheiro que sai dos cofres públicos para os
bolsos dos corruptos. Somente as operações escandalosas perpetradas na
Petrobras e desvendadas pela Lava Jato causaram prejuízo de seis bilhões aos
cofres da estatal.
O dilema
que se coloca é muito claro: temos a opção de continuar a apoiar a Lava Jato
para o bem do Brasil e a recuperação da sua imagem, ou concordamos que somos
tolerantes a corrupção e iremos afundar cada vez mais na barbárie, no
vale-tudo, no desprezo às leis e ao Judiciário. Nesse caso, vamos passar a
achar normal que um gerente da Petrobras devolva 98 milhões de dólares após ser
flagrado pelas investigações, ou que uma grande empreiteira como a Odebrecht
tenha um departamento estruturado apenas para pagar propina, não só no Brasil,
como também no exterior, onde suas operações fora da lei já foram responsáveis
pela queda de um presidente, Pedro Pablo Kuczynski, do Peru, que renunciou após
escândalo de compra de votos com dinheiro da empreiteira brasileira.
Ao
admitir sua culpa e renunciar, Kuczynski mostrou muito mais dignidade do que
políticos brasileiros envolvidos até o pescoço com a corrupção, mas que
insistem em fingir que são vítimas, ao invés de fazer a necessária autocrítica
e deixar o caminho livre para que a justiça seja feita, pelo bem do país.
É inaceitável
a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal para que reveja a regra da prisão em
segunda instância. É bom salientar para os desavisados que desde o Código Penal
de 1941 prevalece a regra da prisão em segunda instância, que veio até 2009,
quando se decidiu pela prisão em última instância, por conta do mensalão. A
partir de 2016 se restabeleceu a regra original da prisão em segunda instância.
É preciso lembrar que 191 dos 194 países da ONU adotaram a prisão em primeira
ou segunda instância, entre eles, França e Estados Unidos, berços de
democracias duradouras e estáveis.
Alterar
isso por um casuísmo eleitoral, para beneficiar um candidato que corre o risco
de ser preso, de fato avilta o Judiciário. Infelizmente, essa pressão parte não
só de fora, mas também de dentro da Corte. É também uma pressão a favor da
impunidade para o andar de cima, para o criminoso de colarinho branco, que
sempre se beneficiou da lentidão do grau recursal da Justiça no Brasil, onde
quem tem bons advogados dificilmente vai para a cadeia.
Sem
falar que a revisão esdrúxula dessa regra tiraria da cadeia centenas de
condenados que já cumprem pena após condenação em segunda instância, também na
área criminal, incluindo pedófilos e assassinos. Seria a celebração da
impunidade e a volta de uma regra que permitiu a protelação de prisões de
condenados até a prescrição do crime ou a chegada do criminoso a uma idade
avançada, que o impede de pagar pelos seus crimes na cadeia, como vimos agora
com Paulo Maluf, que, logo no começo da sua pena, ganhou direito a prisão
domiciliar, por questões humanitárias, porque já tem 86 anos.
Concordo
com o juiz Sérgio Moro quando ele diz que a mudança da jurisprudência sobre
prisão em segunda instância seria um retrocesso terrível para os avanços da operação
Lava Jato, responsável por 188 condenações contra 123 pessoas, que somam 1.861
anos e 20 dias de penas, em um país onde a impunidade para crimes de colarinho
branco sempre foi a regra. Em janeiro deste ano, foi divulgado um balanço
informando que a Lava Jato já havia condenado, na primeira instância e segunda
instância, ao longo de quatro anos, no Paraná e no Rio de Janeiro, um total de
144 pessoas, a maioria delas, 113, em Curitiba, onde atua o juiz Sérgio Moro. O
quadro muda de figura quando os denunciados têm foro privilegiado e são
julgados pelo STF. Das 100 pessoas incluídas em 36 denúncias da Lava Jato ao
STF, nenhuma foi condenada até agora.
Não é a
toa que a Lava Jato é aprovada pela imensa maioria dos brasileiros, grande
parte dos quais está disposta a ir às ruas para defender a punição dos
corruptos, em uma mudança da cultura que sempre privilegiou o jeitinho e as
tentativas de se dar bem em tudo. Essa é uma conduta que precisa mudar também
no cotidiano de cada um, para o bem do país. Cada um quer pergunte à sua
consciência: que justiça queremos no Brasil?
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