Rolf
Kuntz
Para
avaliar os danos causados pelo petista é preciso levar em conta seu projeto de
poder
Como Al Capone, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi
condenado pelo menor de seus crimes. Alphonse Gabriel Capone, uma das figuras
mais sanguinárias e mais célebres da história criminal, foi para a cadeia por
sonegação de impostos. Lula foi sentenciado por um caso de corrupção vinculado
a um apartamento triplex no Guarujá. Seu segundo processo envolve um sítio em
Atibaia. As histórias de ambos, muito diferentes em vários outros aspectos, têm
uma curiosa semelhança: a enorme desproporção entre os males causados e os
delitos imputados formalmente a seus autores.
Alguns poderão julgar um despropósito a comparação entre o bandido
americano e o político brasileiro. Podem ter razão, se estiverem considerando
as leis violadas em cada caso. Não há homicídio na história de Lula, nem uso da
violência, nem prática rotineira da maior parte dos chamados crimes comuns. Mas
as façanhas do líder petista são imensamente maiores que as do chefe mafioso,
quando se levam em conta o alcance e os efeitos econômicos e sociais de suas
ações. As barbaridades de Al Capone, suficientes para uma porção de filmes
sensacionais, sempre tiveram caráter microeconômico, mesmo quando envolveram
corrupção de autoridades.
Lula assumiu a Presidência em 2003 com um projeto de poder e um plano
de governo subordinado a suas enormes ambições políticas. Foi capaz de
perceber, ao contrário de muitos outros petistas, a importância política de
promover ajustes e de controlar a inflação. Era preciso desarmar a desconfiança
do setor privado.
Não havia, de fato, a herança maldita proclamada por petistas. As
dificuldades eram explicáveis principalmente pela reação dos mercados a ameaças
do PT. Figuras importantes do partido haviam prometido, entre outras bobagens,
uma “renegociação” – de fato, um calote – da dívida pública.
Aconselhado por Antônio Palocci, futuro ministro da Fazenda, Lula
convidou o presidente do BankBoston, Henrique Meirelles, para dirigir o Banco
Central (BC). Seria mais um avalista do governo. Durante o primeiro mandato a
promessa de bom comportamento foi em parte cumprida. O BC combateu a inflação
com aparente liberdade e a política fiscal foi conduzida com algum cuidado,
apesar da expansão da folha de pagamentos. Nos oito anos de Lula, a despesa com
pessoal e encargos do Executivo cresceu 135,6%, enquanto a inflação ficou em
56,6%.
Os crimes do mensalão só se tornariam assunto público a partir de
2005, mas sem atrapalhar a reeleição do presidente. Na política econômica nada
foi feito para ampliar e consolidar a pauta de reformas nem se implantou uma
estratégia efetiva de desenvolvimento.
Completada a primeira etapa, tudo começou a desandar, com o abandono
da responsabilidade fiscal, as enormes transferências do Tesouro para o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a política dos campeões
nacionais, o aumento do protecionismo e a devastação das estatais. Com
incompetência e irresponsabilidade incomuns, a presidente Dilma Rousseff
completou o desastre, quase quebrando o Tesouro e levando o País à recessão.
O primeiro mandato de Lula, enfim, foi orientado inteiramente para
consolidar, sem resistência nos mercados, o projeto de dominação. O aparelho
federal foi submetido às ambições de poder do presidente. As condições para
pilhagem das estatais foram um desdobramento dessa política. Petistas e aliados
tomaram a administração federal como se fossem forças de ocupação. A devastação
da Petrobrás e de outras estatais foi parcialmente descrita nos informes da
Operação Lava Jato e de outras investigações.
A conversão da Petrobrás em instrumento da política industrial petista
forçou a empresa a comprar insumos e equipamentos nacionais, mesmo quando muito
mais caros que os importados. Comprometeu sua rentabilidade, reduziu seu
potencial de investimento e, além disso, abriu espaço para troca de favores e
corrupção.
A política de investimentos, subordinada às ambições, aos critérios
políticos e à fantasia de liderança regional de Lula, jamais concretizada,
favoreceu projetos como o da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Deveria ter
sido um empreendimento brasileiro e venezuelano. Nenhum centavo da Venezuela
foi aplicado nas obras. Além disso, os custos, multiplicados por oito, chegaram
à casa de US$ 20 bilhões.
Lula ostensivamente mandou na Petrobrás, indicando diretores,
influenciando seus planos, orientando seus investimentos e seus objetivos. Não
há como disfarçar sua responsabilidade pelos desmandos na gestão da empresa,
assim como é impossível desvincular seu nome da política de compadrio do BNDES.
Basta examinar a lista de empresas beneficiadas e os nomes mais vistosos nos
processos de corrupção.
Nunca se levaram a sério, nessa fase, os princípios constitucionais
definidos para a administração pública no artigo 37: “legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. A exigência de
produtividade no serviço público foi sempre desqualificada como preconceito
neoliberal.
Na versão mais complacente, os casos de corrupção ocorridos no Brasil
durante a fase petista podem ser mais numerosos que os observados em outros
países, mas são da mesma natureza. Esse é o grande engano. A corrupção
brasileira, nesse período, foi vinculada essencialmente a um estilo de governo
e, mais que isso, a uma forma de ocupação do aparelho estatal. Pode-se trocar a
palavra ocupação, nesse caso, por apropriação ou mesmo por privatização da
máquina.
Esse projeto de poder foi comprometido pelo fracasso da presidente
Dilma Rousseff. Nesse caso, ele cometeu um desastroso erro de pessoa, ou, mais
propriamente, de poste. Vitorioso o projeto, Lula nunca precisaria de
escrituras ou de recibos para realizar sonhos de consumo ou de riqueza. Tudo
viria, como veio por um tempo, como produto do poder.
O
Estado de São Paulo
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