Editorial
Depois de vários dias de tensão, o Supremo Tribunal Federal (STF)
rejeitou o habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula da Silva.
Prevaleceu, afinal, o bom senso que parecia faltar naquele canto da Praça dos
Três Poderes. A principal Corte do País entendeu que, nesse caso específico,
não caberia impedir a prisão do líder petista, se decidida, após julgamentos
regulares em duas instâncias.
A despeito do esforço de alguns ministros em favor do ex-presidente –
um deles, Marco Aurélio Mello, chegou a ser grosseiro com a presidente do
Supremo, Cármen Lúcia, e com a ministra Rosa Weber quando percebeu para onde se
encaminhava a votação –, a Corte não permitiu que se consumasse um casuísmo: a
mudança de jurisprudência em relação à possibilidade de prisão após condenação
em segunda instância tendo por base um pedido que não poderia ir além da pessoa
do condenado Luiz Inácio. E, assim, o Supremo interrompeu uma série de
despautérios. Não se curvou a Lula e preservou um mínimo de respeito pelas
decisões tomadas no âmbito dos tribunais inferiores.
O voto majoritário, atendo-se a maioria dos juízes ao caso em pauta,
corroborou a decisão que o Supremo tomou em novembro de 2016, portanto há menos
de dois anos, em favor da possibilidade do início da execução de pena de prisão
após condenação em segunda instância. Desde então não se exige o integral
trânsito em julgado para que a pena comece a ser cumprida, bastando para isso
que haja uma decisão colegiada em segundo grau. Considerou-se que, após essa
instância, não se está mais analisando fatos e provas sobre a culpabilidade do
réu, já devidamente assentada. Em
qualquer país civilizado, a sentença de um juiz deve ser cumprida, ainda que
caibam recursos; no Brasil, contudo, até essa importante decisão do Supremo,
sentenças de juízes de tribunais inferiores não valiam nem o papel em que
estavam escritas, a depender da capacidade financeira ou do poder político do
réu.
Era nisso que apostava o sr. Lula da Silva. O chefão petista tentou
transformar seu processo em questão política, pois, no estrito âmbito judicial,
não cabia mais nenhuma dúvida sobre sua culpa. O ex-presidente foi condenado em
12 de julho de 2017 pelo juiz federal Sérgio Moro a nove anos e seis meses de
prisão, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Posteriormente, em 24 de janeiro deste ano, ao analisar recurso da defesa, os
três desembargadores da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região
(TRF-4) não apenas confirmaram por unanimidade a condenação, como ainda ampliaram
a pena para 12 anos e um mês de prisão. Em seguida, em 6 de março, os cinco
ministros da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitaram pedido de
habeas corpus preventivo impetrado pela defesa de Lula. A decisão teve como
base a jurisprudência firmada pelo STF a respeito da possibilidade de prisão
após condenação em segunda instância. Por fim, em 26 de março, os três
desembargadores da 8.ª Turma do TRF-4 rejeitaram o derradeiro recurso dos
advogados de Lula. Ou seja, em todo esse percurso, no qual todos os ritos
processuais foram rigorosamente respeitados, em que o réu teve amplamente
assegurada sua defesa, Lula não teve um único voto a seu favor. Portanto, não é
possível, no terreno do direito, falar em presunção de inocência ou de
cerceamento ao amplo direito de defesa.
É por esse motivo que Lula passou todo o processo a se dizer
“perseguido político”, como se a incontestável unanimidade de sua condenação só
pudesse ser explicada por uma colossal conspiração das “elites”, sempre
indispostas com a dedicação desse grande brasileiro aos pobres e desvalidos do
País, segundo a mitologia lulopetista.
Lula, corretamente, nunca acreditou que pudesse engabelar os juízes
das instâncias inferiores, que julgaram seu caso exclusivamente conforme as
provas. Ao politizar a questão, imaginava que pudesse contar, no Supremo, com
os votos que lhe faltaram nos outros tribunais, pois aquela Corte vinha
adotando estranhas decisões, algumas contra legem, outras de mera invasão de
prerrogativas alheias.
O que se viu na sessão de ontem, contudo, foi a prevalência do
respeito do Supremo à sua própria jurisprudência. Considerando-se a confusão
institucional em que o País está metido, só isso já deve ser considerado um
grande avanço.
O
Estado de São Paulo
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