Cristiano Romero
Estado do Rio foi o que mais
aumentou gasto com pessoal
No
pacote de medidas que o Ministério da Fazenda negocia com o governo do Rio de
Janeiro consta a redução da jornada de trabalho e dos salários dos funcionários
públicos estaduais. Os gastos com pessoal ativo e aposentados consomem
atualmente 90% da receita corrente líquida do Estado.
Entre
2009 e 2015, realizou-se uma verdadeira farra dos salários nos governos
estaduais. Dados do Tesouro Nacional mostram que a mediana do crescimento real
dos gastos com pessoal, no conjunto dos 26 Estados e o Distrito Federal, foi
39,5%. O Rio de Janeiro está no extremo dessa conta: no período, foi o que mais
aumentou, em termos reais, essa despesa - 70%!
Luiz
Fernando Pezão (PMDB), governador fluminense eleito em 2014, não tem o direito
de reclamar. Ele foi quem mais elevou a despesa com pessoal depois de assumir o
cargo em 2015: 20% em termos reais. Governado pelo petista Fernando Pimentel, o
Estado de Minas Gerais, também virtualmente quebrado, foi no mesmo caminho ao
aumentar o gasto com funcionários em pouco menos de 20%, em termos reais, em
2015.
Note-se
que essa irresponsabilidade com o dinheiro público foi cometida já em meio à
terrível crise econômica pela qual o país atravessa. Isso mostra que ainda
falta institucionalidade a uma área vital da economia brasileira: o controle
das finanças públicas.
Como não
podem demitir, os atuais governadores serão obrigados a cortar cargos
comissionados, dispensar servidores não concursados e reduzir salário e jornada
dos concursados. Numa situação como essa, o ideal seria ter à mão a
possibilidade da demissão, mas a Constituição assegura aos funcionários
públicos estabilidade - na verdade, a demissão é possível, mas as condições
para tanto praticamente a inviabilizam.
O atual
governo entende que, em caso de calamidade financeira, o corte de salário e
jornada é possível e, no caso de Estados como o Rio de Janeiro, necessária. Uma
vez adotada, a flexibilização das regras servirá para todos os entes da
federação e não apenas para o Rio. Provavelmente, poderá ser usada apenas em
períodos como o atual, de crise fiscal aguda.
Outra
decisão que constará do acordo com o governo fluminense será a elevação da
contribuição previdenciária dos funcionários públicos, fixada hoje em 11% do
salário bruto. Além de confirmar essas medidas, o ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles, informou ao titular desta coluna que a Companhia Estadual de Águas e
Esgotos (Cedae) não será federalizada.
O
compromisso que o governo fluminense assumirá com a União, dentro do acordo de
recuperação fiscal que está sendo negociado, é privatizar a empresa. O processo
de venda da Cedae ficará a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES). O governo estadual acredita que possa levantar R$ 5 bilhões
com o negócio. A privatização é uma das contrapartidas exigidas pelo governo
federal no processo de recuperação fiscal. Há outras exigências.
Pelo
acordo, o Estado do Rio ficará alguns anos - possivelmente, três ou até cinco -
sem pagar os juros da dívida com a União e outras instituições federais. O
governo estadual desembolsa anualmente algo entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões
para honrar o serviço da dívida. Com o acerto, o pagamento de todas as dívidas
com o setor público será suspenso.
O
governo do Rio opera hoje com um déficit anual de R$ 19 bilhões. A principal
fonte de receita do Estado - os royalties da produção de petróleo - está
comprometida até 2022 porque o governo antecipou essa receita nos últimos anos
junto a investidores estrangeiros.
O
ministro Henrique Meirelles informou que pretende concluir hoje a negociação
dos termos do acordo com o Rio. Os próximos passos serão obter a aprovação do
presidente Michel Temer e a homologação do acerto no Supremo Tribunal Federal
(STF). "Vamos submeter o acerto ao Supremo para ter segurança jurídica e
evitar contestações adiante", comentou Meirelles.
A
participação do STF é fundamental. Em entrevista a Zínia Baeta e Adriana
Aguiar, da Editoria de Legislação do Valor, Gustavo Justino de Oliveira, professor
de Direito Administrativo da USP, disse que a possibilidade de redução dos
vencimentos é polêmica porque o inciso XV do artigo 37 da Constituição assegura
a irredutibilidade dos salários aos funcionários públicos, a não ser em casos
excepcionais. Como o Estado do Rio decretou calamidade financeira, essa pode
ser considerada uma situação excepcional. "Mas, provavelmente, os
servidores públicos questionariam a redução de vencimentos na Justiça com a
alegação de que isso contraria a Constituição de 1988, a depender do texto da
lei do Estado do Rio", observou Oliveira.
Carlos
Ari Sundfeld, professor de Direito Administrativo da FGV-SP, explicou que
dispositivo do artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que possibilita a
redução temporária da jornada de trabalho e de vencimentos, foi julgado
inconstitucional, pelo STF, em 2007. De acordo com ele, para colocar em prática
um plano de redução de jornada e salários seria necessário que o Supremo
voltasse atrás naquela decisão, concedida por meio de liminar.
A crise
fiscal dos Estados também faz parte da herança maldita do governo Dilma
Rousseff. Em 2013, já percebendo que a Nova Matriz Econômica, que prometeu aos
incautos derrubar os juros na marra, desvalorizar a taxa de câmbio para
estimular as exportações e usar o Estado como indutor do crescimento, não
estava dando certo, Dilma e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, decidiram
liberar os governos estaduais do cumprimento da meta de superávit primário.
A
esperança era que, sem as amarras da União e com mais dinheiro em caixa, os
governadores aumentassem os investimentos, ajudando a movimentar a economia. Os
investimentos, de fato, cresceram, mas não a ponto de evitar a tragédia vivida
pela nação desde 2014. O que se viu naqueles dois anos e também em 2015 foi o
vertiginoso aumento das despesas dos Estados com pessoal.
O
exemplo que eles tinham, de fato, não era bom. Em 2009, ano em que o Brasil
passou por uma rápida recessão em decorrência da crise financeira mundial, o
governo Lula achou por bem turbinar os reajustes salariais do funcionalismo
público federal, alegando tratar-se de uma política anticíclica para ajudar a
tirar o país da crise...
Valor Econômico
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