FELIPPE HERMES
Uma
monarquia parlamentarista com religião oficial de Estado e uma das sociedades
mais liberais da Europa. Parece improvável, mas essa é a Suécia que ganhou o
posto de modelo da esquerda democrática no mundo (e da nem tão democrática
assim em menor grau). O sucesso do Estado de bem-estar social na Suécia é uma
prova, segundo muitos, de que a intervenção estatal é parte fundamental no
desenvolvimento de um país. Mas, como de costume, a história é sempre contada
pela metade.
O modelo
de desenvolvimento sueco vai muito além da concessão de enormes benefícios
sociais à população em troca de pesadíssimos impostos sobre a renda, que podem
chegar a 59% na alíquota máxima (número que já foi de 102% em 1975), ou 44% na média
de toda a população. Com uma longa tradição liberal na economia, a Suécia
desfrutou de um dos mais longos períodos de crescimento já registrados na
história mundial. Foram nada menos do que 100 anos, entre 1850 e 1950, com
tarifas de importação zeradas, adoção do padrão ouro e uma das economias mais
abertas da Europa. Durante o período, a economia do país registrou um crescimento
médio de 1,64% no PIB per capita, contra 0,89% da média mundial. A Suécia
enriqueceu.
A
mudança de rumo, porém, teve início nos anos 50, quando o então Partido Social
Democrata, SAP na sigla sueca, mudou os rumos da economia para a adoção de um
modelo inspirado nas políticas fiscais e de pleno emprego do new deal, o
plano americano adotado após a crise de 1929. Quarto país mais rico da Europa em 1950, a
Suécia assistiu a ascensão de um modelo baseado em pleno emprego e no
suprimento de demandas da Europa do pós guerra. A economia sueca, porém, que
até então crescia 60% acima da média europeia, passou a crescer 15% menos
durante as 2 décadas que se seguiram.
O
período de 1970 a 1990 é amplamente conhecido como o apogeu do Estado de bem
estar social. Durante este período, ocorreu o ápice da taxação sobre a renda
(os tais 102% de alíquota máxima), além do aumento de benefícios sociais que
cobriam literalmente do berço ao túmulo.
O
governo sueco passou a agir diretamente na distribuição dos lucros das
empresas, em uma mal sucedida política que previa transformar parte dos lucros
em ações das empresas – que acabariam detidas por fundos controlados por
sindicatos. Pela proposta, em 20 anos os sindicatos deteriam nada menos que 52%
do capital das empresas do país.
Todo o
processo, entretanto, foi interrompido com a chamada “Grande Depressão Sueca”,
com causas que variam da excessiva dívida pública do país, que vinha de
déficits constantes, à explosão no crédito, promovida pelo Banco Central e um
claro desgaste em mercados antes puxadores do crescimento, como o setor
imobiliário. Ao longo de 3 anos o país entrou em uma profunda recessão. O
resultado que se segue a esta quebra, porém, é pouco divulgado. Abaixo listamos
7 exemplos de políticas adotadas que levaram a Suécia a rever boa parte do que
nos contaram sobre o país até então.
1. A
CARGA TRIBUTÁRIA ESTÁ CAINDO, AO CONTRÁRIO DOS DEMAIS PAÍSES RICOS.
Para
financiar a expansão dos gastos sociais, os governos sociais democratas se
especializam em expandir a carga de impostos para além da cobrança tradicional
de imposto sobre a renda. Ao contrário destes, os impostos sobre o consumo, que
são maioria em países como o Brasil, apresentam menor rejeição pela população.
Aumentar impostos específicos requer menos desgaste político do que elevar uma
única alíquota de imposto de renda.
Com base
nisso, a carga tributária da Suécia cresceu a partir dos anos 70,
saindo de 31,4% para expressivos 53% em menos de 2 décadas. Apesar disto, os
déficits do país continuarem crescendo. A solução encontrada, tal qual no
Brasil, foi delimitar em lei o limite do gasto público. Mas, ao contrário do
Brasil, onde a lei só se aplica aos estados e municípios, na Suécia, o governo
federal foi duramente afetado.
Entre 2000
e 2013, a Suécia registrou uma redução de nada menos do que 7 pontos
percentuais, saindo de 49,5% para atuais 42,8%. Para efeito de comparação, a carga
brasileira cresceu de 30,3% para 35,95% no mesmo período.
2. O
NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS É O MENOR EM DÉCADAS.
Um dos
efeitos mais notáveis da ampliação do sistema de bem-estar social foi
justamente a elevação do percentual de funcionários públicos no país. Entre
1970 e 1990, o número de funcionários públicos para cada empregado
do setor privado saiu de 0,386 para 1,51.
Como
ressalta o Le Monde, a redução do número de
funcionários públicos foi encarada pelos governos suecos como uma forma de
reativar a economia. O número de funcionários públicos caiu de 1,7 milhões para
1,3 milhões entre 1990 e 2013, enquanto no mesmo período, os trabalhadores do
setor privado saíram de 2,8 milhões para 3,25 milhões. Ainda de acordo com a
OCDE, os gastos do país com funcionalismo não se distinguem de nenhuma das
economias consideradas menos intervencionistas – de fato, gasta-se menos do
orçamento com o funcionalismo do que, por exemplo, nos Estados Unidos.
3. A
RELAÇÃO DÍVIDA/PIB É MENOR QUE A BRASILEIRA.
Após ver
sua dívida decuplicar (crescer impressionantes 10 vezes) entre 1975 e 1990, a
Suécia aproveitou os anos de profunda recessão para repensar por inteiro sua
gestão. Em 1991, os juros da dívida pública consumiam 29% da arrecadação de
impostos do país, contra 6% do Brasil em 2013.
Assim
como o Brasil, os suecos criaram sua Lei de Responsabilidade Fiscal e trataram
de amarrar o crescimento do governo pelos anos seguintes. Constantes superávits
fiscais levaram o país a reduzir drasticamente o peso da dívida, que saiu de
71% em 1991 para 38% atuais (contra 64,6% do governo brasileiro). Quando
analisamos a dívida líquida, aquela que inclui os ativos do governo, como
reservas internacionais, os suecos são de fato devedores de apenas 10% de seu PIB,
contra 35% do governo brasileiro.
4.
GRANDES CORPORAÇÕES PAGAM MENOS IMPOSTOS NA SUÉCIA DO QUE NO BRASIL OU NOS
ESTADOS UNIDOS.
Ao
contrário do que possa parecer, os suecos tributam menos grandes empresas do
que os demais países europeus. Apenas 6% da arrecadação do país vem de imposto
sobre empresas, contra 9% na média da OCDE. Os impostos sobre consumo também
possuem maior peso no país nórdico do que nos demais países da OCDE – são $29
em cada $100 arrecadados, contra $23 na média dos países.
A
redução do imposto sobre grandes corporações tem sido uma prática constante no
país, como parte da integração econômica com a União Europeia. Empresas como a
brasileira Évora escolhem a Suécia como sede europeia justamente pelos baixos
impostos. As taxas sobre pessoa jurídica se encontram hoje em 22%, contra 34%
no Brasil (podendo chegar a 45% em bancos) e 40% nos Estados Unidos. A redução de impostos corporativos
tem sido uma constante na OCDE, para escapar de grandes empresas que abusam de
táticas contábeis para reduzir impostos pagos. Os Estados Unidos são neste
aspecto um ponto fora da curva, com uma taxa maior que todos os demais. O fato,
porém, não elimina o destaque sueco neste caso, conseguindo manter taxas
menores que França, Reino Unido, Alemanha e Espanha.
5. AS
PRIVATIZAÇÕES ESTÃO NA MODA NA SUÉCIA.
Ao
contrário de países como o Brasil, onde o tema se tornou um tabu, os sucessivos
governos social democratas e conservadores que sucederam a grande depressão do
país, encontraram na venda de empresas estatais uma forma de garantir o
cumprimento de metas fiscais e reduzir a dívida pública.
Os
processos são contínuos e incluem de fabricantes de bebidas a bancos. Em um dos
casos mais recentes, a Suécia privatizou suas farmácias, que até 2011 eram
estatais. O país era um dos 3 no mundo a ter este setor sob controle do Estado
– junto a Cuba e Coréia do Norte. A venda da Apoteket terminou com o monopólio
estatal no setor, e sem resultar num monopólio privado. Cerca de 1/3 dos
estabelecimentos foram revendidos aos funcionários que operavam as lojas.
O
governo sueco promoveu a privatização do Nordea, banco com presença em todos os
países nórdicos, além da Finlândia, Polônia e outros países europeus. A bolsa
do país, antes também estatal, foi privatizada, levantando US$ 4 bilhões.
Dentre as privatizações planejadas, se encontram ainda a companhia aérea detida
em conjunto com países da região, além de uma companhia telefônica, na qual o Estado
ainda é acionista. Ao contrário do que possa parecer, defender as privatizações
não foi um fator negativo na política do país. Pela primeira vez desde o pós
guerra um governo conservador se reelegeu, permanecendo 8 anos no cargo. Antes
dele, o último conservador a comandar o país havia sido o responsável por gerir
a Suécia na sua grande depressão, entre 1991 e 1994.
6. E
ELES ESTÃO PRIVATIZANDO SAÚDE E EDUCAÇÃO.
Apesar
de financiada pelo Estado, a saúde e a educação na Suécia têm sido, nas
palavras do jornal inglês “The Guardian”, um laboratório para a
implementação do setor privado no país, conhecido pelo sistema de saúde
socializado. Governos conservadores e trabalhistas, de direita e esquerda,
promoveram durante os últimos 15 anos um prolongado ajuste sobre ambos os
setores. Atualmente a Suécia conta com 30% dos atendimentos médicos e 1 em cada
8 escolas sendo geridas pela iniciativa privada.
O debate
no país tem se centrado, entretanto, na possibilidade das empresas obterem
lucro. Como no Brasil, inúmeros provedores de saúde e educação são entidades
sem fins lucrativos, com a diferença de que lá, como no Chile, o governo
financia a aquisição de ambos os serviços por meio dos
chamados ‘vouchers’, cheques com destinação certa.
A
abertura no país tem servido de exemplo, como relatou a The Economist, também britânica, para reformar a saúde inglesa. Como aponta a revista, os suecos
tem feito aquilo que Thatcher não conseguiu fazer – reduzir o peso do Estado na
gestão de saúde. Além de servir de base para outros países, o modelo permite o
surgimento de grandes empresas no setor, como a Capio, que administra um dos maiores
hospitais do país e possui 11 mil funcionários.
Os
resultados têm sido expressivos, em especial no tempo de atendimento. Ainda
segundo o The Guardian, o tempo médio de espera em uma emergência de um
destes hospitais tem sido de meia hora, contra uma média de 4 horas em
emergências de hospitais ingleses.
7. É
MAIS FÁCIL FAZER NEGÓCIOS NA SUÉCIA DO QUE NA ALEMANHA.
A
abertura comercial, marca da Suécia liberal do século XIX, tem se mantido
intocada pelo país ao longo das últimas décadas. A ausência de uma lei de
salário mínimo, flexibilidade trabalhista e um baixo peso de impostos sobre os
salários (na média os números são aproximadamente metade dos brasileiros – ou
seja, enquanto no Brasil para cada R$ 1 em salário, paga-se R$ 1,03 em
impostos, na Suécia a taxa é de $ 0,44).
O país
possui uma colaboração de destaque no ranking da Doing
Business,
organização que mede os padrões internacionais de burocracia e outras
dificuldades para implementação de um negócio.
Assim
como a Noruega, onde fazer negócios é mais fácil do que nos Estados Unidos, a
Suécia se destaca como a 11ª colocada no ranking, à frente de países como
Alemanha, Suíça e Holanda (respectivamente a maior economia da Europa, o país
com maior facilidades para o setor financeiro e o país com o maior porto do
continente).
O que
torna a Suécia tão atraente, porém, é justamente sua posição em um 4º
lugar no ranking de países com maiores tratados comerciais. A Suécia – ao contrário
do Brasil, que nos últimos 12 anos realizou apenas 3 acordos bilaterais –
especializou-se em firmar acordos de livre comércio.
A
transformação da Suécia de uma utopia de esquerda em um dos países mais
culturalmente e economicamente abertos do continente, tem sido uma
experiência notável, com certo destaque para a importância de suas
instituições. O tal socialismo sueco convive mais
na mentalidade apaixonada de pessoas incapazes de correlacionar fatos
e eventos do que na prática. O país, ao contrário do que se pensa, não adquiriu
sua riqueza graças à distribuição de renda – em suma, os suecos aprenderam na
prática algo que os brasileiros ainda relutam em aceitar: a criação de riqueza
é um passo fundamental para aqueles que sonham em dividi-la.
Spotniks
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