quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

PT mergulha na ficção

Editorial

Enquanto Luiz Inácio Lula da Silva dá tratos à bola para se livrar da cadeia, os intelectuais petistas preparam propostas para “resgatar” a imagem do PT, a serem apresentadas ao 6.º Congresso Nacional do partido, marcado para abril.

Nesse contexto, duas questões se destacam: a que é objeto dos textos Balanço de Governo Estrutura e Funcionamento, voltados para uma avaliação crítica da atuação do PT desde a primeira eleição de Lula à Presidência da República, e Luta Contra a Corrupção, dedicado à análise dos desvios éticos dos petistas desde que chegaram ao poder. Trata-se, de um lado, de elucubrações requentadas sobre o papel da esquerda na política brasileira. De outra parte, a que cuida de corrupção, todo o conteúdo também é puramente ficcional.

Para entender melhor a enrascada em que o PT está metido desde que o povo brasileiro descobriu quem são de verdade Lula e sua turma, convém rememorar os primórdios da fundação daquele que se propunha a ser “o” partido dos trabalhadores. Empenhados no combate à ditadura militar, intelectuais de esquerda, aliados a setores ditos “progressistas” da Igreja Católica, chegaram à conclusão, em meados dos anos 70, de que precisavam de alguém que personificasse a luta pela democratização do País e que este papel era perfeito para um jovem e aguerrido líder sindical que então se destacava no comando da elite do movimento operário: Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.

Naquela época Lula não queria nem ouvir falar de política e políticos, pelos quais nutria indisfarçável desprezo, comparável apenas ao que dedicava a intelectuais e acadêmicos. Mas logo descobriu que a liderança de um partido político “de operários” lhe cairia bem, até porque estava certo – como demonstrou acima de qualquer dúvida – de que não teria nenhuma dificuldade para enquadrar devidamente os “professores” que imaginavam poder manipulá-lo.

Durante mais de 20 anos, o PT lutou contra tudo e contra todos, inclusive contra a Constituição de 1988, o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal e, principalmente, contra a economia de mercado. Até que Lula se deu conta de que estava tudo errado, mas com o próprio PT. E que, para ganhar uma eleição presidencial – a terceira que disputaria, em 2002 –, era preciso fazer aquilo que hoje, no documento Estrutura e Funcionamento, a esquerda petista critica: “deslocou-se para o centro” e “deixou vago o espaço político de esquerda”. O instrumento dessa guinada foi a famosa Carta ao Povo Brasileiro, por meio da qual – denuncia agora o documento Balanço de Governo – Lula propôs “um pacto de não agressão em relação aos capitalistas” e, em vez da “ruptura” até então defendida pelo PT, optou por promover programas sociais “sem confrontar o capital”.

Fica claro, assim, que a esquerda do PT continua mais bolivariana do que nunca e defende para o Brasil a mesma “ruptura” com a economia de mercado que colocou Cuba e Venezuela onde estão hoje. Para esses salvadores da Pátria nostálgicos dos anos 50 do século passado, o Brasil precisa de um regime “democrático” totalmente controlado pelo Estado, com “proibição de bancos privados, limites regionais para propriedades rurais”, além, é claro, de um bom controle da mídia por meio da criação de um “Fundo de Defesa da Liberdade de Imprensa e do horário sindical gratuito na TV”.

Essa é uma pregação até capaz de ainda animar corações e mentes de jovens sonhadores, generosos e mal informados. E assim esse ideário poderá voltar ao programa partidário. O mais difícil, na verdade, impossível, é o PT chegar a um acordo sobre o tema “Combate à Corrupção”. A ideia é criar um “tribunal de honra” no qual personalidades do partido sejam julgadas internamente por eventuais transgressões éticas e legais. Dá para imaginar Lula sentado no banco dos réus desse tribunal?

O notório Marco Aurélio Garcia, um dos donos do partido que cultivam irrepreensível fidelidade ao Grande Chefe, deu o recado: “O 6.° Congresso do PT não é um tribunal nem será ocasião para um ajuste de contas mesquinhas entre tendências”. Perfeitamente claro.

O Estado de S. Paulo

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