Fernão Lara Mesquita
Não nos deu nem 24 horas de ilusão
este 2017!
Passados
25 anos do Carandiru, eis-nos “evoluidos” para o massacre anárquico e randômico
entre iguais. Não ha mais autoridade estabelecida, nem dentro da hierarquia
desse estado que engole a chantagem corporativa sem piar onde tudo
eventualmente se afoga em dinheiro, nem nos territórios livres dos presídios
“de segurança máxima” de que ele acaba trancado para fora onde tudo
eventualmente se afoga em sangue.
São as
duas faces de uma mesma moeda. O crime organizado é a objetividade
ultra-radicalizada. Os caminhos entre decisão e execução são diretos e retos
como a trajetória das balas. O Estado brasileiro refem das corporações do
funcionalismo é a ultima expressão de um jogo de sombras multicentenário. Nada
ali é o que parece; cada passo de cada processo é um Everest a ser vencido.
Um não é páreo para o outro
O
terreno sempre foi fértil. Menos de 2% dos assassinos têm sido julgados e
condenados no país dos 60 mil homicídios por ano. O crime máximo, o crime
irreversível, a desgraça irremediável repete-se 164 vezes por dia 365 vezes por
ano mas para os seus autores ha sempre remédio. Eles estarão de volta às ruas
em 5 ou 6 anos em média. 70% voltarão para o cárcere depois de matar e
desgraçar irremediavelmente outra vez mas o estado que não consegue habilitar
as crianças que se lhes entrega virgens seguirá impávido, tomando como
exclusiva a “vocação reabilitadora” dos tugúrios aos quais recolhe suas bestas
feras.
“Prendemos
muito e mal” ou soltamos muito e mal? Enquanto debatemos essa momentosa questão
os 98% de assassinos impunes tratam de se impor ao nosso favelão continental
pelo marketing da brutalidade. No Brasil Real que não sai no jornal
não se tem ou deixa de se ter razão. Esta-se vivo ou esta-se morto.
Nesse
meio tempo o mundo foi e nós ficamos. O PT cozeu o estado à faca e deu a mão às
FARC. “La revolución” saltou do Caribe para as selvas da Colômbia, rolou
Solimões abaixo, subiu os morros de fuzil na mão e agora jaz, aos pedaços, nas
caçambas do IML. O poder da droga é filho da droga do poder. Do pacotinho do
morro para as festas dos “famosos” o nosso estado imunodeficiente à corrupção,
blindado contra a deseleição e aparelhado por um funcionalismo eternamente
“estável”, único fiscal de si mesmo, ensejou o salto para a condição de “hub”
global de distribuição de “commodities” alcalóides e fornecimento de armas para
o Oriente Médio. E se a família está na droga; se não ha certo nem errado; se não
é clara a linha que separa o direito à diferença da dissolução, não ha limite.
O tamanho da brutalidade é o tamanho do poder que se disputa. Narcos mexicanos,
Estado islâmico … são estes os tempos…
Aqui
fora é difícil definir quem está preso, quem está solto mas salvação mesmo só
pelo silêncio, sob as asas da facção ou … pelo concurso público.
Todo
mundo sabe; ninguém diz. Nós normalizamos a anormalidade. Esse nosso modo tão
renitentemente decidido de esquartejar a “narrativa” do nossa drama é mais
sinistro que os fatos. Tudo parece sempre estar desligado de tudo. No Congresso
segue imperturbavel o comércio com que se disputa a prerrogativa de presidir a
venda de indulgência plenária às agruras da competição mundial e da insegurança
econômica que mantem todos os que não alcançam uma no inferno. Os doutos
juristas das nossas cinco justiças de recursos sem fim cobram o “devido
processo legal”especificamente desenhado para não ter fim, todo ele “transitado
em julgado”, para tirar o crime das ruas. Os advogados “progressistas” clamam
contra a desumanidade da superlotação das prisões mas criminalizam (sim,
cri-mi-na-li-zam!!!) a advocacia “pro bono” e só se movem por dinheiro. As
unidades “da federação”, criadas nem pela história, nem pela economia, mas pela
cissiparidade do agente patológico que nos parasita a política, afastam de si
os cálices sucessivamente esvaziados e balem por mais. Não ha R$ 10 bilhões
para deter o horror. Mas entre a “impopularidade” da guerrinha televisionada da
porta da Assembleia Legislativa do Rio em defesa dos 70% de aumento real
arrancados à miséria do Brasil e os banhos de sangue nas prisões dos estados
falidos não ha um minuto de hesitação. O poder sabe quem tem a força. Com 100
presos despedaçados e 12 milhões de empregos ainda insepultos, lá vai 53% de
aumento “por produtividade” aos estranguladores de empresas da Receita Federal
e da “Justiça do Trabalho”, a guarda pretoriana do “Custo Brasil”. E com
escárnio, batendo o pau na mesa: “Mesmo para os aposentados; mesmo para os pensionistas”!
Já é
muito tarde e pode ser tarde demais. O Brasil só tem conserto por inteiro. Nada
entrará nos eixos a menos que tudo entre nos eixos. O estado não conseguirá
entrar nas penitenciárias dominadas pelo crime se não conseguir entrar nos
enclaves corporativos que mantem indevassáveis. Não ha como instilar-lhe
fucionalidade sem impor-lhe a lei do merecimento. Não ha como impor-lhe a lei
do merecimento sem o fim da estabilidade perpétua.
Não se
restabelecerá a segurança publica, dentro e fora dos presídios, antes que se
restabeleça a segurança economica e não se restabelecerá a segurança economica
antes que se estabeleça a igualdade perante a lei.
O Brasil
não se redimirá substituindo pessoas dentro do “sistema”. É preciso colocar o
“sistema” inteiro sob nova direção. Inverter os vetores de todas as forças que
atuam sobre ele. Reconstruir a partir do zero a cadeia de cumplicidades que o
põem em movimento.
A lei
não imperará sobre os que hoje isenta a menos que deixe de ser escrita e
executada exclusivamente por eles. A chave comutadora está na conquista dos
direitos de referendo das leis dos legislativos e “recall” (“cassação”,
“retomada”) dos mandatos eletivos por iniciativa popular a partir da instância
municipal e dela para cima.
Só a
dependência inverte a cadeia das lealdades e põe todos os interesses apontados
para a mesma direção. O resto é poesia.
VESPEIRO
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