Fernão Lara Mesquita
Chamaram o exército…
Declara-se,
como justificativa, que as Forças Armadas nacionais entram na parada “pela
credibilidade” que os funcionários do sistema presidiário não têm. O presidente
da Republica admite publicamente, portanto, que a “falta de credibilidade“,
vulgo corrupção, desses “servidores” está na base da tomada das prisões pelo
crime organizado que culminou nos massacres dos ultimos 20 dias, mas que é
impotente para fazer qualquer coisa a respeito senão pedir vênia aos corruptos
para coloca-los de lado, vez por outra, para tomar dos criminosos os telefones,
as armas e as drogas que estes regularmente lhes servem nas celas.
A
expectativa de eficácia dessa providência é, naturalmente, a mesma das outras “meias-solas”
que vêm sendo anunciadas para “consertar a economia nacional” sem deter a
hemorragia que a vai matando: essa que mantem o país em profunda depressão
moral e material.
“Nada de
contrapartidas! Nem de arresto de bens por calote! Demissões então, nem pensar!
Nem um passo atras!”
No
estado paralelo do crime organizado, com enclaves inexpugnáveis espalhados por
todo o grande favelão nacional, todo mundo trabalha pelo fortalecimento da
organização e o chefe elimina sumariamente quem pisa a regra estabelecida. No
estado nacional todos trabalham para se locupletar e os chefes, em geral
aqueles que tiveram maior sucesso nisso ao longo da carreira, cooptam todos os
que são flagrados jogando contra a Nação. A grande novidade deste ultimo meio
milênio é haver quem, do lado de dentro da lei, esteja exigindo o cumprimento
dela. Mas todos os demais lhes resistem como sempre…
A
declaração de independência dos presídios controlados pelo crime organizado
decorre diretamente dessa independência dos agentes do estado brasileiro da lei
e da vontade do Brasil. Os nossos “representantes”, os nossos “servidores”,
podem sempre se dar o luxo de ter vontades e comportamentos próprios diferentes
dos nossos impunemente. Escrevem leis que só valem para eles e que nos impõem
sem consulta; escolhem de quem vão cobrar ou deixar de cobrar as que valem para
o resto da nação. A mais “sagrada” de todas as leis escritas por eles só para
eles é a que estabelece que cada indivíduo posto para dentro do estado não sai
nunca mais. Ele e a sua descendência. Basta entrar. Não estão obrigados a ser
bons no que fazem, nem a mostrar resultados sob pena de perderem tudo, como
você e eu aqui no mundo real. Podem escolher se e quando jogarão a favor da “empresa”
sem que isso lhes custe nada. São indemissíveis. São intocáveis.
O resto,
desse marco inicial até a falência nacional e a submissão do país inteiro ao
crime organizado, o tempo faz. O raciocínio é simples. Se você for contratar um
empregado amanhã e começar a conversa garantindo que a partir do ato da
contratação ele será indemissivel para todo o sempre e passará a decidir o
valor do seu próprio salário, em 15 dias ele estará na sua cama e você na
casinha do cachorro. Nem o mais idiota dos idiotas, individualmente, entraria
numa roubada como essa. Mas como coletivo, como sociedade, a brasileira tem
sido muito mais que idiota. E ha tanto tempo que nem casinha de cachorro tem
mais. Está na rua, ao relento mesmo.
A
dimensão psicológica do problema brasileiro tornou-se maior que a sua causa
original. Apesar da obviedade de tudo isso, apesar de cada brasileiro conhecer
pessoalmente tipos como os que o parasitam e a obscenidade do resultado que
colhem comparado ao que ele próprio consegue suando, você pode ficar o dia
inteiro na frente da TV, ler todos os jornais, ouvir todos os “especialistas”
e, à altura ja da centésima quinquagésima morte por esquartejamento em 18 dias,
do sexagésimo milésimo assassinato dos ultimos 12 meses, do décimo segundo
milionésimo emprego perdido e do terceiro aniversário da morte da economia
nacional, não ver a óbvia, a ululante causa original de tudo isso ser apontada
uma única vez como tal. Os tres poderes, para cujos titulares até as prisões
são “especiais”, podem continuar folgadamente falando apenas de si mesmos. E o
quarto, que renunciou à condição de “player” ao deixar de propor e expor
soluções, vai a reboque num “lero” infindavel sobre o nada; sobre modos “progressistas”
ou “conservadores” de se fazer as coisas que são luxos de gente que já se
libertou e ficou rica.
Outros
povos que viveram esse mesmo calvário tomaram a si, com a arma do “referendo”
por iniciativa popular, a aprovação ou rejeição das leis escritas pelos seus
representantes; instituiram o “recall” para demitir eles próprios os desviados
protegidos pelos colegas; aprenderam que a única alternativa para o privilégio
é a igualdade perante a lei e que qualquer exceção aberta, por menor e bem “justificada”
que seja, acaba inevitavelmente no estouro da boiada. Mas para a alma
latina e católica dos nosso intelectuais, dos nossos jornalistas, dos nossos “revolucionários”,
essa solução parece muito pouco emocionante. Eles sempre começam cada
batalha da sua proclamada guerra contra a miséria brasileira renovando a sua
rendição incondicional; comprometendo-se a discutir todas as formas de “resolver
o problema” exceto pela remoção da sua causa fundamental.
A indulgência
plenária, o perdão do comportamento pecaminoso mesmo que continuado, a graça
conquistada mais com as orações que com os atos; o privilégio alcançado, seja
atraves da fervorosa persistência do “concurseiro”, seja outorgado ao pobre
mortal arrancado deste vale de lágrimas pelo toque miraculoso do poderoso da
hora, está sempre pairando no horizonte. São fascinados pelo charme do
privilégio. Botam sempre fé que “seremos todos incluidos” nele um dia.
Enquanto
for assim vamos como vamos: compra um carro blindado, quem pode mais, uma arma,
quem pode menos, e segue-se em frente roubando ou sendo roubado, despedaçando
ou sendo despedaçado.
VESPEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário