Paulo Falcão
A
discussão sobre certos assuntos vem se tornando tão rasa, tão burra e
esquemática, que frequentemente fico na dúvida: trata-se de má-fé, preguiça ou
ignorância? Muitas vezes observo dois ou três destes quesitos combinados.
É o caso
do ataque sistemático à Meritocracia por tantos pseudo-intelectuais e outros
tantos críticos diletantes.
O
conceito básico de Meritocracia perpassa organizações como exércitos e outras
estruturas sociais formais desde que as sociedades humanas começaram a se
formar. No entanto, a terminologia como é usada hoje nasceu em 1958 já na forma
de crítica. Foi cunhada por Michael Young e se popularizou através do
livro “Levantar da Meritocracia” que faz críticas às sociedades
democráticas em que as posições dos indivíduos na ordem social são definidas
pela capacidade de trabalho (no sentido de formação, de conhecimento) e de
esforço (dedicação do indivíduo em destacar-se do grupo). Para exemplificar, o
autor criou a irônica fórmula QI + Esforço = Mérito que constituiria
a crença básica da classe dominante.
Para
Young, como as oportunidades são diferentes para as pessoas e grupos sociais,
uma sociedade Meritocrática tende a perpetuar e, eventualmente, aprofundar as
diferenças de oportunidade.
É a esta
questão que se apegam o autor e a maioria dos críticos da Meritocracia. A
formulação subjacente de quem defende esta tese é que a construção de uma
sociedade igualitária não é compatível com a Meritocracia.
Como em
quase todas as formulações da esquerda contemporânea, parafraseando Nelson
Rodrigues, a tese é bonitinha mas ordinária. É apenas a desculpa perfeita para
quem faz o elogio da preguiça, própria e alheia. Ou para quem ainda sonha com a
igualdade de oportunidades pela eliminação (literal) dos privilegiados (a tal
classe dominante).
Gosto de
demonstrar o que afirmo e vou fazê-lo abaixo, mas antes quero lembrar aqui uma
formulação de Eduardo Gianetti da Fonseca justamente sobre a “desigualdade”.
Para ele, quando o governo age para promover igualdade “na partida” (educação
de qualidade para todos, por exemplo) está sendo justo e democrático. Quando
age para promover a igualdade na chegada (salários iguais para todos de uma
mesma função, independente de resultados, por exemplo) está sendo injusto e
autoritário. Quando investe em saneamento básico e saúde com prioridade para as
áreas mais carentes, está reduzindo a desigualdade. Quando foca seus gastos na
burocracia e em áreas que lhe ofereçam vantagens eleitorais, está aumentando a
desigualdade, mesmo que a tenha diminuído nas áreas em que concentrou esforços.
Mas os
críticos da Meritocracia ignoram formulações sofisticadas como esta. As
paródias, as teses, as críticas à Meritocracia são sempre esquemáticas e
maniqueístas. É o caso de recente artigo da Revista Forum que repete a ladainha
em texto e quadrinhos. Logo no parágrafo de introdução já temos a falta de
rigor e a argumentação desonesta:“É muito comum no Brasil, principalmente
depois da ascensão de parte da população com os programas de transferência
de renda do governo, algumas pessoas recorrerem ao conceito de “meritocracia”.
Essa ideia é, normalmente, utilizada para criticar as medidas
sociais usando a justificativa de que todos têm as mesmas oportunidades e
que o mérito verdadeiro – o sucesso profissional, por exemplo – depende
única e exclusivamente do esforço individual. ”
O
parágrafo repete uma estratégia tão “vencedora” quanto picareta da esquerda:
elimina da equação os interlocutores sérios e ponderados e foca nos idiotas e
ignorantes “da direita” – que a rigor são realmente seus interlocutores
“equivalentes”.
O grupo
que defende a Meritocracia nos termos indicados pela Revista Forum e pela
história em quadrinhos que o acompanha, pertence à mesma categoria dos que
defendem ou pedem “intervenção militar” quando o assunto é política: são uma
inexpressiva minoria utilizada como espantalho.
Quem
defende a Meritocracia não diz que, desde que ambas se esforcem, a criança
classe média e a que nasce na favela têm a mesma chance de sucesso. Isto é uma
estupidez criada pela esquerda. Os defensores da Meritocracia pregam outras
coisas.
Pregam
que o rebaixamento das exigências de acesso à Universidade por sistemas de
cotas, por exemplo, não reduz a desigualdade, já que não houve uma melhora na
formação dos cotistas, houve apenas um truque estatístico.
Pregam
que dentro de uma mesma função, é injusto pagar salários iguais para
desempenhos diferentes, o que causa pânico nos sindicatos.
Quando o
Governo do Estado de São Paulo, há alguns anos, propôs pagamentos de salários
maiores para professores que elevassem o desempenho médio de seus alunos nas
avaliações nacionais e internacionais (algo concreto para a redução da
desigualdade nas oportunidades para os alunos da rede pública), houve apoio de
boa parte dos professores, mas o Sindicato foi totalmente contra. Salário
baseado em mérito por critérios objetivos é algo muito perigoso para quem é
preguiçoso.
Na
iniciativa privada não é diferente. Acompanho de perto a questão trabalhista em
um Supermercado com 420 funcionários. O sindicado obriga que todos os
registrados em uma mesma função (caixa, por exemplo) ganhem o mesmo salário.
Não pode haver diferenciação por mérito, quando o razoável seria o sindicato
indicar o piso salarial de cada função e deixar quem trabalha melhor (atende
mais clientes por hora, por exemplo) ganhar mais.
A lógica
dos sindicatos é nivelar por baixo e desestimular o esforço individual como
fator de ascensão social. A razão é dupla: de um lado, o esforço individual
enfraquece o poder sindical; de outro, remunerações baseadas em mérito impedem
o nivelamento por baixo, também conhecido por “lei do mínimo esforço”.
Uma
sociedade deve trabalhar incansavelmente para reduzir as desigualdades de
oportunidades, mas não pelo rebaixamento do teto e sim pela elevação da base.
Isto é
justo e desejável.
Boicotar
o mérito pode até reduzir estatisticamente desigualdades, mas o fará pelo
rebaixamento do teto e não pela elevação da base.
De certa
maneira, a meritocracia é o estímulo a uma competição da pessoa consigo mesma.
Uma sociedade meritocrática é aquela que incentiva cada um a ser o melhor que
puder, a aproveitar ao máximo cada oportunidade que tem – e valoriza quem leva
isto a sério. Uma sociedade assim certamente produz resultados melhores que uma
sociedade não meritocrática, tanto do ponto de vista econômico como social.
PS –
Veja um outro exemplo de ação concreta para reduzir a desigualdade pela
elevação da base no artigo O VENENO DA
IGNORÂNCIA.
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