Editorial
Um tiro
certeiro no coração da “Nova Ordem Mundial” inaugurada com a Guerra do Golfo de
1990-91, legando ao mundo um quarto de século de hegemonia bélica, conflitos de
toda ordem, “mudanças de regime” disfarçadas de democratização, financeirização
da economia, desindustrialização, aumento das desigualdades sociais, pessimismo
cultural e um abismo cada vez mais profundo entre as políticas formuladas pelas
elites dirigentes e as aspirações e necessidades reais das sociedades de todo o
mundo. Com ele, o fantasma do protecionismo retorna para assombrar os centros
do poder político e econômico mundiais.
Este é o
significado maior da vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton, a candidata
ostensiva do Establishment oligárquico, nas eleições estadunidenses
de 8 de novembro, cujos tremores secundários poderão fragilizar ainda mais
aquela estrutura de poder global, já golpeada por eventos igualmente
inesperados pelos seus controladores e beneficiários, a exemplo do referendo
“Brexit” do Reino Unido.
Não que
o caricato e truculento futuro 45º. presidente dos EUA deva ser considerado um
paladino do verdadeiro republicanismo (no sentido da observância do Bem Comum)
e da “desglobalização”. Mas, visivelmente, ele aproveitou com habilidade o
repúdio de grande parte da população às políticas geradoras de conflitos
permanentes, desindustrialização, desemprego e desesperança, antes manifestado
nas próprias fileiras do Partido Democrata, com a surpreendente popularidade da
pré-candidatura do senador Bernie Sanders, que obrigou os caciques partidários
a toda sorte de manobras sujas de bastidores para favorecer Hillary.
Em seu
breve discurso de vitória, após receber um telefonema da rival
derrotada, Trump sinalizou apenas dois pontos da sua agenda de governo.
No plano
interno, reconstrução econômica, com ênfase na infraestrutura física: “Nós
vamos consertar as nossas cidades interiores e reconstruir as nossas rodovias,
pontes, túneis, aeroportos, escolas e hospitais.” Sem citá-lo, chegou a lembrar
o compromisso de Franklin Roosevelt (1933-45) com o “homem esquecido na base da
pirâmide econômica”, afirmando que “cada estadunidense terá a oportunidade de realizar
o seu potencial pleno. Os homens e mulheres esquecidos do nosso país não serão
mais esquecidos”.
No plano
externo, cooperação em vez de confrontação: “Vamos buscar um terreno comum, não
hostilidade; parcerias, não conflitos.”
Em ambos
os quesitos, se confirmar as suas intenções, Trump estará na contramão da
agenda da “Nova Ordem Mundial”.
Na
economia, a ênfase na infraestrutura – e, consequentemente, na produção física
– implicará em um oportuno contraponto ao “livre comércio”, às transferências
de indústrias para países de baixos salários e aos jogos financeiros da
“globalização”, que levaram à presente crise sistêmica global.
Nas
relações internacionais, a renúncia ao uso da força militar como instrumento
favorecido de política externa poderá contribuir decisivamente para neutralizar
perigosos focos de incêndio, como o virtual cerco à Rússia montado pela
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e os conflitos no Oriente
Médio, para cuja solução o entendimento com Moscou, prometido por Trump, será
crucial (não por acaso, o ponto da sua agenda mais combatido pelo Establishment).
Evidentemente, o futuro presidente terá que estender as suas promessas de
entendimento e parceria a países importantes que, por motivos diversos, tratou
com rispidez durante a campanha, como a China, o Irã e o México. Para este
último, por exemplo, o muro que prometeu estender por toda a fronteira entre os
dois países se tornará desnecessário como elemento para dificultar a imigração
ilegal, se concretizar a intenção de não renovar o famigerado Acordo de Livre
Comércio da América do Norte (NAFTA) e recolocar a ênfase das políticas
econômicas no incentivo à produção, cujos efeitos combinados não deixarão de
beneficiar o país vizinho.
O plano
de infraestrutura de Trump contempla investimentos da ordem de um trilhão de
dólares em dez anos – pouco ambicioso para as potencialidades da economia
estadunidense, mas um avanço considerável em relação à estagnação verificada no
setor, nas últimas décadas. O financiamento viria de isenções fiscais
oferecidas a empresas privadas dispostas a investir nos projetos,
complementados por investimentos das próprias empresas (Business Insider, 27/10/2016).
Tal
agenda, combinada com o impulso cooperativo encabeçado pela China e a Rússia,
em torno da integração físico-econômica eurasiática, tem o potencial de
estabelecer uma ordem mundial diametralmente oposta à prevalecente nas últimas
décadas.
Por
isso, não admiram as reações histéricas dos porta-vozes midiáticos doEstablishment,
como este editorial do Financial Times:
A
vitória de Donald Trump marca um trovejante repúdio ao status quo. A mais
poderosa nação da Terra elegeu um empreendedor imobiliário sem qualquer
experiência no governo, um autoproclamado homem forte depreciativo de aliados,
do discurso civil e das convenções democráticas.
Salvo
por uma mudança proteana [capaz de mudar de forma – n.e.] de personalidade, a
vitória do Sr. Trump parece representar um desafio ao modelo democrático
ocidental. (…)
Por
“modelo democrático ocidental”, entenda-se um eufemismo para a sua agenda
hegemônica excludente.
Uma
passagem do texto é particularmente digna de atenção, ao notar que “o Sr. Trump
foi bem-sucedido onde falharam Huey Long e George Wallace, populistas
estadunidenses do século XX”. O que o arauto da City de Londres não
diz é que tanto Long (em 1936) como Wallace (em 1972) foram vitimados por
proverbiais “loucos solitários”, espécie que tem emergido com certa
regularidade na história política estadunidense, sempre no caminho de elementos
problemáticos para o Establishment. Embora Wallace tenha sobrevivido, o
atentado que o tornou paraplégico se revelou fatal para as suas pretensões
presidenciais. Igualmente, vale recordar o fracassado atentado ao então
presidente eleito Franklin Roosevelt, em janeiro de 1933, um mês antes da
posse, no qual acabou morto o prefeito de Chicago, Anton Cermak. Efetivamente,
uma possível reação extrema do gênero é um risco a ser considerado, pois a
“Nova Ordem Mundial” é um monstro encurralado, ferido e, por conseguinte,
perigosíssimo.
MSIa
2 comentários:
Acordei com a ideia de um Capitalismo Social e me deparei com o blog do Senhor - Brilhante! Rezemos e Lutemos por essas mudanças para que sejam o mais breve possível. Obrigado! Abs em 5.13-CapSoc.- Impostos, taxas, multa, pedágios e royalties
Muito bem colocado, Martim. Nota-se evidentemente tratar de alguém que conhecem BEM o assunto. Obrigado por compartilhar!! Abs
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