José Márcio Camargo
Com a PEC 55, as disputas por fatias
do Orçamento se tornarão transparentes
A
aprovação da emenda constitucional que limita o crescimento do gasto do governo
à inflação passada será uma verdadeira “revolução” na definição do Orçamento
público do País. Até sua aprovação, todo aumento de gasto era financiado pelo
conjunto da sociedade, sem transparência, por meio de aumento da carga
tributária, aumento do déficit – e, portanto, da dívida pública – e aumento da
inflação.
Apesar
da dificuldade de definir, a priori, que grupos sociais iriam financiar o
aumento, não é necessário ser um especialista em finanças públicas para
concluir que, no final das contas, eram os grupos com menor capacidade de se
proteger de mais impostos, mais dívida e mais inflação que pagavam a conta. Ou
seja, os mais pobres e menos organizados.
Com a
aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, um aumento de gasto em
uma linha orçamentária (educação, por exemplo) terá de ser financiado por uma
redução em outra linha orçamentária (aposentadorias, por exemplo). O
financiador será definido no exato momento em que o gasto for definido. As
disputas por fatias do Orçamento se tornarão transparentes, com os diferentes
interesses tendo de se manifestar claramente já durante a discussão e aprovação
do projeto orçamentário. A sociedade conseguirá identificar as prioridades dos
parlamentares por meio das propostas por eles aprovadas. E, nas eleições,
poderá escolher aqueles cujas prioridades forem similares às suas.
Esta “revolução” já irá se mostrar efetiva na discussão da reforma da Previdência. As aposentadorias e pensões consomem, atualmente, 41,5% do total dos gastos do governo federal. Temos menos de 8% da população com mais de 65 anos. Sem reforma, os gastos com Previdência aumentam 4% em termos reais a cada ano. Como o gasto total terá de permanecer constante, daqui a 20 anos os gastos com Previdência e assistência social serão responsáveis por 100% do gasto total. Não sobrariam recursos para nenhum outro item do Orçamento (educação, saúde, segurança, defesa, políticas sociais, etc.).
Portanto,
ou o Congresso anula a emenda constitucional que limita o crescimento do gasto
público ou aprova uma reforma da Previdência que evite que os gastos com este
item do Orçamento continuem crescendo 4% ao ano.
A
reforma proposta pelo governo é bastante abrangente e atinge praticamente todos
os grupos sociais envolvidos. Mas, ainda assim, não interrompe o crescimento do
gasto real com aposentadorias e pensões. Se aprovada por inteiro, a proposta
deverá reduzir o aumento destes gastos para algo próximo a 0,5% ao ano. Uma
forte redução, mas incapaz de evitar a compressão de outros gastos ao longo do
tempo.
O
Congresso está diante de um dilema: afrouxar a proposta da Previdência enviada
pelo governo e reduzir, gradualmente, os gastos com outros itens do Orçamento
ou tornar a proposta ainda mais dura e abrangente (endurecendo a transição para
os funcionários públicos e incluindo imediatamente os militares, por exemplo),
criando espaço para aumentar as verbas para educação e saúde, segurança, etc.,
nos próximos Orçamentos.
Para
proteger esses setores, será necessário que as bancadas de congressistas a eles
ligados, as organizações da sociedade civil (Movimento Todos pela Educação,
Instituto Ayrton Senna, Fundação Oswaldo Cruz, Academia Brasileira de Ciências,
etc.) e as organizações de classe (sindicatos de médicos e professores,
conselhos profissionais, etc.) pressionem para que a reforma não seja
desfigurada. Ao contrário, que seja endurecida. A disputa por fatias do
Orçamento vai esquentar. É a democracia!
José Márcio Camargo
Professor
do Departamento de Economia da PUC-Rio, é economista da Opus Gestão de Recursos
O Estado de S. Paulo
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