Augusto Nunes
Graças à
prisão de quatro executivos de empresas que andaram pescando quilos de dinheiro
às margens do São Francisco, a milagrosa transposição das águas acaba de
transferir-se do cartório onde jaz o Brasil Maravilha para o noticiário
político-policial.
Agonizante
desde os trabalhos de parto, o que deveria ser a obra do século é hoje o mais
recente esqueleto do acervo acumulado pelo escândalo do milênio. A
extravagância fluvial nem precisou ser inaugurada para transformar-se num
portentoso símbolo da Era da Mediocridade. E numa prova de que, num momento
infeliz da nossa história, o povo brasileiro desempenhou aplicadamente o papel
de otário.
Em 2004,
estacionado no Ceará, o palanque ambulante jurou que até 2006 seria
materializado um dos grandes sonhos de Dom Pedro II (ou “Predo”, na pronúncia
do Pedro III de botequim). “Muitas vezes a coisa pública foi tratada no Brasil
como se fosse uma coisa de amigos, um clube de amigos, e não uma coisa pública
de verdade”, ensinou Lula durante a discurseira ufanista. Como o gênio da raça
descobrira que a coisa pública deve ser tratada como coisa pública, sobravam as
verbas que sempre faltaram.
“Dinheiro
não vai faltar”, gabou-se o maior dos governantes desde Tomé de Souza.
Na
campanha presidencial de 2006, o aspirante a um segundo mandato não pronunciou
uma única e escassa palavra sobre a multiplicação das águas que continuavam
onde sempre estiveram. A vitória nas urnas refrescou-lhe a a memória. Sem
apresentar justificativas para os dois anos de atravo, avisou que ainda
faltavam quatro para que o sertão virasse mar. “Em 2010, um nordestino pobre
vai fazer o que nem um imperador conseguiu”, recomeçou a lengalenga. O vídeo
abaixo mostra os capítulos seguintes da farsa.
Em 2010,
o padrinho avisou que a transposição seria inaugurada pela afilhada dali a dois
anos. Em 2012, Dilma prometeu concluir em dezembro “a primeira fase” da proeza
invisível a olho nu. O resto teria de esperar até 2014. Convidado a explicar-se
durante a campanha pela reeleição, o poste fabricado por Lula descobriu que a
coisa era complicada demais para ser feita tão em pouco tempo. “Houve uma
subestimação da obra”, escapuliu a doutora em nada que subestima obras e a
inteligência da plateia.
Em 2015,
Lula ressuscitou a tapeação ao som da lira do delírio. De novo, repetiu que os
brasileiros ficarão grávidos de orgulho patriótico quando puderem contemplar o
colosso “que nem Dom Pedro II conseguiu realizar”.
A nova
etapa da Operação Lava Jato, apropriadamente batizada de Operação Vidas Secas,
já apurou ladroagens que somam pelo menos R$ 200 milhões, embolsados por
banqueiros amigos e empreiteiros de estimação do chefe supremo. Ainda é cedo
para calcular com precisão o produto do roubo.
Também
não tem preço o assombro parido por Lula às margens do São Francisco. O
fundador do império do embuste inventou uma espécie de obra que enriquece meio
mundo antes de virar ruína sem ter existido.
Revista Veja
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