Luiz Carlos Azedo
Ao
subordinar toda a construção política ao “labor”, o “socialismo real” derivou
inexoravelmente para o autoritarismo
Quando,
em 27 de janeiro de 1945 ,as tropas do Exército Vermelho libertaram os
sobreviventes dos campos de extermínio de Auschwitz e Birkenau, revelando ao
mundo os horrores do holocausto – muito mais do que a heroica vitória de
Stalingrado –, o fascínio do marxismo entre os intelectuais ganhou uma nova
aura humanista.
A Revolução de Outubro (que no próximo ano completará 100 anos, no dia 7 de novembro), tornara-se uma ideia-força no Ocidente, o que possibilitou o surgimento de grandes partidos comunistas, além de legitimar a ocupação soviética dos países do Leste europeu.
A Revolução de Outubro (que no próximo ano completará 100 anos, no dia 7 de novembro), tornara-se uma ideia-força no Ocidente, o que possibilitou o surgimento de grandes partidos comunistas, além de legitimar a ocupação soviética dos países do Leste europeu.
Nem
mesmo o relatório de Nikita Kruschov, no XX Congresso do PCUS, em fevereiro de
1956, ao revelar os crimes de Josef Stálin, abalou a fé quase religiosa de que
o mundo caminhava para o socialismo. A primeira rachadura política só viria com
a invasão da Hungria, em outubro do mesmo ano.
Foi preciso o fim da Primavera de Praga, com a invasão da antiga Tchecoslováquia pelo Pacto de Varsóvia, em 1968, para que a ficha caísse: o “socialismo real” havia perdido sua força transformadora e se tornara um regime autoritário e burocrático.
Foi preciso o fim da Primavera de Praga, com a invasão da antiga Tchecoslováquia pelo Pacto de Varsóvia, em 1968, para que a ficha caísse: o “socialismo real” havia perdido sua força transformadora e se tornara um regime autoritário e burocrático.
Mesmo
assim, com a Doutrina Brejnev e a “guerra fria”, a Revolução Cubana e a Guerra
do Vietnã, os dogmas comunistas continuaram influentes na esquerda mundial, ainda
que a maioria dos intelectuais passassem a questioná-los. A perestroika de
Gorbatchev, ao final dos anos 1980, chegou a realimentar as esperanças de que
os países socialistas encontrassem o caminho da democracia. Mas não foi o que
aconteceu.
Com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética (1922-1991), o modelo comunista implodiu. Certas ideias do líder da Revolução de 1917, porém, continuam sendo defendidas pelo mundo afora, com base nas realizações econômicas, sociais e científicas do socialismo na URSS.
Com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética (1922-1991), o modelo comunista implodiu. Certas ideias do líder da Revolução de 1917, porém, continuam sendo defendidas pelo mundo afora, com base nas realizações econômicas, sociais e científicas do socialismo na URSS.
No
Brasil, o declínio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que abandonou a foice
e o martelo e se transformou no PPS, coincidiu com a ascensão do Partido dos
Trabalhadores, inspirado no Movimento Solidariedade, do metalúrgico Lech
Valesa, líder operário católico da Polônia, que liderou grandes greves nos
estaleiros de Gdansk.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu fundador e líder máximo, conseguiu reunir, num partido de massas sindicalistas, militantes católicos e remanescentes de organizações de extrema-esquerda que consideravam o antigo Partidão uma força conciliadora e reformista.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu fundador e líder máximo, conseguiu reunir, num partido de massas sindicalistas, militantes católicos e remanescentes de organizações de extrema-esquerda que consideravam o antigo Partidão uma força conciliadora e reformista.
Talvez
por causa da presença de intelectuais marxistas na sua fundação, mesmo se
proclamando um partido anti leninista, o PT acabou adotando um dos principais
dogmas de Lênin, o líder comunista que comandou a revolução de Outubro: a tese
de que o partido seria a vanguarda de todos os explorados e oprimidos da
sociedade.
Apesar da presença de sindicalistas de origem operária na cúpula da legenda, o PT tornou-se um partido de servidores públicos, e de uma grande massa popular beneficiada pelos programas de transferência de renda durante os governos Lula e Dilma, principalmente o Bolsa Família.
Apesar da presença de sindicalistas de origem operária na cúpula da legenda, o PT tornou-se um partido de servidores públicos, e de uma grande massa popular beneficiada pelos programas de transferência de renda durante os governos Lula e Dilma, principalmente o Bolsa Família.
Entretanto,
a ideia-força de que o “ser operário”, encarnado pelo ex-presidente Lula, ao se
libertar (no caso, chegar ao poder), libertaria todas as demais classes
exploradas e oprimidas continuou no imaginário de intelectuais e artistas que
gravitam em torno da legenda. É uma situação muito parecida com a da França no
imediato pós-guerra, quando a esmagadora maioria dos intelectuais franceses era
militante, simpatizante ou aliada do Partido Comunista, com exceção da corrente
liderada por Raymond Aron, autor do polêmico livro O Ópio dos Intelectuais
(Três Estrelas).
No Brasil, tal fenômeno só não se repetiu na mesma escala, no imediato pós-guerra, por causa do apoio do líder comunista Luís Carlos Prestes à permanência de Getúlio Vargas no poder, o chamado “Queremismo”, o que provocou rupturas importantes, como a de Caio Prado Júnior.
No Brasil, tal fenômeno só não se repetiu na mesma escala, no imediato pós-guerra, por causa do apoio do líder comunista Luís Carlos Prestes à permanência de Getúlio Vargas no poder, o chamado “Queremismo”, o que provocou rupturas importantes, como a de Caio Prado Júnior.
A tese
marxista do “ser operário” como “classe geral”, ou seja, aquela que libertaria
todas as demais da exploração e opressão, foi completamente ultrapassada pela
terceira revolução industrial e a automação. Do ponto de vista objetivo, o “ser
operário” é uma espécie em progressiva extinção. Mas permanece sendo a aura do
PT (nos dois sentidos, o vulgar e o científico), o que mantém em torno de Lula
todas as correntes da legenda, apesar do desgaste causado pela Operação
Lava-Jato e do isolamento político revelado nas eleições municipais.
A concepção de centralidade do “trabalho” no projeto político, porém, já foi duramente critica por Hanna Arendt, em A Condição Humana(Forense Universitária/Saraiva), para quem seria uma raiz de pensamento totalitário. Ao subordinar toda a construção política ao “labor”, o “socialismo real” derivou inexoravelmente para o autoritarismo. A verdadeira condição humana, na visão da filósofa judia alemã, é o “pensar e agir politicamente”, em regime de liberdade.
A concepção de centralidade do “trabalho” no projeto político, porém, já foi duramente critica por Hanna Arendt, em A Condição Humana(Forense Universitária/Saraiva), para quem seria uma raiz de pensamento totalitário. Ao subordinar toda a construção política ao “labor”, o “socialismo real” derivou inexoravelmente para o autoritarismo. A verdadeira condição humana, na visão da filósofa judia alemã, é o “pensar e agir politicamente”, em regime de liberdade.
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