Alexandra Martins
Cientista político aponta ‘risco de
uma fragilização ainda maior do atual governo’ com o acordo da Odebrecht
O
coração liberal do cientista político Bolívar Lamounier, de 73 anos, bate por
uma democracia menos “romântica” desde os tempos de fundação do Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) no fim dos anos 1960 e início dos
70. O mineiro de Dores do Indaiá, leva desde então uma vida acadêmica
“tumultuada”. Só agora consegue escrever “com reflexão” sobre seus objetos de
pesquisa, diz. Na sexta-feira, lançou o livro Liberais e Antiliberais(Cia. das
Letras).
A
democracia no Brasil, diz, vive um “mau momento”. Tão mau que o máximo que os
Três Poderes consegue é, compara Lamounier, “jogar um futebolzinho
insuficiente”.
Nesse
contexto, a delação de um ex-diretor da Odebrecht “fragiliza o atual governo”.
Em
entrevista ao Estado, Lamounier critica a manutenção do senador Renan Calheiros
(PMDB-AL) na presidência do Senado, segundo ele, por meio de “um acordão
político da pior qualidade”, após decisão do Supremo Tribunal Federal.
Delação
da Odebrecht. Foi mais um golpe profundo na classe política. Evidencia
pela enésima vez que nossos partidos políticos são extremamente porosos a ação
de interesses particulares e à corrupção. Penso que três consequências devem
ser destacadas. Primeiro, no curto prazo, o risco de uma fragilização ainda
maior do atual governo. Toda pessoa de bom senso entende que, para o Brasil
chegar a bom porto, a autoridade do presidente Temer e a recuperação da
economia são essenciais. Mas que a ‘pinguela’ (termo usado por Fernando
Henrique Cardoso) está ameaçada pelo aparecimento dos nomes de vários
auxiliares e do dele próprio nas delações, é óbvio. A segunda consequência tem
a ver com a democracia.
Uma vez
retirada a cortina de segredo que ocultava a promiscuidade de numerosos agentes
públicos com interesses privados, quem sofre, evidentemente, são as
instituições democráticas. No meio de uma crise econômica monstruosa, o cidadão
brasileiro constata que tal conluio era muito pior do que ele imaginava. O nome
disso é perda de legitimidade. Não, felizmente, a uma perda abrupta, capaz de
impedir o funcionamento normal das instituições, mas convém botarmos as barbas
de molho. Por último, fica evidente que
a futura reforma política, a ser considerada depois de 2018, terá de ser
debatida a partir de uma perspectiva muito mais ampla. A época do ‘fatiamento’
e dos pequenos reparos colaterais acabou.
Crise
institucional. Crise institucional é quando não há como resolver uma situação
sem violar profundamente um regime, que significa toda ordem constitucional.
Isso não está acontecendo. Você pode dizer que nos Três Poderes há muitos
personagens jogando um futebolzinho insuficiente, é verdade, mas não configura
uma crise institucional.
PSDB. Acho
que o PSDB fez papel de apontar rumo, fez uma critica de que depois de sete
meses o desempenho da economia é pífio. Ser chamado para Secretaria de Governo?
Isso é articulação congressual. Não, deixa o Temer fazer. Que vantagem
comparativa o PSDB tem para essa função que o próprio Temer não tem, o Eliseu
Padilha (ministro da Casa Civil) não tem? Isso não faz sentido. A vantagem
comparativa do PSDB é ter muitos quadros competentes na área econômica. É como
se eu dissesse: ‘quer que eu participe mais diretamente? Me põe na área
econômica. Aí é onde eu posso ajudar em alguma coisa, em recriar confiança’. É
o que tem de fazer: apoia o governo, mas ‘não ponha meu pescoço na corda. Me
chamar para a Secretaria de Governo é me dar a corda para me enforcar’.
Manutenção
de Renan. Ao dizerem (ministros do STF) que um réu não pode permanecer na linha
sucessória da Presidência da República, mas nada impede que ocupe a presidência
do Senado, seis ministros afirmaram implicitamente que o Executivo detém uma
legitimidade ética e jurídica superior à do Legislativo. Para substituir o
presidente da República, o cidadão precisa ser casto e recatado, mas para
presidir uma das Casas do Legislativo, qualquer um serve. Isso não obstante o
fato de os dois Poderes terem exatamente a mesma fonte de legitimidade: o voto
de todo o eleitorado brasileiro. Isso é hermenêutica constitucional séria? É
claro que não. É um ‘arreglo’, um acordão político da pior qualidade.
Os
magistrados guiaram-se por dois palpites lamentáveis. Um, que sem Renan o
Senado não existe; não é uma instituição e sim uma turba descontrolada, incapaz
de deliberar sem o chicote do coronel Renan. Outro, lembrando os tempos do
regime militar, o de que não há mal algum em atropelar as leis se há uma
matéria econômica (no caso, a PEC do Teto) exigindo urgência. Ou seja, o que
houve foi uma bizarrice judicial, cujo efeito, infelizmente, é despir mais um
pouco o STF da respeitabilidade que lhe resta.
Ruas. O
primeiro instinto que temos é dizer que é a classe média. A classe média é um
termo que se usa quando não se sabe do que está falando. Não são os miseráveis
nem os milionários. Os dois extremos da pirâmide social não participam desse
tipo de ação. Normalmente são extratos médios, estudantes, funcionários,
intelectuais, clero. Tem de olhar mais para o que as pessoas pensam, o que
dizem as ruas e menos quanto ganham por mês. Isso é um ponto de vista teórico,
que está no meu livro.
O Estado de S. Paulo
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