Ives Gandra da Silva
Martins
Como nos
filmes, começo este artigo informando que qualquer semelhança do que vou
escrever com pessoas ou governos é mera coincidência.
Em dois
livros meus, "Uma Breve Teoria do Poder" e "A Queda dos Mitos
Econômicos" (edições esgotadas), procurei mostrar que quem busca o poder,
na esmagadora maioria dos casos, pouco está pensando em prestar serviços
públicos, mas em mandar, usufruir ou beneficiar-se do governo.
Prestar serviços públicos é um mero efeito colateral, não é necessário.. Com maior ou menor intensidade, tal fenômeno ocorreu em todos os períodos históricos e em todos os espaços geográficos.
Prestar serviços públicos é um mero efeito colateral, não é necessário.. Com maior ou menor intensidade, tal fenômeno ocorreu em todos os períodos históricos e em todos os espaços geográficos.
É bem
verdade que a evolução do direito e da democracia nos dois últimos séculos tem
permitido um certo, mas insuficiente, controle do exercício do poder pelos
quatro cavaleiros do apocalipse – o político, o burocrata, o corrupto e o
incompetente–, razão pela qual as nações encontram-se permanentemente em crise.
"Utopia",
de Thomas More, a "A República", de Platão e "A Cidade do
Sol", de Tommaso Campanella, exteriorizam ideais para um mundo no qual a
natureza humana seria reformada por valores que, embora vivenciados por muitos,
raramente são encontrados nos que exercem o poder.
O
primeiro dos quatro cavaleiros do apocalipse, o político , na maior parte das vezes,
para alcançar ascensão na carreira, dedica-se exclusivamente à
"desconstrução da imagem" dos adversários.
O
filósofo e jurista alemão Carl Schmitt tem toda razão em sua teoria das
oposições ao declarar que o político estuda o choque permanente entre o
"amigo" e o "inimigo". Todos os meios são válidos quando o
poder é o fim. A ética é virtude descartável, pois dificulta a carreira.
O
burocrata, como já disse o pensador americano Alvin Toffler, é um
"integrador do poder". Presta concurso público para sua segurança
pessoal, porém, mais do que servir ao público, serve-se do público para crescer
e quanto mais cria problemas para a sociedade, na administração, mais justifica
o crescimento das estruturas governamentais sustentadas pelos tributos de todos
os contribuintes.
Há
países que se tornaram campeões em exigências administrativas, as quais
atravancam seu desenvolvimento, apenas para justificar a permanência desses
cidadãos.
O
corrupto é aquele que se beneficia da complexidade da burocracia e da disputa
política, enriquecendo no poder, sob a alegação de necessidade de recursos,
algumas vezes, para as campanhas políticas e, no mais das vezes, "pro domo
sua". Apesar de Montesquieu – ao cuidar da tripartição dos poderes– ter
dito que o poder deve controlar o poder porque o homem nele não é confiável,
quando em todos eles há corruptos, o poder não controla a corrupção.
O
inepto, que conforma o quadro da esmagadora maioria dos que estão no poder, é
aquele que, incapaz do exercício de uma função privada na qual teria que
competir por espaços, prefere aboletar-se junto aos poderosos. São os amigos do
rei. Não sem razão, Roberto Campos afirmava que há no governo dois tipos de
cidadãos, "os incapazes e os capazes de tudo”.
Quando
espolcam escândalos de toda a forma, quando a corrupção torna-se endêmica,
quando o processo legislativo torna-se objeto de chantagem, quando a mentira é
tema permanente dos discursos oficiais, quando a incompetência gera estagnação
com injustiça social, percebe-se que os quatro cavaleiros do apocalipse estão
depredando a sociedade e desfigurando a pátria que todos almejam.
Felizmente,
o Brasil é uma nação que desconhece os quatro cavaleiros do apocalipse, Pátria
em que todos são idealistas e incorruptíveis, razão pela qual este artigo é uma
mera digressão filosófica.
Ives Gandra da Silva
Martins
Advogado,
é professor emérito da Universidade Mackenzie.
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