Kjell
Östberg
A carreira de Olof Palme ilustra o grande
sucesso do modelo sueco – e sua fraqueza paralisante.
Fevereiro
marcará trinta anos desde que o Primeiro Ministro sueco Olof Palme foi morto a tiros no
centro do Estocolmo. A identidade de seu assassino segue
desconhecida.
A Suécia
durante o tempo de Palme é
muitas vezes vista como o maior exemplo da socialdemocracia: altos padrões de
vida e uma relativamente baixa desigualdade de remuneração; baixo desemprego e
um avançado sistema de bem-estar social financiado em imposto progressivos e
pensões, auxílios-doença, licença maternidade e paternidade remuneradas e
creches universalizadas das quais se gabar.
Quando
perguntado sobre como seria seu país ideal, o ex-presidente francês George
Pompidou, que dificilmente se diria tender à esquerda, respondeu: “A
Suécia, com um pouco mais de sol”.
Hoje,
a socialdemocracia
sueca perdeu muito da sua posição internacional como baluarte para a
esquerda socialista. Muitos apontam os anos 80 como o momento em que as coisas
começaram a mudar, quando os ganhos do meio século anterior começaram a ser
revertidos. Teria o modelo
sueco morrido como Olof Palme?
Ainda
que ele tivesse apenas 59 anos quando ocorreu seu assassinato, Palme estava no
centro da política sueca há mais de trinta anos. Muito havia mudado na Suécia
ao longo dessas três décadas – inclusive o perfil político de Palme.
Em 1932,
os socialdemocratas chegaram ao posto de primeiro ministro, onde permaneceriam
por 44 anos. A aplicação precoce de políticas econômicas keynesianas e os
primeiros passos na construção de um “Lar do Povo”, nos anos 30 deram ao
partido a imagem de um reformismo robusto.
Pelas
muitas décadas em que o partido esteve no poder, no entanto, a Suécia não
diferiu tanto de outros países capitalistas industrializados. Após a 2ª Guerra
Mundial tornou-se amplamente aceito que o estado deveria expandir e construir a
infraestrutura necessária à indústria moderna e ao bem-estar social: estradas
para cargas e transporte, moradias e cuidados médicos para os trabalhadores e
escolas e educação para a força de trabalho mais altamente qualificada.
A
organização e as ambições do setor público diferiram de país para país,
certamente. Mas o crescente estado de bem-estar social não foi uma
exclusividade sueca.
Quando
Palme aderiu ao Partido Socialdemocrata no começo dos anos 50, a sociedade se
caracterizava por um amplo consenso social-liberal. O otimismo quanto o
crescimento havia se estabelecido após a 2ª Guerra Mundial e a economia
transbordava. O partido do qual era filiado não era particularmente radical.
Como Eric Hobsbawn escreveu:
“Quanto aos partidos socialistas… eles se encaixavam prontamente no novo
capitalismo reformado, porque por propósitos práticos eles não tinham qualquer
política econômica própria”.
A
trajetória de Palme era pouco usual para um socialdemocrata. Um partido
amplamente proletário, sua liderança era composta quase inteiramente por homens
de origem operária. Palme, em contraste, era nascido em uma família da elite e
tivera uma educação tradicional e de alta classe.
Palme
começou sua carreira como um guerreiro frio: era o ator internacional central
na construção da Conferência Internacional de Estudante Antissoviéticos, um
projeto financiado pela CIA e cujo maior propósito era prevenir que estudantes
do terceiro mundo se tornassem comunistas. Ele inclusive foi ligado às
operações da inteligência sueca.
Ainda
assim, sua tarefa estudantil internacional ensinou a Palme o caráter destrutivo
e, mesmo de uma perspectiva anticomunista, contraproducente das guerras
colonialistas. Após uma visita à Malásia, Palme escreveu: “É um estranho
paradoxo que o governo britânico gaste milhões de libras para matar alguns
poucos comunistas na floresta e ao mesmo tempo esteja cuidadosamente cultivando
um número crescente deles na Universidade da Malaya”.
As
visões anticomunistas de Palme o colocaram no centro da socialdemocracia sueca
nos anos 50. Formalmente neutra, a Suécia era estreitamente ligada ao ocidente
de maneira ideológica, econômica e militar. O país era mesmo visto como o
décimo sétimo membro secreto da OTAN, tanto pelos EUA quanto pela União
Soviética.
Em
outros pontos Palme também estava solidamente no centro do partido, senão à
direita. Ele não estava convencido de que os programas sociais deveriam ser
universais – não apenas para evitar impostos muito altos – e suas posições eram
marcadamente favoráveis aos “negócios”.
Em 1953,
Palme teve sua chance. O primeiro ministro Tage Erlander nomeou
o jovem socialdemocrata como seu secretário pessoal e, antes dos 30 anos, Palme
tornou-se indispensável para Erlander.
Erlander
já há muito reclamava de que o partido era árido de debate ideológico. Em Palme
ele encontrou um raro parceiro intelectual. Ao fim dos anos 50, a dupla estava
lançando as fundações para política socialdemocratas mais firmes.
Seus
ideais não vieram da esquerda socialista. A mais importante fonte de inspiração
foi o economista liberal estadunidense John Kenneth Galbraith. Em seu livro de
1958 A
Sociedade Opulenta [The Afflunt Society], Galbraith reconheceu o
desbalanceamento, nas sociedades industriais do ocidente, entre o a iniciativa
privada e os serviços públicos, e clamou por mais do segundo e menos do
primeiro.
Palme e
Erlander formularam uma base ideológica para a socialdemocracia em sua própria
sociedade opulenta. O estado de bem-estar social universal proporcionaria
segurança econômica a todos os cidadãos, fomentando laços de solidariedade
social e dando à nova classe média um interesse material na expansão dos gastos
públicos. Altos impostos se tornariam bem-vindos, não desprezados. Isto foi um
abandono da política de bem-estar social seletiva que Palme estava capitaneando.
Uma
economia mais planejada e um setor público maior não tornam uma economia em
socialista. Mas há alguns fatores que distinguiam o sistema político do país e
se tornaram de importância decisiva para o próximo passo da socialdemocracia
sueca.
Um desses
fatores era a força do
movimento sindical, que incluía o Partido Socialdemocrata, a confederação sindical LO, um
microcosmos de associações educacionais locais, Casas do Povo, organizações de
moradores e assim por diante. Outra diferença foi a maneira pela qual os
socialdemocratas utilizaram sua influência para construir um estado de bem-estar
social, nacional e localmente. Com poucas exceções as instituições de bem-estar
social eram inclusivas, universalistas e financiadas, possuídas e geridas pelo
poder público. Eram politicamente controladas e isentas da exploração privada.
Isso
lançou as bases para uma sociedade potencialmente diferente. Mas foi necessária
uma escalada popular para desencadear essas possibilidades.
A
radicalização dos anos 60 e 70 foi profunda na Suécia, começando entre a
juventude no contexto da Guerra do Vietnã e desafiando tanto o stalinismo
quanto a socialdemocracia. Durante os anos 70 o novo movimento feminista
aumentou sua força e pressionou as velhas formas. O movimento ambientalista
quase foi bem-sucedido em impedir a construção de novas usinas nucleares. Mais importante
ainda foi a onda de greves, que começaram com a greve dos mineiros em 1970. A
classe trabalhadora, as categorias tradicionalmente radicalizadas, subitamente
tomaram o palco e desafiaram a política de conciliação de classes.
Em 1960,
Palme observou com interesse radicalismo florescente. E não passou ileso. Por
conta de sua forte oposição ao colonialismo e ao racismo, ele achou mais
fácil que outros políticos estabelecidos entender o dinamismo das lutas pela
libertação no terceiro mundo, Sua receptividade, curiosidade e boas relações
com influentes intelectuais lhe permitiram captar a importância desses novos
movimentos sociais mais prontamente que outros. A oposição de Palme à guerra
dos EUA no Vietnã o tornou uma figura única na política internacional.
Quando
as reivindicações por reformas mais profundas encontraram seu caminho no
interior da Socialdemocracia, principalmente pelas vozes dos sindicados e
movimentos de mulheres, Palme foi frequentemente um dos melhor posicionados
para articular a justeza de tais demandas.
Assumindo
como primeiro ministro em 1969, Palme prontamente seguiu por uma série de
reformas que englobaram aspectos fundamentais da política social e econômica.
Na verdade, uma grande parte dos fenômenos tipicamente associados com o estado
de bem-estar social sueco foram criados ou substancialmente reformados durantes
os primeiros sete anos de Palme. O gasto nacional cresceu de 26% para 38% do
PIB.
Um
grande número de reformas foram relacionadas às políticas familiares e muitas
carregavam a marca da igualdade: subsídios para moradias de pensionistas e para
as famílias com crianças pequenas, licença maternidade e paternidade, aumento
dos subsídios para os gastos no sustento infantil, um sistema universal de
creches e, no começo de 1974, direito ao aborto.
Na
metade dos anos 70, a Suécia havia avançado mais que qualquer outra
socialdemocracia. Naturalmente, isso não foi graças a uma só pessoa. Ao contrário,
é crucial frisar a importância dos velhos e novos movimentos sociais no
desenvolvimento do estado de bem-estar social Sueco. A magnitude e o conteúdo
de tais reformas não pode ser explicado sem se referir a tais movimentos.
Esses
foram também os anos em que Palme fez seu nome internacionalmente como
estadista anti-imperialista. Começou com o Vietnã. Já em 1965 ele
condenou publicamente a guerra, e seu criticismo se aprofundou sob a pressão
dos movimentos em solidariedade aos vietnamitas. Sua comparação, em 1972, entre
o bombardeio dos EUA de Hanói e Guernica e as atrocidades nazistas ultrajaram
Henry Kissinger, levando Richard Nixon a chamá-lo de “aquele babaca sueco”.
Durante
os anos 70 ele permaneceu como festejado participante do diálogo internacional
entre o Norte e Sul Global, e usualmente favorecia ao último. Na ONU a Suécia
votou contra a guerra em resoluções sobre a África do Sul, Israel/Palestina e
pela distribuição do poder econômico global. A Suécia deu apoio material às
lutas pela libertação em diversos países africanos. Líderes radicais do
terceiro mundo, como Fidel Castro – cuja revolução Palme apoiou – abraçaram o líder
sueco como aliado.
Ao mesmo
tempo, Palme nunca deixou seu antirracismo e anti-colonialismo interferir com
seu desejo de manter os movimentos radicais subordinados aos poderes
dominantes. Isso se tornou excepcionalmente evidente durante a Revolução
Portuguesa de 74/75, quando Palme usou de todo seu prestígio para
ajudar a pacificar a revolta, trazendo o país para o interior da aliança do
oeste europeu e mantendo-o na OTAN.
Quanto
às relações militares suecas, eram os negócios de sempre. “Agora, quando eu
estiver remando com os americanos”, Palme disse a seus generais, “pelo
amor de Deus assegurem que teremos uma boa relação com eles [os americanos] ao
menos quanto à nossa defesa”.
De fato,
para os EUA e outros governos poderosos, Palme tinha uma função distinta: ele
era um dos poucos estadistas que poderiam servir como um contato e como uma
ponte com os movimentos e regimes radicais. Kissinger viajou a Estocolmo para
agradecer a Palme pelo seu papel na Revolução Portuguesa menos de um ano após o fim da
Guerra do Vietnã, um indicativo de sua utilidade.
Ainda
assim, para muitos dos líderes do terceiro mundo, ele era um dos poucos representantes
do mundo desenvolvido que defendia suas causas por uma ordem mundial mais
justa. A existência de incontáveis ruas, escolas e praças na África e na
América Latina levando o nome de Palme indicam a importância de tal apoio.
De volta
ao lar, o escopo das reformas socialdemocratas e o contínuo crescimento do
setor público incitaram amigos e adversários a perguntar quando a
socialdemocracia de Palme iria transformar fundamentalmente o sistema.
Os
sindicatos queriam isso. Em 1976 a LO reivindicou a criação de fundos dos
assalariados. Nesta proposta, todo ano uma porção dos lucros das companhias
– na forma de ações – seria transferida para fundos controlados pelos
sindicatos. Após algo entre 20 e 75 anos, os trabalhadores controlariam a maior
parte da maioria das companhias.
A
demanda do plano por uma socialização gradual criou distúrbios no partido.
Palme e a liderança do partido eram a favor do que chamavam de “socialismo
funcional”: aprofundar a democracia, fazer crescer o setor público, aumentar os
recursos para o planejamento público, criar leis reduzindo a influência dos
empregadores. A propriedade em si, recusavam-se a tocar.
O
“Plano Mediner” era um ataque a tal credo, e Palme gastou muitos anos
matando os pontos radicais da proposta. Sua reação demonstrou que, a despeito
de todas as reformas realizadas, ele não estava disposto a pisar para além das
fronteiras do capitalismo.
Os
fundos dos assalariados que acabaram por ser decretados, como apontou o
biografista de Meidner, Lars Ekdahl, guardavam pouca semelhança com a proposta
original. Não havia distribuição de lucros; abriu-se mão de quase todo o poder
dos sindicatos sobre a indústria; não havia a determinação de quebrar a sólida
concentração de poder e riqueza de uma vez por todas – abriu-se mão da ideia
dos fundos como elemento de uma estratégia socialista democrática.
Ao mesmo
tempo, a mudança na conjuntura social e econômica estava mudando as condições
para mais políticas reformistas, fossem radicais ou de qualquer outro tipo. Com
o fim do crescimento do pós-guerra e o começo de um período de maior
turbulência, as fundações econômicas do estado
de bem-estar social começaram a ser postas em questão.
Friedman passou a substituir Keynes como
estrela-guia. E os movimentos s ociais, portadores da radicalização, começavam
a declinar.
Em
acréscimo, o próprio Partido Socialdemocrata encontrou-se fora do poder pela
primeira vez em décadas. Entre 1976 e 1982, o partido estava na oposição quando
a crise econômica estava em seu pior momento. Quando o partido retornou ao
poder após as eleições de 1982, as condições para as políticas socialdemocratas
tradicionais haviam mudado completamente.
Em
parte, a economia sueca estava seriamente enfraquecida por grandes déficits
orçamentários, desemprego significativo e uma alta taxa de inflação. Mas também
a própria socialdemocracia começou a se adaptar às políticas econômicas
monetaristas e influenciadas pelo neoliberalismo. Isso foi particularmente
verdade para um grupo de jovens economistas agrupados ao redor do ministro das
finanças de Palme, Khel-Olof Feldt.
No
primeiro documento financeiro do governo, se proclamava que uma retomada da
produção industrial deveria se dar com o aumento dos lucros das companhias, o
consumo deveria ser contido de modo que a poupança geral do país pudesse
aumentar e medidas anti-inflacionárias deveriam ser priorizadas. Tudo isso
viria às custas do setor público. Se o Plano Mediner havia indignado
o centro e a direita do partido, o documento financeiro do governo deflagrou
conflitos entre a liderança do partido e a LO.
Ainda no
poder no meio dos anos 80, os socialdemocratas tomaram as primeiras medidas em
direção à desregulamentação do sistema bancários e do câmbio. Qual foi o papel
de Palme neste desenvolvimento? Há poucas indicações de que ele tivesse
qualquer intenção de freá-lo. Durante todo o período, ele defendeu seu ministro
das finanças contra os ataques da esquerda do partido.
Para
Palme, o novo cenário político e econômico não implicava que o potencial
reformista havia se exaurido. Enquanto políticos como Feldt queriam reorientar
o partido de forma permanente e romper com as antigas políticas econômicas,
muito do que estava sendo feito nos anos 80 era, aos olhos de Palme, um mal
necessário que iria eventualmente trazer a ordem de volta à economia nacional.
A posição de Palme, Feldt explicou, era “mais sobre dar ao partido a
oportunidade, através de medidas indesejáveis, de retornar à sua antiga
política. Nós tínhamos que nos arrastar através de um túnel. Do outro lado
havia uma luz”.
Essa era
uma esperança realista? Ou, para retornar a questão inicialmente posta, o
modelo sueco morreu com Olof Palme?
A
questão não é simples, mesmo porque o “modelo sueco” é, em si próprio,
multifacetado. Nitidamente muitas de suas marcas permanecem intactas – uma rede
de seguridade social relativamente generosa financiada por impostos – mesmo que
o nível dos benefícios tenha sido minado e uma grande parte do setor públicos
tenha sido vendida. O movimento sindical sueco – a força verdadeira por trás
dessas políticas, e os arquitetos do modelo sueco – permanece comparativamente
forte.
Se, por
outro lado, consideramos esse modelo como a política socialdemocrata clássica
de expansão do estado de bem-estar social e controle da economia, fica evidente
que muito desse foi abandonado: políticas keynesianas contra crises, controle
financeiro governamental do crédito e dos mercados de câmbio e taxas de juros,
um banco nacional sob controle político, a ambição de perseguir uma política
industrial nacional ativa, um setor público não apenas amplamente financiado e
controlado pelo estado sem interesses lucrativos, construção de moradias
públicas e programas de propriedade, e geralmente sistemas de benefícios
definidos.
Mesmo se
deixarmos a terra firma da análise histórica, há razões para duvidar o quanto
Palme teria sido capaz de lutar contra os moinhos da mudança.
Uma
razão importante para isso é que a luz no fim do túnel acabou sendo a luz de um
trem se aproximando. A política econômica defendida pelo governo Palme ajudou a
atirar o país em uma nova e séria crise no começo dos anos 90, que prenunciou
uma nova série de medidas de austeridade, desregulações e privatizações.
É óbvio
que os líderes políticos socialdemocratas que sucederam Palme foram inábeis ou
indispostos a abandonar o curso no qual haviam embarcado, e na verdade o
navegaram até o fim.
Então
enquanto o Partido Socialdemocrata de hoje possa parecer desajustado a Olof
Palme, é importante não ser excessivamente benevolentes em defender o seu
legado. Transitando entre o consenso do pós-guerra e a era neoliberal, Palme
foi tanto o grande reformista como o facilitador da transferência do poder da
política para o mercado.
Palme, o
perfeito social democrata cristaliza, portanto, o dilema conjuntural
e constitutivo da socialdemocracia. Dessa forma, seu exemplo prova que é a
inabilidade da socialdemocracia de pensar para além do capitalismo a fonte de
seu declínio terminal.
traduzido
por Gabriel Landi Fazzio. Para mais reflexões críticas sobre a
social-democracia nórdica, vejam outros textos nos links 1 e2.
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