sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Remoção de general inquieta militares

Humberto Trezzi

Troca do comandante militar do Sul ocorreu após ele criticar corrupção e excesso de cargos de confiança no governo. 30/10/2016.

É grande a gritaria nas redes sociais contra a remoção do general Antônio Hamilton Martins Mourão da chefia do Comando Militar do Sul (CMS).

Correntes na internet e no Facebook se formaram em apoio ao oficial, afastado do cargo após dois episódios: críticas que disparou contra o governo — "esquerda e direita se encontrando na corrupção" — e também por ter permitido recente homenagem póstuma, em Santa Maria, ao coronel Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, um dos principais centros de repressão do regime militar e no qual teriam morrido 45 prisioneiros.


A homenagem a Ustra aconteceu logo depois da morte dele, no dia 15 de outubro. Ela foi feita no pátio de formatura da 6ª Brigada de Infantaria Blindada, em Santa Maria, cidade natal de Ustra. E teria sido autorizada pela 3ª Divisão de Exército, subordinada a Mourão. A divisão teria expedido convites para a cerimônia. Acontece que a presidente Dilma Rousseff foi presa e torturada num quartel chefiado por Ustra durante o regime militar, o Destacamento de Operações de Informações (DOI) do II Exército em São Paulo.


Foi o segundo episódio envolvendo Mourão e que desagradou a cúpula do governo em Brasília. O primeiro foi uma entrevista em 15 de setembro, em Porto Alegre. Entre outras considerações, ele disse:
— Não é possível que um governo tenha 22 mil cargos de confiança para nomear.
Outra crítica:
— Esquerda e direita se encontram na corrupção.

E não se furtou a identificar cenários possíveis para o país, nos próximos meses:
1. Sobrevida: mesmo enfraquecido, o governo Dilma chega ao final do mandato.
2. Queda controlada: Dilma renuncia ou se afasta por iniciativa própria, negociando a transição.
3. Renovação: descontinuidade do governo com novas eleições.
4. Caos.


A sinceridade pode ter custado o cargo a Mourão, que comandava o maior efetivo do país — as tropas dos três Estados do Sul, que englobam 48 mil dos 217 mil militares do Exército Brasileiro. Ele já não comanda quartéis. Foi deslocado na última quinta-feira para a Secretaria de Economia e Finanças do Exército, um gabinete em Brasília.

Nas mídias sociais, a reação à remoção do oficial foi virulenta. O site Revoltados On Line, que prega o afastamento da presidente Dilma Rousseff, publicou, em letras garrafais: "A resistência já começou nos quartéis! Parabéns ao General Mourão pela dignidade e pela coragem em afrontar esse desgoverno, mesmo sabendo das consequências que sofreria! Vamos espalhar este exemplo para todo o Brasil! Fora Dilma! Fora PT! Impeachment já!"

Um general muito prestigiado e primeiro comandante brasileiro no Haiti, Augusto Heleno Pereira (hoje na reserva), desabafou a seus colegas de farda, no Facebook: "Colocações verdadeiras e oportunas, feitas por oficiais-generais da ativa, provocaram reação dos que odeiam censura, mas estrebucham quando chefes militares se posicionam sobre a conjuntura nacional. Esquerdopatas, fiquem calmos...Os castrenses não pensam em tomar o poder. Mas não somos robôs descerebrados e guardamos os direitos de espernear contra tantos desmandos e roubalheiras!"

As mídias sociais cometem até um engano — atribuem a Mourão a frase "em 1964 impediram que o país caísse nas mãos da escória moral que, anos depois, o povo brasileiro resolveu por bem colocar no poder". Não é dele, mas de um manifesto feito por oficiais da reserva, em 2014.


Zero Hora ouviu um general de Brasília e dois coronéis do Rio Grande do Sul, que interpretam de formas diferentes a remoção de Mourão. O general ressalta que o Informex (Boletim Informativo do Exército) anunciou na quinta-feira 64 remoções de generais para outros postos, algo comum em novembro.
— Por que não trocaram o general Mourão em setembro, quando ele deu entrevista sobre conjuntura política? Ou no início de outubro, quando da homenagem ao Ustra? Porque a remoção é rotineira. O Exército não está interessado em ficar no centro do debate político ou da crise. Estamos com 70% de aprovação da população, temos de surfar nessa onda. Nosso papel é diminuir o atrito, não aumentá-lo.

Os coronéis têm outra opinião: acreditam que Mourão foi, sim, punido por falar demais. Mas ressaltam que o desagrado nos quartéis se limita a isso, nada de movimentação política.
— Ninguém quer intervenção militar. A intervenção será judicial — especula um dos oficiais, referindo-se a um possível impeachment da presidente.

substituto do general Mourão já foi escolhido. O novo comandante do CMS é o general de Exército Edson Leal Pujol, que ocupava até ontem a Secretaria de Economia e Finanças do Exército — justamente o cargo para o qual foi transferido, agora, o general Mourão.
Pujol, considerado um dos mais preparados militares brasileiros, é gaúcho de Dom Pedrito, filho do coronel da BM Péricles Pujol. O general estudou no Colégio Militar de Porto Alegre de 1967 a 1970. Começou carreira militar em 1971, como aspirante a oficial, e cursou a famosa Academia Militar de Agulhas Negras (RJ). É da Cavalaria. Foi primeiro colocado na turma de Cavalaria da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais.

No Rio Grande do Sul, ele já comandou a 1ª Brigada de Cavalaria Mecanizada de Santiago. Entre março de 2013 e março de 2014, comandou a Força de Paz na Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah). Ele também foi ligado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, entre abril de 2014 e abril de 2015.

Adriana Irion
Colaborou

Zero Hora - ClicRBS

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