Ute Schaeffer
A linguagem cria realidades:
populistas de todas as ideologias sabem disso e usam o potencial da internet
para propagar suas mensagens simplistas. Mas é preciso resistir, opina a
jornalista Ute Schaeffer.
O que
têm em comum o autor do atentado de Würzburg,
os direitistas indignados de Bautzen,
os russos residentes na Alemanha em protesto pelo suposto sequestro da menina Lisa de
13 anos, e os adeptos do Movimento Identitário? À primeira vista, não muito. No
entanto, todos eles obtêm suas informações na internet, e lá se conectam em
rede, se fortalecem e radicalizam.
O espaço
público está se modificando fundamentalmente na Alemanha: aquilo que se inicia
como tuíte ou post é capaz de desencadear violência concreta, tem efeito
imediato sobre a coesão social no país e também sobre os resultados eleitorais.
Já há
abundantes exemplos disso em 2016: as agressões direcionadas na comemoração da
Reunificação Alemã em Dresden, em 3 de outubro, o incêndio de uma mesquita
na mesma cidade, apenas uma semana antes, a necessidade de proteção
policial para deputados críticos à Turquia, o acréscimo mensurável dos
crimes de motivação política, a quintuplicação dos ataques a alojamentos
de requerentes de asilo.
A
campanha para as eleições legislativas de 2017 mostrará: estamos diante de uma
transformação radical do espaço público na Alemanha. Qual foi a última vez que
um editorial jornalístico desencadeou debate por todo o país? E os debates
fundamentais, que dão orientação política e influenciam as decisões eleitorais:
eles ainda transcorrem nos parlamentos ou nas associações partidárias locais?
Ou será que tudo se desloca para a internet, onde muitas vezes o debate é
travado de forma desconsiderada, desumana, sem fatos, como mero embate de
opiniões?
Não se
trata nem de opiniões equivocadas de uma minoria na rede nem de discussões
entre supostos excluídos da sociedade. Quem crê nisso, está no caminho errado.
Pois os diferentes movimentos estão em conexão estreita na internet, do
movimento xenófobo de protesto Pegida, passando pelos extremistas de direita e
o Movimento
Identitário (na Alemanha, sob observação dos órgãos de segurança
interna), até a agência de notícias russa Sputnik ou as diversas ramificações
regionais do partido populista de direita Alternativa
para a Alemanha (AfD).
Eles se
fortalecem reciprocamente, para além das fronteiras nacionais, e expandem sua
influência constante e mensuravelmente através das mais diferentes plataformas.
A rede transforma suas posições políticas em histórias, aglutina seus motivos e
conceitos.
Tais
campanhas online criam heróis – grandes vencedores políticos como, por exemplo,
Donald Trump. Mas também informam os adeptos fundamentalistas na rede sobre os
devastadores "atos heroicos" dos autores de atentados jihadistas.
E as
campanhas dão aos milhões de seguidores e membros de grupos que compartilham
essas histórias a certeza de terem encontrado correligionários e de finalmente
ter alguém que os escute. Assim, eles têm a boa sensação de ser porta-vozes em
suas comunidades virtuais, determinantes de agenda nos grupos do Facebook, no
Twitter, nos comentários dos usuários dos grandes sites de notícias.
Da
agenda desses protagonistas ultradireitistas e populistas de direita da rede
constam temas centrais para todos: censura e liberdade de opinião, como
tramitam os processos democráticos, quanta justiça há na Alemanha?
E aí é
colocada em questão, em diversos momentos, a credibilidade e capacidade de ação
de nossos processos e instituições democráticas, assim como os valores de uma
sociedade aberta e tolerante.
Nunca é
demais enfatizar, pois na campanha eleitoral de 2017 será decisiva a forma como
os partidos e a mídia da Alemanha vão se posicionar quanto a esses temas
altamente sensíveis. Quem achar que pode se esquivar deles em seu programa
eleitoral, está no caminho errado.
Aprender
com Trump significa aprender como vencer – isso é algo que os representantes da
AfD não tentam esconder em suas aparições públicas. A convicção de Trump é,
sabidamente: "Não preciso de partido, nem de mídia. Eu sou um
movimento!"
O mesmo,
aliás, também vale para antidemocratas como os presidentes turco, Erdogan, e
russo, Putin. Todos eles apostam na rede e na forma como ela funciona, em sua
comunicação direta, sua interconexão e na maciça multiplicação dos conteúdos.
"É
preciso poder dizer isso", tem reivindicado o AfD regularmente em suas
declarações. Linguagem simples e um conjunto reduzido de mensagens claras
contribuem para o sucesso da legenda. Termos de luta centrais se consolidam na
internet, sendo, então transferidos para a discussão política: "imprensa
da mentira", "canalha migrante", "traidores do povo",
"islamização", "inversão étnica", "clube de swingers
político" – em 2017 a lista seguramente continuará se estendendo. Essa
linguagem é um fator de êxito decisivo para a AfD.
Qual é a
reação adequada? Para a política como para a mídia: manter a credibilidade – o
que inclui nem ignorar os temas e emoções na internet, nem minimizá-los.
Compreender que política e mídia existem para abordar os temas que movimentam as
pessoas, e que ambas lhes devem contas; que a fidelidade aos fatos é o que fará
a diferença, o mais tardar depois das eleições.
E que a
corrida já está perdida se nos furtarmos a esses debates – difíceis, mas tão
importantes para nosso futuro social e político – e simplesmente contornarmos
esses assuntos: isso não vai funcionar!
DW – Deutsche Welle
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