terça-feira, 29 de setembro de 2015

Remendos na Previdência

Suely Caldas

Há exatos 20 anos, desde o governo FHC, as regras que garantem aposentadoria têm sofrido remendos (mal feitos) aqui e ali que criam confusão, embaralham cálculos, deixam o segurado perdido ao tentar adivinhar o valor de seu benefício ou definir se é ou não o melhor momento para requerê-lo. Tanto remendo por nada, justamente porque não atacam a raiz dos problemas que têm levado a Previdência ao crescente e explosivo desequilíbrio financeiro. Pelo contrário, só têm conseguido agravá-lo ano a ano, nestes 20 anos. Tais remendos pretensamente aliviariam o crônico déficit do INSS, mas enganam, mascaram, não resolvem o rombo nem corrigem injustiças sociais.

Ao manter vetos da presidente Dilma a matérias que pioravam o déficit fiscal, o Congresso Nacional revogou lei que ele próprio aprovou há três meses, que acabava com o fator previdenciário e adotava a fórmula 85/95 (soma de idade com tempo de contribuição) para pedir a aposentadoria. Ou seja, o que era bom para o País deixou de sê-lo três meses depois - é com essa falta de seriedade, molecagem e tamanha irresponsabilidade que os parlamentares/legisladores fazem leis que terão de ser cumpridas por 200 milhões de brasileiros. Mais um remendo que não resolve e que ainda criou uma agravante: funcionários do INSS em greve, Brasília à deriva, mergulhada em indecisões de um desgoverno, e o segurado que requereu ou vai requerer a aposentadoria está perdido feito barata tonta.

Ficou tudo muito confuso, mas, ao que parece, quem entrar agora com o pedido do benefício vai optar entre o fator previdenciário e a tabela progressiva da fórmula 90/100, que começa com 85/95 e só chegará a 90/100 em 2022. Veja bem, leitor, a regra é para ser aplicada até 2022, mas a vigência da medida provisória (MP) que a regula acaba em 17/10/2015! Olhe o tamanho da barafunda! E como fica se até o dia 17 o Congresso não votar a MP? Ninguém sabe, muito menos o governo, que prometeu substituí-la por outra proposta. Mas, como a gestão Dilma parou, nada acontece nem se constrói em Brasília - a não ser o toma lá dá cá da reforma ministerial, PMDB e PT disputando poder e a população à margem, desprezada e esquecida -, é muito provável que o governo nada apresente quando chegar o dia 17 e a MP caduque. Neste caso, a fórmula 90/100 desaparece e volta a valer só o fator previdenciário, como antes? Tanto desgaste, tempo e dinheiro público desperdiçados por nada? Ou seja, mais um remendo mal remendado, em seguida desfeito.

É por descaminhos tortos, que nunca chegam a objetivo algum, que há 20 anos segue a Previdência. Por quê? Faltaram ousadia e coragem política a FHC, Lula e Dilma para fazerem a coisa certa. O diagnóstico é conhecido há 20 anos: o déficit do INSS é crescente, explosivo e precisa acabar porque cria distorções na economia, subtrai verbas de investimentos e de outras áreas sociais (saúde, educação, segurança, habitação, saneamento). Analisado desse ângulo, o déficit é socialmente injusto. Mas, de outro ângulo, a grande maioria dos aposentados ganha pouco, só um salário mínimo. Em certos casos, também socialmente injusto. 

Mas essa injustiça decorre de uma série de distorções nas regras da Previdência que têm de ser removidas para eliminar privilégios, racionalizar o sistema, equilibrar receita com despesa e torná-la autofinanciável. A primeira é adaptar a idade mínima de acesso à longevidade da população. Segundo o IBGE, o brasileiro vive em média 75 anos, e pelas regras atuais há quem se aposente com 52/55 anos e passará 23/25 anos recebendo benefício sem ter contribuído o suficiente para tal. Esse descompasso é a maior causa do rombo do INSS e, para desfazê-lo, é preciso aumentar a idade mínima de acesso.
Introduzida pela Constituinte de 1988, a segunda maior distorção é obrigar o INSS a pagar um salário mínimo para aposentados da área rural que nunca contribuíram para a Previdência. Esse é um típico programa de renda mínima, como é o Bolsa Família, que deveria constar do Orçamento-Geral da União. Retirado do INSS, a Previdência ficaria até superavitária.

SUELY CALDAS
JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR


Estadão

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