Suely Caldas
Há exatos 20 anos, desde o governo
FHC, as regras que garantem aposentadoria têm sofrido remendos (mal feitos)
aqui e ali que criam confusão, embaralham cálculos, deixam o segurado perdido
ao tentar adivinhar o valor de seu benefício ou definir se é ou não o melhor
momento para requerê-lo. Tanto remendo por nada, justamente porque não atacam a
raiz dos problemas que têm levado a Previdência ao crescente e explosivo
desequilíbrio financeiro. Pelo contrário, só têm conseguido agravá-lo ano a
ano, nestes 20 anos. Tais remendos pretensamente aliviariam o crônico déficit
do INSS, mas enganam, mascaram, não resolvem o rombo nem corrigem injustiças
sociais.
Ao manter vetos da presidente Dilma a
matérias que pioravam o déficit fiscal, o Congresso Nacional revogou lei que
ele próprio aprovou há três meses, que acabava com o fator previdenciário e
adotava a fórmula 85/95 (soma de idade com tempo de contribuição) para pedir a
aposentadoria. Ou seja, o que era bom para o País deixou de sê-lo três meses
depois - é com essa falta de seriedade, molecagem e tamanha irresponsabilidade
que os parlamentares/legisladores fazem leis que terão de ser cumpridas por 200
milhões de brasileiros. Mais um remendo que não resolve e que ainda criou uma
agravante: funcionários do INSS em greve, Brasília à deriva, mergulhada em
indecisões de um desgoverno, e o segurado que requereu ou vai requerer a
aposentadoria está perdido feito barata tonta.
Ficou tudo muito confuso, mas, ao que
parece, quem entrar agora com o pedido do benefício vai optar entre o fator
previdenciário e a tabela progressiva da fórmula 90/100, que começa com 85/95 e
só chegará a 90/100 em 2022. Veja bem, leitor, a regra é para ser aplicada até
2022, mas a vigência da medida provisória (MP) que a regula acaba em
17/10/2015! Olhe o tamanho da barafunda! E como fica se até o dia 17 o
Congresso não votar a MP? Ninguém sabe, muito menos o governo, que prometeu
substituí-la por outra proposta. Mas, como a gestão Dilma parou, nada acontece
nem se constrói em Brasília - a não ser o toma lá dá cá da reforma ministerial,
PMDB e PT disputando poder e a população à margem, desprezada e esquecida -, é
muito provável que o governo nada apresente quando chegar o dia 17 e a MP
caduque. Neste caso, a fórmula 90/100 desaparece e volta a valer só o fator
previdenciário, como antes? Tanto desgaste, tempo e dinheiro público
desperdiçados por nada? Ou seja, mais um remendo mal remendado, em seguida
desfeito.
É por descaminhos tortos, que nunca
chegam a objetivo algum, que há 20 anos segue a Previdência. Por quê? Faltaram
ousadia e coragem política a FHC, Lula e Dilma para fazerem a coisa certa. O
diagnóstico é conhecido há 20 anos: o déficit do INSS é crescente, explosivo e
precisa acabar porque cria distorções na economia, subtrai verbas de
investimentos e de outras áreas sociais (saúde, educação, segurança, habitação,
saneamento). Analisado desse ângulo, o déficit é socialmente injusto. Mas, de
outro ângulo, a grande maioria dos aposentados ganha pouco, só um salário
mínimo. Em certos casos, também socialmente injusto.
Mas essa injustiça decorre de uma
série de distorções nas regras da Previdência que têm de ser removidas para
eliminar privilégios, racionalizar o sistema, equilibrar receita com despesa e
torná-la autofinanciável. A primeira é adaptar a idade mínima de acesso à
longevidade da população. Segundo o IBGE, o brasileiro vive em média 75 anos, e
pelas regras atuais há quem se aposente com 52/55 anos e passará 23/25 anos
recebendo benefício sem ter contribuído o suficiente para tal. Esse descompasso
é a maior causa do rombo do INSS e, para desfazê-lo, é preciso aumentar a idade
mínima de acesso.
Introduzida pela Constituinte de
1988, a segunda maior distorção é obrigar o INSS a pagar um salário mínimo para
aposentados da área rural que nunca contribuíram para a Previdência. Esse é um
típico programa de renda mínima, como é o Bolsa Família, que deveria constar do
Orçamento-Geral da União. Retirado do INSS, a Previdência ficaria até
superavitária.
SUELY CALDAS
JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO
E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR
Estadão
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