Demétrio
Magnoli
"Tem
que juntar o Temer, o Fernando Henrique, o Lula, trancar dentro de uma sala e
jogar a chave fora, para encontrar a solução". Há 51 anos, o golpe militar
surgiu como "solução" dos impasses da precária democracia brasileira.
Hoje, segundo Abilio Diniz, a solução demanda um golpe civil. As repercussões
positivas da sugestão do empresário, tanto entre seus pares como na imprensa
–onde foi celebrada, por exemplo, por Clóvis Rossi– evidenciam a natureza de
nossa crise. O Brasil gosta do auto-engano.
"O
povo não sabe votar." No seu cerne, a ideia do golpe é substituir a
vontade imperfeita dos cidadãos, essa massa ignara conduzida no turbilhão das
emoções, pela deliberação fria de um ente de razão que assume o papel de
representação nacional: o Caudilho, o Partido, as Forças Armadas. O golpe
civil, tal como proposto por Diniz, troca o ato de força pela encenação da
conciliação: os "pais da pátria" correm em defesa de um valor maior,
que é o bem comum, subordinando a ele seus interesses particulares. O acordo
por cima, o conchavo sublime, cancela o conflito, refaz a ordem perdida e
propicia um novo começo. Seu pressuposto implícito é que inexistia um conflito
verdadeiro, uma legítima disputa política sobre a sociedade, a economia e o
Estado.
Os
três homens na sala fechada são os caciques das principais forças partidárias
do país. O interlocutor ausente é a presidente eleita pelo povo. Na formulação
de Diniz, compartilhada por tantos incautos, Dilma é o nome do problema –e sua
ausência é a chave da solução. A presidente é, certamente, um problema: o
cânone definitivo da união entre a arrogância e a incompetência. Contudo, atrás
de sua figura patética, avulta o problema real: a crise do lulopetismo. Fiel à
sua alma profunda, por quatro vezes consecutivas o Brasil escolheu nas urnas a
estrada sedutora do capitalismo de Estado. Hoje, já no meio da jornada de uma
década perdida, a nação confronta-se com as consequências de suas opções. O
golpe civil proposto por Diniz é um truque para encerrar o debate nacional,
evitando sua conclusão. Sai Dilma, ficam as ilusões.
A sentença do empresário contém um trecho
oculto, que deve vir à luz.
Na
sala de três, só um pode tomar a cadeira de Dilma. Diniz está conclamando FHC e
Lula a demitirem a presidente, forçando sua renúncia e substituindo-a por
Temer. O projeto envolveria um contrato informal entre o PSDB e o PT: na sala
lacrada, os dois partidos congelariam suas divergências, entregando a gerência
da crise nacional a um fiel depositário e adiando o desfecho do conflito até a
batalha eleitoral de 2018. No mito da conciliação, a democracia é posta entre
parêntesis pelo tempo suficiente à restauração da ordem. De fato, porém, o
golpe civil não significaria mais que a perenização da desordem.
Inexistem
cenários virtuosos no horizonte. Nada, porém, seria tão deplorável quanto um
governo de "união nacional" fecundado na alcova de um conchavo
tripartidário. Na planilha de custos do golpe civil, sonegada por Diniz,
encontra-se a manutenção da aliança PT-PMDB, acrescida da eliminação da oposição
parlamentar. A união dos três partidos ergueria uma paliçada de proteção de um
sistema político consagrado à pilhagem do Estado. O dilema econômico pendente,
expresso pelo fracasso do ajuste fiscal, continuaria sem solução. Mas a
sociedade pagaria a transação da saída de Dilma pela renúncia ao aprofundamento
da nossa Operação Mãos Limpas.
Diniz
sustentou por quase três anos um rumoroso conflito empresarial sem nunca
fechar-se numa sala para conciliar com o Casino. Mas acha que a crise nacional
gerada pelo estatismo, pelo neopopulismo e pela privatização partidária do
Estado é assunto menos complexo –e ainda tem quem o aplauda. O "Financial
Times" descreveu o Brasil como "um filme de terror". Vai ver, é
por isso.
Demétrio
Magnoli
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