Aurélio Wander
Bastos
A
mais simples e a mais modesta das empresas privadas, ao terminar o ano
contábil, verificando que sua receita não cobriria a despesa do ano seguinte,
principalmente se esses processos são cumulativos com anos anteriores, não tem
outra saída senão fazer um pedido de recuperação judicial ou, na pior das
hipóteses, requerer em juízo a falência, quando nem ao menos os bens
disponíveis poderão ser vendidos ou leiloados.
Estas
providências provocarão uma verdadeira hecatombe na vida familiar do falido,
que sofrerá uma serie de conseqüências, que limitarão não apenas o seu
exercício profissional, com o aumento da carga tributária, os custos
trabalhistas e previdenciários insuportáveis, deixando os fornecedores de
entregar os bens negociáveis e de consumo.
O
Estado não é uma empresa privada, mas a sua responsabilidade prioritária não é
com os cânones da burocracia, nem muito menos com os cargos disponibilizados
para terceiros dentro da máquina administrativa, mas com as famílias que
sobrevivem em função da gestão pública, seja em que patamar estiver, com as
empresas e com as corporações, seja em função da suas demandas ou das suas
ofertas de serviços. O Estado não pode, pela força de sua própria natureza,
fugir das suas obrigações com o equilíbrio financeiro da nação, nem muito menos
transferi-lo para outrem, senão aquele que é o próprio responsável pela
proposição orçamentária.
Profunda,
complexa e mais dura fica a situação do Estado, quando de público o Poder
Executivo, em inédita postura na história brasileira, apoiado numa
inconveniência lingüística, para explicar a palavra “meta”, envia um orçamento
para o Congresso Nacional, referente ao ano de (2016), mediante alegação que o déficit orçamentário primário está na “meta” do
Executivo. Impossível entender, no mais rude dos dicionários, que a palavra
“meta” significa alcançar positivamente objetivos, pois, nem gramaticalmente,
nem economicamente existe “meta” negativa, seria um contra senso lingüístico e,
economicamente, estaria por se reconhecer que uma nação pode evoluir (involuir)
negativamente, apesar de todos os fatores de crescimento que envolvem a
programação orçamentária.
Lamentavelmente,
a linguagem de apresentação do orçamento, apoiada em palavras que justificam
uma adesão ao realismo político, e uma confissão discursiva de adesão ao
realismo administrativo, na verdade permite que se conclua que nos anos
anteriores (2014 e também neste ano de 2015) não se trabalhou com evidente
realismo e nem muito menos transparência, causa remota, se não imediata, do
esdrúxulo orçamento com projeção deficitária. Afinal para onde vamos? Ainda no
contexto lingüístico utilizou-se a palavra de peso condicional “meta”, na
apresentação pública do orçamento, própria de nossa legislação constitucional e
administrativa, como uma palavra de significado neutro, insistindo inclusive,
que ela enquanto “significante” não traduz um sentido positivo e nem negativo,
de certa forma, pretendendo-se com isso fugir do seu fundamento incondicional.
Não
há como desconhecer que a palavra “meta” está totalmente comprometida no
orçamento anual com a palavra “diretrizes”. A Constituição é clara quando fala
em “metas” da administração Pública Federal, para as despesas de capital e para
outros programas continuados. Não fosse somente isso, a mesma Constituição
dispõe que a Lei de diretrizes orçamentárias, compreenderá as “metas” e
prioridades da administração, tendo em vista o exercício financeiro futuro
(subseqüente). Diz ainda o texto condicional, que a lei orçamentária anual, não
conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa. Não
há, por conseguinte, constitucionalmente orçamento com previsão deficitária
(primária). Isto é um trágico posicionamento: ou Executivo, titular da
competência da elaboração orçamentária, recua, ou o Congresso, na sua
sabedoria, corrige. Mas o país está em “cheque mate”.
Interessantemente
a própria Constituição veda a realização de despesas que excedam os créditos
orçamentários. Infelizmente, evitando uma transcrição mais ampla da
Constituição (Seção I, II e III, Capítulo II do título IIII), enviar um
orçamento para o Congresso em 2015, para execução em 2016, significa que a
receita deve ser maior do que a despesa, que o déficit primário não pode ser pressuposto da ação
orçamentária. É uma situação caótica. Imagine-se este quadro numa família ou
numa empresa? Se o país não esta em efetiva situação de falência, as
providências para superar a tragédia anunciada em números, é um problema do
gestor, a menos que inconstitucionalmente se absorva a transferência. A
correção das dificuldades que advieram com os desencontros das despesas
públicas, não pode ter como saída o sacrifício dos sacrificados, mas ele tem
que provocar uma profunda releitura retrospectiva de suas causas e buscar os
responsáveis, que com certeza terá suas razões avaliadas
Está
efetivamente claro, que o Executivo procura transferir a declaração de falência
para o Congresso, e o Congresso, senão reagir, dimencionalizando as
responsabilidades do Poder Executivo, poderá transferir para a sociedade o
fracasso de seus integrantes, para compreender aqueles que prenunciaram o
sucesso e a glória nas políticas de inclusão assistencial, sem as conseqüentes
providencias estruturais. Lamentavelmente, elas não foram providenciadas ao
nível necessário para resguardar a tranqüilidade orçamentária, deixando visível
que o gestor venceu barreiras de pobreza, mas poderá provocar a falência das
receitas dos programas sociais, comprimindo a produtividade agrícola,
industrial, comercial, os serviços e os programas de inovação tecnológica. O
Congresso vai assumir este quadro?
O
Executivo, senhor de suas próprias contas, está diante de um simples dilema: o
realismo e a transparência alegada na apresentação do orçamento de 2016,
significa o reconhecimento de que as obscuras movimentações denunciadas nos
tribunais, referentes a anos anteriores, não podem ser orçamentadas e nem
coletivizadas, como erros dos contribuintes, mas como eventuais desvios de
gestão das contas nos anos de 2014 e 2015. O sucesso na melhoria da linha de
pobreza não é suficiente para justificar a falência orçamentária, como
argumento de convencimento, pelo contrário, o Executivo abre as suas entranhas
de horror para o povo incauto e deixa estarrecida as classes trabalhadoras e
produtivas.
Finalmente,
o mais lamentável, todavia, é que ninguém é responsável, as lideranças do
Congresso não são explícitas, se contorcem diante da eventual tragédia nunca
dantes ocorrida na história do Brasil. A coragem de se remeter ao Congresso, um
documento com tamanha evidência de desprezo pela nação, não pode ser um
documento reconhecido pela nação.
Aurélio Wander Bastos
Jurista
e cientista jurídico.
A Voz do Cidadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário