Antonio Tito Costa
Meu caro Lula, permito-me
escrever-lhe publicamente diante da impossibilidade de nos falarmos em pessoa,
com a franqueza dos tempos de nossos seguidos contatos –você na presidência do
Sindicato dos Metalúrgicos e eu prefeito de São Bernardo do Campo.
Não vou falar das greves que
ocorreram de 1979 a 1981, que projetaram seu nome no Brasil e no exterior. Não
quero lembrar os dias angustiantes da intervenção no sindicato pelo ministro do
Trabalho, em março de 1979, e da violência que se seguiu com prisões, processos
e a sua detenção pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social).
Todos esses fatos sempre foram
acompanhados por mim juntamente ao senador Teotônio Vilela, a Ulysses Guimarães
e a numerosos políticos do então MDB.
Na véspera da intervenção no
sindicato, você ligou no meu gabinete me pedindo ajuda para retirar estoques de
alimentos ali guardados. Enviei caminhões da prefeitura para retirá-los e o
material foi depositado na igreja matriz da cidade.
Não falo das reuniões, madrugadas
adentro, em meu apartamento em São Bernardo, com figuras expressivas do mundo
político e também de outras esferas, como dom Cláudio Hummes, nosso amigo,
então bispo de Santo André, hoje pessoa de confiança do papa Francisco, em
Roma. Éramos todos preocupados com a sua sorte, a do sindicato e também a das
nossas instituições em pleno regime militar.
Prefiro não falar dos dias em que o
acolhi em minha chácara na pequena cidade de Torrinha, no interior de São
Paulo, acobertando-o de perseguições do poder militar da época: você, Marisa,
os filhos pequenos, vivendo horas de aflição e preocupantes expectativas.
Nem quero me lembrar das assembleias
do sindicato, depois da intervenção no estádio de Vila Euclides, cedido pela
Prefeitura de São Bernardo, fornecendo os aparatos possíveis de segurança.
Eram os primórdios de uma carreira
vitoriosa como líder operário que chegou à Presidência da República por um
partido político que prometia seriedade no manejo da coisa pública e logo
decepcionou a todos pelos desvios de comportamento e de abusos na condução da
máquina administrativa do Estado.
E aqui começa o seu desvio de uma
carreira política que poderia tê-lo consagrado como autêntico líder para um
país ainda em busca de desenvolvimento. Você deixou escapar-lhe das mãos a
oportunidade histórica de liderar a implantação de urgentes mudanças
estruturais na máquina do poder público.
Como bem lembrou Frei Betto, seu
amigo e colaborador, você, liderando o Partido dos Trabalhadores, abandonou um
projeto de Brasil para dedicar-se tão somente a um ambicioso e impatriótico
projeto de poder, acomodando-se aos vícios da política tradicional.
Assim, seu partido, em seus alargados
anos de governo, com indissimulada arrogância, optou por embrenhar-se na busca
incessante, impatriótica e irresponsável do aparelhamento do Estado em favor de
sua causa que não é a do país.
Enganou-se você com a pretensão
equivocada de implantar uma era de bonança artificial pela via perversa do
paternalismo e do consumismo em favor das classes menos favorecidas, levando-as
ao engano do qual agora se apercebem com natural desapontamento.
Por isso, meu caro Lula, segundo
penso, você perdeu a oportunidade histórica de se tornar o verdadeiro líder de
um país que ainda busca um caminho de prosperidade, igualdade e solidariedade
para todos. Alguma coisa que poderia beirar a utopia, mas perfeitamente
factível pelo poder político que você e seu partido detiveram por largo tempo.
Agora, perdido o ensejo de sua
consagração como grande liderança de nossa história republicana recente, o
operário-estadista, resta à população brasileira o desconsolo de esperar por
uma era de dificuldades e incertezas.
Seu amigo, Tito Costa.
Antonio Tito Costa, 92, advogado, foi
prefeito de São Bernardo do Campo (1977-1983) pelo MDB/PMDB, quando teve
atuação destacada nas greves de metalúrgicos no ABC paulista em oposição à
ditadura militar. Foi também deputado federal constituinte (1987-1988).
Folha de S. Paulo, em 20 de setembro de 2015.
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