Lucas Berlanza
Donald Stewart
Jr. (1931-1999), filho de canadenses,
foi, fundamentalmente, um homem de ação. Convivendo com sucessivos regimes onde
a liberdade era, em diversos sentidos, mas marcadamente no plano econômico,
bastante escassa, o empresário e engenheiro civil não hesitou em nadar contra a
maré. Sócio e afiliado de diversas instituições internacionais que desfraldam a
bandeira da liberdade, como a Sociedade Mont Pélerin, a CATO Institute, a
Heritage Foundation, a Atlas Foundation e o Liberty Fund, Donald entendia, como
sintetiza o amigo e não menos notável Og Leme, “que o liberalismo constitui a
orientação mais efetiva para a redenção e o desenvolvimento do ser humano e das
nações”, e que a “ordem liberal-democrática é a forma de organização social
mais adequada para o atendimento desses objetivos”.
No afã de divulgar esses princípios e
fazer com que eles também se enraizassem na cultura política do país em que
vivia e empreendia, Stewart deu à luz diversas iniciativas. Uma delas foi o
livro O Que é o Liberalismo (1988), resumindo algumas de suas
palestras sobre o tema.
De maneira bastante didática e indo
direto ao ponto, Donald Stewart apresenta suas convicções, bastante calcadas na
leitura dos economistas austríacos Friedrich Hayek e Ludwig Von Mises,
delineando uma proposta básica positiva, isto é, que não se restringe a atacar
o patrimonialismo e o estatismo paquidérmico reinantes, mas apresenta a
alternativa sólida em que os brasileiros poderiam se mirar. No capítulo
1, O “Renascimento” do
Pensamento Liberal, Donald traça um histórico do pensamento liberal,
principiando pelo alvorecer do pensamento clássico com Adam Smith e sua teoria
econômico-moral; passa, então, pelos duros golpes sofridos pela consagração do welfare
state, do intervencionismo keynesiano e da social democracia;
finalmente, conclui com o revigoramento das idéias da liberdade, que ainda
encontram um terreno bastante hostil, mas começam a se organizar e impactar nas
políticas públicas e administrações governamentais. Stewart faz referência a um
dos casos mais explícitos: o da Dama de Ferro, Margaret Thatcher, na
Inglaterra, inspirada nas idéias de Hayek.
No segundo capítulo, Ação
Humana e Economia, Stewart parte para uma análise do conceito de Mises
acerca da praxeologia, isto é, a ciência da ação humana, que estudaria as
raízes dos nossos comportamentos, buscando compreender o que estaria por trás
de nossas decisões e, por conseqüência, das movimentações na economia.
Considerando que o objetivo dessa ação consistirá em sair de uma situação menos
favorável para outra mais interessante, ele sustenta ser isso o que leva ao
aprimoramento das instituições e das relações humanas. Esse aprimoramento se daria,
para Stewart, baseado em Hayek, com muito mais eficácia através de um processo
espontâneo, não direcionado por um poder central. Tal como o austríaco ganhador
do Prêmio Nobel, o empresário brasileiro não defendia um pensamento liberal
calcado em um “atomismo moral”; sua concepção era de uma sociedade, que cresce
e se constrói com cooperação, mas que deve ser livre, o que necessariamente
pressuporá uma economia de mercado – único contexto em que essa cooperação pode
se processar entre completos desconhecidos. Na busca do aprimoramento de
possibilidades que esse ambiente pode proporcionar, se destaca a atividade
empresarial, cuja função é, em um ambiente de competição ética, “descobrir o
que até então não havia sido descoberto pelos outros”, pelo que lhe cabe o
lucro devido. Defendendo a garantia de um mínimo para a vida humana em matéria
de saúde e educação (especialmente se isso for feito mediante o sistema de vouchers,
defendido por outro economista liberal, Milton Friedman), Stewart também alveja
a ideia utópica da busca por uma “igualdade de oportunidades” que levaria a
trilhar um caminho antinatural, “antipraxeológico”, se assim nos pudermos
exprimir, que seria o de buscar uma situação desfavorável para alguns que
possuem determinadas aptidões naturais, a fim de favorecer os demais na mesma
proporção.
O terceiro capítulo, com o mesmo nome
dado ao livro, sistematiza a percepção do autor sobre o Liberalismo, definido
por ele como “uma doutrina política (…) voltada para a melhoria das condições
materiais do gênero humano”, que procura reduzir a pobreza e as misérias
materiais através da liberdade. Segundo esse pensamento, um sistema social que
valoriza a liberdade “assegura uma maior produtividade de trabalho humano,
sendo, portanto, do interesse de todos os habitantes do mundo”. Esse sistema
precisa estar baseado na defesa da propriedade privada e na defesa da paz e da
tolerância, conjugando a liberdade econômica com a liberdade política de
escolha das pessoas que exercerão as funções de governo. Como princípios
gerais, Stewart destaca a igualdade perante a lei, a ausência de privilégios, o
respeito aos direitos individuais, a responsabilidade individual, o respeito às
minorias divergentes e a liberdade de entrada no mercado, isto é, a livre
iniciativa em uma economia de mercado com propriedade privada.
Donald Stewart encerra seu pequeno
livro introdutório com o capítulo A Situação Brasileira, uma
análise breve de uma série de circunstâncias em que esses ares liberais fariam
bem ao ambiente saturado de Estado do Brasil. Mas ele foi além. Na prática, em
1983, fez vir à luz o nosso Instituto Liberal do Rio de Janeiro, um think
thank pioneiro que, como as instituições internacionais a que seu
fundador era vinculado, tinha a finalidade de divulgar e discutir justamente
aqueles princípios que ele ressaltou em seu opúsculo. Suas atividades,
inicialmente, se restringiam à tradução e edição de livros, principalmente os
dos economistas austríacos (entre esses livros, também, até hoje, é
comercializado o opúsculo de que falamos neste artigo), passando depois a
abranger a realização de um sem-número de colóquios e eventos de confabulação
acadêmica. Hoje, além de seguir parceiro de todos os eventos e as diversas
outras instituições que, com perfis próprios, surgiram para quebrar a hegemonia
estatizante, o IL conta com uma nova série de projetos por vir e se insere no
mundo virtual, no Youtube e nas redes sociais, abrindo espaço para uma
discussão plural de diferentes correntes de pensamento presentes no país e que
dialogam com o pensamento liberal, com formatações mais ou menos particulares,
sustentando o núcleo duro dos princípios pontuais que nosso estatuto erige em
fundamentos da ordem liberal: o liberalismo clássico, o liberal-conservadorismo
(orbitando, sobretudo, em torno de Edmund Burke,
autor a que Og Leme já fazia elogiosas referências, bem como outros pensadores
brasileiros como Meira Penna e Merquior, que utilizam essa expressão), o
social-liberalismo (de que o próprio Merquior se definia como adepto), o
libertarianismo e o anarco-liberalismo (de autores como Rothbard). O IL
também se abre a diferentes escolas econômicas com idéias liberais, desde os
austríacos originais até o próprio Friedman, pela Escola de Chicago, e
filosofias como o Objetivismo de
Ayn Rand, que tenham algo com que enriquecer as reflexões
alternativas que propõe suscitar.
Donald Stewart provavelmente não
imaginava os frutos que sua ousadia faria nascer. Hoje, ainda há muito trabalho
pela frente, e o país conheceu retrocessos em sua caminhada lenta e difícil,
ainda distante da liberdade que ambicionamos e temos o direito – e o dever – de
ambicionar. No entanto, mesmo não vislumbrando ainda as maiores vitórias que
podem estar por vir, certamente Stewart ficaria orgulhoso com o novo vigor
conquistado pelas ideias que sustentava apaixonadamente.
Lucas Berlanza
Acadêmico
de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na UFRJ, e colunista do
Instituto Liberal. Estagiou por dois anos na assessoria de imprensa da
AGETRANSP-RJ. Sambista, escreveu sobre o Carnaval carioca para uma revista de
cultura e entretenimento. Participante convidado ocasional de programas na
Rádio Rio de Janeiro.
Instituto
Liberal
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