Fernão Lara Mesquita
Ao
fim de oito meses procurando alternativas em vão até Dilma Rousseff já sabe que
não ha como o Brasil voltar ao mundo dos vivos sem reduzir drasticamente o
tamanho do estado ou, ao menos, dar provas da decisão de ir nessa direção. Mas
como o negócio do PT não é o Brasil, é o PT, ela acaba de fazer exatamente o
contrário.
Como
se pôde ver nas últimas “manifestações”, o partido está
reduzido ao contingente dos funcionários que colonizam a máquina pública e às
proto-milícias que, em recente demonstração de força dentro do palácio
presidencial, avisaram que estão prontos a usá-la para nos arrancar o que for
necessário para permanecer onde estão. É emblemática, portanto, a atitude dessa
senhora de se aferrar tanto mais ao cargo quanto mais claro fica que a crise é
exatamente essa insistência insana.
Ao
assumir a decisão de, com o país desmoronando, fritar Joaquim Levy para
insistir no beco sem saída de uma equação confessadamente insustentável, o PT
está sinalizando que desistiu da via política; vai partir para a outra.
O Congresso Nacional também está ciente, de
cabo a rabo, de que não há alternativa para a cirurgia de emergência do estado
que não implique a morte da galinha dos ovos de ouro. Mas recusa-se a pegar a
bola que a Presidência lhe passou. É uma atitude temerária. Devolvê-la sob a
forma de uma imposição da Casa que desse ao governo o álibi para algum tipo de
ação menos inescapavelmente suicida pode ser a última chance do Brasil evitar o
pior.
Enquanto
for preciso eleger-se é a narrativa, e não as verdades que não aparecem na
televisão, que pauta o comportamento dos políticos. As velhas raposas do
Congresso – de situação e oposição – não perderam o faro. Na mesma velocidade
em que a percepção da profundidade do buraco foi mudando o humor da plateia,
passaram do alinhamento explícito com a minoria privilegiada que ajudaram a
constituir para apenas uma resistência surda à afirmação da única alternativa
para deter a crise. Já entenderam o que, mais cedo ou mais tarde, terá de ser
feito, mas precisam se sentir respaldados para fazê-lo agora.
Enquanto
o país continuar contando como certo e pacífico que “rigidez orçamentaria” é um dado inalterável da natureza
e, portanto, o seu é o único bolso estuprável da praça, isso não será possível.
Já que, como sempre nesses casos, é com empregos e desgraças familiares que
essa conta vai ser paga, a imprensa poderia oferecer a contribuição decisiva
para dar ao processo a direção e a velocidade que a urgência da situação requer
se apeasse da insana “neutralidade” com que passa
adiante falsificações e mentiras patentes toda vez que alguém acha conveniente
apresentar mais uma a uma redação e fizesse um esforço concentrado para
informar à nação com a clássica ferramenta da reportagem quem ganha quanto
para produzir o quê dentro e fora do universo estatal; que direitos e deveres
têm os pais de família contribuintes e “contribuídos” e como isso afeta
a vida de seus filhos; onde está localizada a gordura que resta no país; quais
os custos e benefícios para a coletividade de cada alternativa sugerida ou
sonegada em função de interesses escusos.
Isso
poderia desbloquear o caminho para deter o incêndio criminoso que ameaça a
segurança nacional.
Já
para livrar o Brasil da sua miséria crônica, seria necessário encarar “a verdade inteira”, como agora diz querer o PMDB. É do Manifesto Republicano de 1870 esta síntese do
expediente com que a monarquia ameaçada pela revolução democrática de 1831,
saiu-se pelo sistema corporativista em que estamos enredados até hoje:
“O despotismo colonial procurou desde logo surpreender em uma emboscada
política a revolução que surgia no horizonte da opinião (…) Disfarçar a forma,
mantendo a realidade do sistema que se procurava abolir, tal foi o intuito da
monarquia (…) A liberdade aparente e o despotismo real (…) são as
características da nossa organização constitucional”.
Não foi diferente a transição do regime
militar, sustentado pelas mesmas pessoas que hoje guardam as costas do PT, para
a “Nova República”. Ha o direito de
voto e, para além dele, nada. Mas eleger para a inimputabilidade sem ter o
poder de deseleger é distribuir cheques em branco e induzir os fiéis
depositários ao estelionato.
A
Constituição de 1988 não é “moderna” nem, muito menos,
“cidadã”, é o diploma
oficial da negação da democracia no Brasil. Tem, por enquanto, 250 artigos,
incontáveis milhares de parágrafos, 84 emendas “ordinárias” e 6 emendas “de revisão”, quase todas versando sobre as exceções à
“igualdade perante a lei” que define esse
regime, que criam uma sociedade de castas com múltiplas gradações na camada
minoritária dos brasileiros “especiais” no topo da qual
imperam, intocáveis, os detentores do poder de outorgar privilégios aos demais,
e uma massa de sub-cidadãos, quase súditos, por baixo, cuja única função é
sustentá-la. O poder dos demiurgos do topo do “Sistema” é, como o dos imperadores, quase divino.
Basta ser tocado por um deles e o bem-aventurado é alçado deste vale de
lágrimas e para sempre indultado das consequências do “pecado original”. Fica, pelo resto da vida, dispensado de
fazer o mesmo esforço e correr os mesmos riscos exigidos de todos nós na luta
cotidiana pelo prato de comida de amanhã.
Não existe meio de evitar que tudo
apodreça, mantido esse ponto de partida.
Ao sacramentar o “direito” de uma casta com empregos eternos de
determinar o próprio salário, progredir na carreira sem mostrar desempenho, ter
aumento de salário independente de performance, não pagar os
mesmos impostos cobrados aos demais, contribuir menos e receber mais na
aposentadoria, não se submeter aos mesmos tribunais que nos julgam, a “Constituição dos Miseráveis” traveste o “confisco” em “conquista” ao mesmo tempo em que garante aos que fabricam crises
abusando dessa prerrogativa medieval permanecer isentos dos efeitos delas.
É este o moto continuo da desgraça
nacional.
VESPEIRO
Comentário do blog:
esta
é nossa Monarquia Republicana.(MBF).
“É
do Manifesto Republicano de 1870 esta síntese do
expediente com que a monarquia ameaçada pela revolução democrática de 1831,
saiu-se pelo sistema corporativista em que estamos enredados até hoje:
“O despotismo colonial procurou desde logo surpreender em uma emboscada
política a revolução que surgia no horizonte da opinião (…) Disfarçar a forma, mantendo a realidade do
sistema que se procurava abolir, tal foi o intuito da monarquia (…) A liberdade
aparente e o despotismo real (…) são as características da nossa organização
constitucional”.”
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