RAQUEL
LANDIM
Folha - 1. A economia brasileira amargará 1,5%
de recessão neste ano. O que está ocorrendo?
Armínio
Fraga - O governo chutou
o pau da barraca [do gasto público] nas eleições e agora paga a conta. Isso já
tinha acontecido no início do primeiro mandato da presidente Dilma. A situação
hoje é pior porque o país entrou muito torto na história. A evolução da dívida
é assustadora, e a recessão morde firme. É possível ver isso na indústria, no
setor imobiliário.
Hoje o quadro está sendo tratado de maneira
mais razoável, mas ainda insuficiente. O ajuste fiscal não vai resolver tudo. É
preciso cortar mais o gasto, que é rígido.
2. Os
empresários reclamam que o governo cortou investimentos, mas não reduziu
gastos. Qual é a sua opinião?
O ajuste fiscal requer um debate profundo sobre o tamanho do Estado. Não vou nem discutir qual é o tamanho do Estado ideal.
O ajuste fiscal requer um debate profundo sobre o tamanho do Estado. Não vou nem discutir qual é o tamanho do Estado ideal.
Alguns países deram certo com um Estado
grande, como os escandinavos. Outros funcionam com um Estado menor, como os
EUA. Só que o Estado precisa ser funcional e hoje temos um Estado meio
capturado.
Sem essa discussão, o ajuste está sendo
feito do jeito que dá. Algumas medidas são boas, mas há problemas. Surgiu essa
história de acabar com o fator previdenciário [que desestimula a aposentadoria
precoce], que considero uma loucura.
3. O
PSDB votou contra o fator previdenciário. O que você acha da posição do
partido?
Não falo pelo PSDB. Tenho simpatia pelo partido e gosto de trabalhar com o ex-presidente Fernando Henrique e com o Aécio.
Não falo pelo PSDB. Tenho simpatia pelo partido e gosto de trabalhar com o ex-presidente Fernando Henrique e com o Aécio.
O partido foi infeliz no tema do fator
previdenciário, mas tem agido bem. O PSDB tem que ser o bastião de grandes
ideias e princípios. Nessa confusão toda, não é fácil.
4. Qual
é o efeito da crise política na economia?
A situação política é caótica. O país tem 32 partidos, 29 representados no Congresso e quase não existe discussão de programa de governo.
A situação política é caótica. O país tem 32 partidos, 29 representados no Congresso e quase não existe discussão de programa de governo.
Há essa percepção de que a política está
terceirizada para o PMDB, mas claramente o PT não está satisfeito. A oposição
tenta se posicionar, mas ainda não engrenou o ritmo.
5. Por
que o governo não faz reformas estruturais?
O Levy lida com muitas restrições, inclusive da chefe dele, que é responsável por tudo isso que está aí. É uma situação muito constrangedora.
O Levy lida com muitas restrições, inclusive da chefe dele, que é responsável por tudo isso que está aí. É uma situação muito constrangedora.
Ele está muito exposto [negociando com o
Congresso]. Mandaram o general para a linha de frente com uma espada na mão,
algo que não se via há 500 anos. É da época de Alexandre, o Grande.
6. Na
sua opinião, o governo deveria reduzir a meta de superavit primário?
O superavit de 1,2% do PIB foi planejado com estimativas muito otimistas para a economia. Desde o início, o governo deveria ter optado por uma meta menor no primeiro ano e mais ambiciosa nos dois anos seguintes. Agora, mexer na meta não é fácil.
O superavit de 1,2% do PIB foi planejado com estimativas muito otimistas para a economia. Desde o início, o governo deveria ter optado por uma meta menor no primeiro ano e mais ambiciosa nos dois anos seguintes. Agora, mexer na meta não é fácil.
7. Mas
a arrecadação não está correspondendo às expectativas. Não é melhor assumir que
não dá para cumprir a meta?
Não sei o que eles vão fazer. A minha opinião é que deveriam ter colocado uma meta menor neste ano e deixado claro qual é o pagamento das "pedaladas" passadas. Classificar direito o que é uma conta do passado e o que é um ajuste permanente.
Não sei o que eles vão fazer. A minha opinião é que deveriam ter colocado uma meta menor neste ano e deixado claro qual é o pagamento das "pedaladas" passadas. Classificar direito o que é uma conta do passado e o que é um ajuste permanente.
8. O
governo tem armas para combater a recessão?
A capacidade de reação do governo está prejudicada pela inflação alta e por um Orçamento muito precário.
A capacidade de reação do governo está prejudicada pela inflação alta e por um Orçamento muito precário.
Portanto, as ferramentas anticíclicas
tradicionais não estão disponíveis em razão de uma herança que Dilma deixou
para ela mesma.
É uma situação muito difícil, e quem vai
pagar o pato, como sempre, é a população.
9. Até
quando vai a recessão?
É preciso não confundir. Vivemos um ciclo de curto prazo provocado pelo aquecimento da economia antes das eleições e temos um problema de médio prazo.
É preciso não confundir. Vivemos um ciclo de curto prazo provocado pelo aquecimento da economia antes das eleições e temos um problema de médio prazo.
Daqui a um ano ou um ano e meio, podemos
até sair do ciclo de curto prazo, mas teremos questões estruturais.
Agora, se ficar claro que existem respostas
para as questões estruturais, ajuda a quebrar o ciclo porque as empresas se
animam a investir.
10. O
governo está tentando estimular investimentos com o programa de concessões de
infraestrutura.
Sim. Mas tem tido uma imensa dificuldade de executar os projetos. E vão utilizar esse dinheiro para vencer as contas do ano, enquanto deveriam abater dívidas.
Sim. Mas tem tido uma imensa dificuldade de executar os projetos. E vão utilizar esse dinheiro para vencer as contas do ano, enquanto deveriam abater dívidas.
11. Na
campanha eleitoral, você foi criticado por dizer que o país entraria em
recessão, e hoje isso se concretizou. Como você se sente?
Aquilo foi um grande teatro, um show de mentiras. O Aécio e o Fernando Henrique falaram isso o tempo todo. O custo é este: temos um país morrendo de medo.
Aquilo foi um grande teatro, um show de mentiras. O Aécio e o Fernando Henrique falaram isso o tempo todo. O custo é este: temos um país morrendo de medo.
12. Com
medo de quê?
De tudo: recessão, desemprego, inflação. Não sou político, vivo de administrar o dinheiro dos meus clientes. Se for pessimista, estou acabado, mas tenho que ser realista. A situação não está boa.
De tudo: recessão, desemprego, inflação. Não sou político, vivo de administrar o dinheiro dos meus clientes. Se for pessimista, estou acabado, mas tenho que ser realista. A situação não está boa.
13. As
empresas estão demitindo. A situação vai piorar?
Infelizmente, acredito que não chegamos ao fundo do poço. Espero estar errado, mas analiticamente não estamos nem perto disso.
Infelizmente, acredito que não chegamos ao fundo do poço. Espero estar errado, mas analiticamente não estamos nem perto disso.
Havia um represamento de demissões em razão
das incertezas que as eleições geram. Agora a situação ficou clara e as
empresas demitem.
Esse ciclo, no entanto, ainda mal começou.
14. Qual
é o impacto do aumento do desemprego?
As centrais sindicais, que sempre foram a base do PT, já estão reclamando. Existe uma briga no próprio governo. Pode gerar mais manifestações de ruas e mais dificuldades para aprovar o ajuste fiscal. Governar nesse contexto não é fácil.
As centrais sindicais, que sempre foram a base do PT, já estão reclamando. Existe uma briga no próprio governo. Pode gerar mais manifestações de ruas e mais dificuldades para aprovar o ajuste fiscal. Governar nesse contexto não é fácil.
15. O
BC exagerou na alta de juros para atingir a meta de inflação de 4,5% no fim de
2016?
É uma meta muito ambiciosa. Dá para chegar a esse resultado em dois anos, mas vai exigir disciplina e um pouco de sorte. Talvez fosse mais fácil deixar para 2017.
É uma meta muito ambiciosa. Dá para chegar a esse resultado em dois anos, mas vai exigir disciplina e um pouco de sorte. Talvez fosse mais fácil deixar para 2017.
O problema é que a inflação está acima da
meta há bastante tempo, as contas públicas se deterioraram e o país ameaça
perder a classificação de risco. Se o governo tivesse mais credibilidade,
poderia ser mais gradual.
Raquel
Landim
Folha
de São Paulo
Entrevista
concedida em 28.06.15
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