Opinião
Olhar a AfD
nos olhos e chamá-la pelo nome: Merkel não soube fazer isso. Schulz, aquele que
foi declarado politicamente morto, fez, constata o jornalista Jens Thurau.
Lá está ela, a chanceler federal, neste dia cheio de emoções no
Bundestag. E fala, como sempre, de forma calma e objetiva. O plenário está em
silêncio, um silêncio que chama a atenção. Afinal, todas as emoções e desvarios
destes dias miram a chanceler, ou melhor, a sua política migratória. No início
do debate, o partido populista Alternativa para a Alemanha (AfD)
pintara um quadro da Alemanha que parece mais ou menos com o seguinte: o
medo toma conta das ruas do país, e estrangeiros cometem quase diariamente atos
violentos contra alemães, incluindo assassinato.
O deputado social-democrata Martin Schulz não consegue se conter
diante dessa descrição de uma país à beira do precipício e responde de forma
altamente emotiva. Schulz, o antigo candidato a chanceler federal, o adversário
de Merkel na eleição do ano passado, aquele de quem os alemães, no final, não
sabiam mais o que ele pensava e queria, aquele
que foi aniquilado politicamente.
Esse mesmo Schulz levanta o punho, olha com raiva para as fileiras da
AfD e fala de "meios do fascismo". Fala que, certo tempo atrás,
também foi assim: um grupo social, também uma minoria, é responsabilizada por
todo o mal. E quando Schulz diz isso, com todas as letras, deputados se
levantam para aplaudir freneticamente – de A Esquerda, do Partido Verde e
do SPD. Há um clima de República de Weimar no ar.
E, aí, Merkel: no silêncio do Parlamento, ela diz uma daquelas típicas
frases merkelianas: "A maioria das pessoas na Alemanha vive e trabalha em
prol de uma convivência boa e tolerante, disso eu estou plenamente
convencida." Pode ser. É até muito provável. É também quase a única chance
de Merkel: torcer para que a maioria silenciosa sinta repugnância diante do
debate histérico sobre os acontecimentos de Chemnitz, Köthen e, antes, em
outros lugares, das marchas de extremistas de direita e adoradores de Hitler,
que perseguem estrangeiros e atacam restaurantes judaicos.
A pergunta é se isso basta. Se essa mulher objetiva de nervos de aço
ainda consegue dar, às pessoas, a sensação de que pode acalmar os ânimos e
devolver o país a uma direção decente. Por que a impressão que se tem é que a
chanceler federal descreve um país e uma sociedade de oito anos atrás.
Mas o debate sobre a política migratória é muito mais do que isso: é
um debate sobre os rumos gerais da nação, sobre se leis e divisão de poder
ainda funcionam. E, se funcionam, se o Estado – a polícia, os juízes, as
autoridades, os assistentes sociais – ainda conseguem impor a visão da maioria
silenciosa.
As imagens de nazistas perseguindo estrangeiros já são ruins o
suficiente. Mas os políticos não as condenam de forma enfática. O governador da
Saxônia contradiz Merkel quando ela fala em perseguições. O ministro do
Interior de Merkel, na verdade, também. E o presidetne do serviço secreto
interno vai além de suas atribuições e também questiona se, em Chemnitz, de
fato houve perseguições de estrangeiros. Merkel reitera sua posição de que sim,
houve. Mas diz isso no tom de quem anuncia novas regras para a construção
civil.
E assim fica a impressão de que a maioria silenciosa da sensatez, do
comedimento e do equilíbrio precise de uma sacudida. Merkel não consegue mais
fazer isso. Schulz ao menos tentou: foi emotivo, claro e direto ao ponto.
Talvez haja, no discurso dele, um consolo para os social-democratas,
tão fortemente abalados, quando transparece que o seu antigo presidente e
candidato a chanceler federal não faria má figura no comando do país – Schulz,
afinal, parece ter uma clara intuição de quando é chegada a hora de chamar as
coisas pelo nome, e de forma clara e audível.
DW-Deutsche
Welle
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