Míriam
Leitão
Crise
argentina expõe dilema ao Brasil: quem promete ajuste rápido pode não
conseguir, quem promete corte gradual pode não ter tempo
A crise da Argentina cria para nós um dilema. O presidente Maurício
Macri assumiu afirmando que consertaria a difícil herança que recebera e faria
isso gradualmente. Não teve tempo. Agora seu governo está contra a parede e ele
tenta dobrar a aposta e correr com o ajuste que talvez não tenha como fazer. O
próximo governo, seja qual for, receberá a herança de um país com grave
desequilíbrio fiscal. Quem promete o ajuste imediato pode não conseguir, quem
promete fazê-lo gradualmente pode não ter tempo.
Existem diferenças que nos favorecem na comparação entre os dois
países. O Brasil tem alta reserva cambial, acumulada principalmente nos
governos do PT. O país está com inflação e juros baixos alcançados na
administração Michel Temer. Com esses três elementos — reservas, inflação e
juros — nos distanciamos da crise argentina. Existe uma semelhança que nos
ameaça, o déficit público criado pelo governo Dilma Rousseff ainda não foi
vencido e continua alto.
Macri recebeu de herança um país com inflação alta, preços públicos
reprimidos que, para corrigir, levariam a outro choque de preços, e déficit
primário. Uma das suas primeiras medidas foi suspender os impostos sobre
exportações que pesavam fortemente no agronegócio, principalmente o de soja. As
retenciones foram reduzidas, porque ele havia prometido na campanha e porque é
um imposto que aumenta o desajuste da economia. O tributo fazia o país perder
competitividade e isso derrubava exportações, agravando a crise. Macri eliminou
o imposto como um gesto antigoverno Cristina Kirchner. Só que esta semana, no
seu pacote para aumentar receitas, voltou com o imposto.
A Argentina tem extrema fragilidade externa: pouca reserva e dívida
dolarizada. Segundo relatório do banco brasileiro Itaú Unibanco, que tem
operações na Argentina, 90% da dívida pública líquida do país é dolarizada.
Isso significa que quando o dólar sobe — e ele já subiu 100% este ano, de 19
para 38 pesos — a dívida cresce e o rombo do país aumenta. A desvalorização
atinge diretamente o custo do endividamento. A dívida brasileira é
majoritariamente em moeda local. Aqui, se a desvalorização for forte pode
provocar inflação, mas o fato de ela estar na meta reduz os riscos.
O Brasil ainda não sabe como resolver o problema fiscal. Os programas
dos candidatos prometem equilíbrio em um ano (Bolsonaro), ou dois anos
(Alckmin, Marina e Ciro), mas ainda não está claro como conseguirão. Ciro fala
em aumento de vários impostos. O programa do PT não marca data, diz que será
gradualmente e conta com uma reversão do baixo crescimento para ajudar na
recuperação das receitas. O que o caso da Argentina mostra é que o gradualismo
pode não dar certo. E que o bom humor em relação a um novo governo pode não
durar. Em 2017, a bolsa argentina teve uma das três maiores altas do mundo.
Subiu 72%. Este ano ficará entre as três piores, em dólar, queda de 53%,
segundo o banco UBS.
O ajuste do novo governo brasileiro terá sim que ter data e parecer
crível. O nosso risco não é o cambial que ameaça o vizinho, mas sim a dívida
pública que subiu fortemente a partir de 2014 e continua sendo alimentada pelo
déficit primário que em 2019 estará no seu sexto ano.
É comum falar no impacto da Argentina na exportação e na produção
industrial brasileiras. Mas isso é apenas parte do problema. Uma instabilidade
lá reflete aqui se há canais de transmissão, como os que o Brasil tem, déficit
primário alto e persistente, dívida pública crescente e uma enorme incerteza
eleitoral. Por isso, o real continuará na gangorra quando a volatilidade bater
do lado de lá da fronteira.
Se olharmos no espelho, não vamos ver em nós a mesma situação da
Argentina, mas em vários pontos o semblante será o mesmo. Se não tomarmos
cuidado vamos repetir o destino de imitá-los nos erros. O Congresso brasileiro
tem uma série de pautas-bomba engatilhadas, o Judiciário aumentou seus próprios
salários e agora pode, só para não parecer incoerente, derrubar a MP que adia o
reajuste dos servidores. Não faz sentido um país com um enorme déficit
primário, com um orçamento que terá parte das despesas cobertas por crédito
extraordinário a ser pedido pela pessoa que for eleita este ano, aumentar os
salários do funcionalismo. A Argentina está cheia de alertas sobre o que não
fazer. A decisão será nossa.
O
Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário