Antía Castedo
Em 2010, a jornalista americana
Lenora Chu foi viver em Xangai, a maior cidade da China, com seu marido e seu
filho pequeno. No mesmo ano, Xangai ocupou a primeira posição no exame de educação internacional
Pisa, que mede o desempenho de alunos de 15 anos em matemática, leitura e
ciências. Os resultados surpreenderam os especialistas. Era a primeira vez que
a China participava da avaliação.
Para
efeitos comprativos, na avaliação mais recente do Pisa, em 2015, o Brasil ficou
na 63ª colocação em ciências, na 59ª em leitura e na 65ª em matemática, entre
70 países.
Nascida
nos Estados Unidos de pais chineses, Lenora Chu e seu marido tomaram, então,
uma decisão pouco comum: matricular o filho de três anos em um jardim de
infância público chinês, o que lhes deu uma oportunidade única de observar um
dos sistemas educacionais mais isolados do mundo - e que tem despertado um
interesse crescente por causa dos bons resultados.
"É
uma escola de elite em uma área abastada de Xangai, mas ao mesmo tempo é para
onde a China quer que sua educação aponte. Por isso, acabou sendo o lugar
perfeito para observar a direção que o país pretende tomar", disse Chu à
BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, por telefone.
A partir
dessa experiência e de uma pesquisa durante os anos seguintes, Chu escreveu o
livro Little soldiers: An American boy, a Chinese school and the global
race to achieve ("Pequenos soldados: Um garoto americano, uma escola
chinesa e a corrida global em busca do sucesso", em tradução livre).
Nele,
Chu conta sobre os conflitos que teve com professores e administradores da
escola, quando começou a perceber coisas de que não gostava - por exemplo,
quando um professor obrigou o garoto a comer ovos, que ele odiava.
"Comecei
a perceber que ali talvez houvesse algo além de simplesmente ter as melhores
escolas do mundo", disse.
Mas
depois de reclamar nos primeiros meses e dizer que não queria ir para a escola,
seu filho começou a esperar pacientemente sua vez nas filas e a fazer pequenas
tarefas domésticas.
Chu
começou a tentar obter acesso às aulas na escola de seu filho e em outras, algo
muito difícil em um país onde há grande desconfiança em relação aos
jornalistas.
"Fui
a jardins de infância e a escolas primárias muito normais. Vi coisas muito
chocantes, mas também positivas."
Ela foi
surpreendida pelo fomento, desde muito cedo, de valores como obediência e
disciplina com métodos que, em países ocidentais, poderiam ser considerados
questionáveis.
"Em
uma das creches havia um menino de que nunca me esquecerei. Era mais alto que o
resto das crianças de três anos e se metia em problemas todo o tempo",
relembra.
"Os
professores o ameaçavam: 'se você não se sentar, sua mãe não virá buscar você';
'se não terminar a comida, vai ficar sozinho no corredor'. Eu fiquei chocada e
pensei: 'Isso está acontecendo com meu filho!'."
Isso é
próprio da educação tradicional chinesa, muito baseada na hierarquia, mas Chu
diz que, cada vez mais, essa cultura autoritária entra em conflito com as
opiniões dos jovens e com a China moderna, de cidades como Pequim e Xangai.
Um sistema educacional de
competitividade extrema
Outra
das coisas que lhe chamou a atenção foi o elevadíssimo nível de
competitividade, inclusive entre as crianças menores. Ela acredita que isso
acontece, em grande parte, por causa do sistema de avaliações ao qual os
estudantes são submetidos.
"Se
nascem cerca de 18 milhões de crianças por ano, (o sistema educacional) perde
aproximadamente a metade delas no teste para entrar no instituto acadêmico
normal em todo o país. Na prova para entrar na universidade, perde-se outro
terço."
"Tenho
certeza que não é assim na Espanha, nos Estados Unidos ou no Reino Unido, onde
há mais opções para as crianças que não podem se manter dentro do sistema
educacional público normal. Mas é assim na China, e é por isso que as pessoas
ficam tão estressadas", afirma.
Como
parte desse ambiente de pressão, espera-se geralmente que os pais tenham um
papel muito ativo em tudo o que diz respeito à educação dos filhos.
Isso
inclui a obrigação de assinar o livro de tarefas todos os dias, para que o
professor veja que os pais sabem o que os filhos estão fazendo. Ou receber
centenas de mensagens por dia em grupos de pais e professores no celular.
"Se
eu largar meu telefone para fazer algo, uma hora depois tenho entre 50 e 100
mensagens, todas demonstrando respeito ao professor", diz Chu.
"O
professor escreve para dizer que é preciso levar determinados livros no dia
seguinte, e todo mundo responde: 'Recebido, professor! Você é tão maravilhoso,
obrigada pelo trabalho duro'. E se você não responde assim, fica achando que o
professor percebe. Há muita pressão para mostrar presença e responder."
Em
algumas escolas de Xangai, segundo a jornalista, os pais foram proibidos de
responder às mensagens dos professores, para diminuir um pouco a pressão.
Corrupção com presentes aos
professores
Outra
coisa que lhe chamou a atenção foi o costume generalizado de dar presentes aos
professores, algo que, algumas vezes, pode ser interpretado como tentativa de
suborno.
"Em
2014, o ministério aprovou uma política para proibir os professores de aceitar
presentes e de dar aulas de reforço a seus estudantes fora do horário de aulas.
Isso era basicamente uma medida anticorrupção, e acho que foi muito
eficiente", afirma.
"Eu
não gosto de chamar isso de suborno ou de corrupção, mas na cultura chinesa é
comum presentear as pessoas que são importantes na sua vida, e isso inclui os
professores."
Para
Chu, isso pode "facilmente cruzar a linha e se transformar em algo como
'te deu tanto dinheiro, te dei uma bolsa, será que meu filho pode sentar em um
lugar melhor na sala de aula?'. Isso acontece muito aqui no sistema. Tentaram
diminuir, e acho que melhorou".
Valor do trabalho duro x crença no
talento
O livro
da jornalista americana também tenta explicar a educação no país com nuances e
de forma equilibrada, diz ela, mais além da visão polarizada que geralmente
prevalece nos países ocidentais.
Seu
filho, por exemplo, aprendeu a importância da disciplina e a relação entre o
esforço e os resultados que obtém.
"Acho
que nos Estados Unidos e nas sociedades ocidentais - e isso está baseado em
estudos que eu cito no livro - tendemos a acreditar mais no talento quando se
trata de capacidades acadêmicas", afirma.
"Falei
com inúmeras pessoas que me disseram: 'Ah, Johnny não tem talento para
matemática, mas tudo bem, porque eu também não era bom nisso'. Mas os chineses
vão dizer: 'ele consegue, basta se esforçar o suficiente'."
Para a
americana, isso tem valor, porque aprender que "nada é fácil" é
também uma lição importante para a vida.
Depois
de cerca de 150 entrevistas com especialistas, professores de todos os níveis
do sistema educacional e até com o responsável pelo currículo de matemática da
China, Chu chegou à conclusão de que os sistema do país "prepara bem os
chineses para a sociedade chinesa" - o que faz com que ele não possa ser
aplicável diretamente a outras sociedades.
"Percebemos
que a educação é uma atividade cultural, e eu nunca havia pensado nisso desta
maneira."
Mesmo
incomodada com elementos da experiência da educação chinesa, ela diz valorizar
o fato de que seus filhos (ela teve um segundo, Landon, depois de Rainey),
"têm um nível de matemática superior aos das crianças de sua idade nos
Estados Unidos" e falam tanto inglês como chinês.
Críticas
Apesar
do sucesso do método de Xangai, especialistas em educação afirmam que ele, ao
privilegiar o cálculo e a memorização, deixa de lado a criatividade, a análise
e a capacidade de expressão.
Além
disso, o grande número de horas de estudo limita o tempo livre das crianças, o
que pode prejudicar o desenvolvimento saudável de suas habilidades sociais e de
sua personalidade.
Sendo
assim, ainda que sejam bons em cálculo e na memorização de conteúdos, os
estudantes acabam tendo dificuldade para se expressar, comunicar suas ideias e
raciocinar em equipe, ressalvam os críticos.
BBC-Brasil
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