sábado, 22 de setembro de 2018

O médico que ajudou uma cidade americana a combater crimes tratando violência como doença

Thomas Mackintosh

É possível reduzir a criminalidade combatendo a violência como uma doença infecciosa?

Londres anunciou que vai seguir a abordagem de saúde pública da Escócia para ajudar a diminuir os índices de crimes violentos.

Mas a ideia de tratar o crime como uma doença não é nova. A proposta teve origem há mais de duas décadas nas ruas de Chicago, nos Estados Unidos - e suas raízes estão na luta contra a Aids na África.

A capital inglesa já testemunhou 100 homicídios neste ano, após uma onda de violência marcada principalmente por crimes com faca.
O prefeito de Londres, Sadiq Khan, está sendo pressionado a tomar uma atitude, enquanto antigos debates sobre o poder da polícia para parar e revistar pessoas foram retomados.
A chefe da Polícia Metropolitana, Cressida Dick, admite, por sua vez, que seus policiais estão "no limite".

É uma situação que se assemelha à de Chicago há 20 anos.
O médico Gary Slutkin, epidemiologista da Organização Mundial da Saúde (OMS), voltou para a cidade americana em meados da década de 1990, após passar anos lutando contra doenças infecciosas na Ásia e na África.
Em Uganda, ele havia combatido a propagação da Aids com algum sucesso. E precisava de uma pausa após testemunhar tanta morte e miséria.
Mas quando voltou para sua terra natal, ficou chocado ao se deparar com um cenário de violência e mortes.
"Eu vi toda aquela violência acontecendo nos EUA e, como passei tanto tempo fora, não fazia ideia. Eu achava que os EUA não tinham problemas", disse.

"Quando cheguei, vi nos jornais e na TV que havia garotos de 14 anos atirando na cabeça de meninos de 13 anos. Se matando. Eram garotos atirando uns nos outros. Como assim?"
Entre 1994 e 1999, 4.663 pessoas foram assassinadas em Chicago. Para efeito de comparação, Los Angeles - que tinha uma população significativamente maior - registrou 3.380 homicídios.
Intrigado, Slutkin começou a investigar. E, ao analisar os dados, notou uma série de semelhanças entre a violência em Chicago e as epidemias que passou anos tentando curar.
Ele percebeu que os incidentes violentos estavam ocorrendo em lugares específicos de certas regiões e em determinados momentos.
Além disso, a violência parecia estar se multiplicando, como uma doença infecciosa. Um incidente violento levava a outro e, em seguida, a outro, e assim por diante.

Definitivamente, a violência estava aumentando rápido, de forma muito semelhante a uma onda epidêmica.
Como epidemiologista, ele precisava identificar três fatores antes de classificar uma doença como contagiosa; aglomeração, autorreplicação e ondas epidêmicas.

Slutkin concluiu que Chicago estava de fato enfrentando uma epidemia tão grave quanto a que havia testemunhado em Uganda.
E decidiu tratar o problema da mesma maneira.
Para isso, obteve financiamento de uma universidade local e criou o Cure Violence (cura a violência, em português) - um projeto dedicado ao uso de métodos de saúde pública para combater crimes violentos.
Assim como na luta contra a Aids, a primeira regra era que a violência não deveria ser tratada como "um problema de pessoas ruins". Em vez disso, seria abordada como uma doença contagiosa que infectava as pessoas.
Isso significava prevenir a violência antes que eclodisse, e mitigá-la, uma vez que se instalasse.

Em Uganda, Slutkin e seus colegas aprenderam que as pessoas só ouviam conselhos sobre sexo seguro se viessem de alguém em situação análoga à delas.
"Usamos pessoas da mesma comunidade", disse o médico.
"Homens gays para atingir homossexuais, prostitutas para falar com profissionais do sexo."
Em Chicago, ele adotou uma abordagem parecida. Recrutou ex-membros de gangues para educar os atuais integrantes, intervir em disputas e, com sorte, evitar a violência na sua origem.
Os resultados foram instantâneos; a criminalidade foi reduzida significativamente na área piloto, West Garfield. Em pouco tempo, o projeto estava sendo colocado em prática em outras regiões problemáticas da cidade.

O sucesso se deve à atuação dos ex-membros das gangues, conhecidos como Violence Interrupters ("Interruptores de Violência", em tradução livre).
Empregados como um elo entre a aplicação da lei e as gangues, eles usaram seus contatos na comunidade para identificar situações e indivíduos de alto risco e, na sequência, intervir em disputas antes que se transformassem em violência.
Angalia Bianca foi integrante da gangue Latin Kings por mais de 30 anos, antes de se tornar uma "interruptora de violência" há sete anos.
"Na maioria das situações, o negócio é ganhar tempo, tentar acalmar as pessoas e dissuadi-las de fazer algo de que vão se arrepender", diz ela.
"Esses caras não vão ouvir a polícia, mas nós temos uma reputação e credibilidade nas ruas."

"A gente costumava viver nas ruas, em brigas de gangue, cometendo crimes. Nós falamos a língua deles".
O impacto dessa abordagem de envolver a comunidade é significativo.
Desde o início do projeto, os tiroteios caíram em até 40% nas áreas em que os "interruptores de violência" atuaram. Outras cidades nos Estados Unidos seguiram o exemplo, principalmente Los Angeles, Nova York e Baltimore.
Na Escócia, Glasgow adotou o método - incorporando-o a uma estratégia mais ampla de saúde pública, que envolve educação, saúde e serviços sociais.

A taxa de homicídios da cidade foi reduzida em mais da metade entre 2004 e 2017.
O sucesso da Unidade de Redução da Violência da Escócia, que recebeu £7,6 milhões (cerca de R$40 milhões) de financiamento do governo escocês entre 2008 e 2016, chamou a atenção do prefeito de Londres.
No entanto, a estratégia também esbarra em obstáculos.
Em Chicago, os recursos financeiros têm sido um problema permanente.
Em 2015, o projeto Cure Violence enfrentou o primeiro de dois anos sem receber o orçamento completo do Estado, devido a um impasse entre o governador Bruce Rauner e o presidente da Câmara de Illinois, Mike Madigan.

Slutkin acredita que isso resultou em vidas perdidas.
"Escrevemos uma carta e dissemos que isso seria um desastre, em outras palavras, previmos isso."
"Perdemos trabalhadores em 13 comunidades", explica.
No ano seguinte, 771 pessoas foram mortas em Chicago - o ano mais mortífero da cidade em quase duas décadas. Em 2017, depois que a equipe do Cure Violence recuperou seu financiamento, houve um declínio de 16% no número de assassinatos.
No ano passado, Londres teve sua própria onda de mortes violentas.
A abordagem de saúde pública de Slutkin parece ser um catalisador para o prefeito de Londres diagnosticar a violência da capital como uma "doença".
No entanto, há uma diferença de grandeza significativa.

Neste ano, a Cure Violence recebeu financiamento de US$ 5,4 milhões (£4,1 milhões e R$22 milhões) em Chicago e US$ 17,2 milhões (£ 13 milhões e R$70 milhões) em Nova York.
Já Sadiq Khan destinou apenas £ 500 mil (cerca de R$2 milhões) para o projeto em Londres, valor considerado uma "piada" pelo criminologista Anthony Gunter.
Ele acha que o prefeito está sendo "lento" para reagir à questão da violência em Londres. É fã da abordagem de Chicago, embora ressalte que a taxa de homicídios da cidade continua alta.

"O diabo mora nos detalhes e, neste estágio, não há muitos detalhes", diz ele sobre o anúncio de Khan.
"É necessário uma abordagem multidisciplinar e que todos trabalhem juntos. Sadiq Khan vai precisar trabalhar com o (ministro do Interior) Sajid Javid."
Para algumas comunidades em Londres, Chicago e Glasgow, a violência faz parte da vida cotidiana. Está presente em questões sociais mais amplas, como desemprego, educação, famílias desestruturadas e drogas.
Se o fato de Khan diagnosticar a violência como uma doença vai fazer a diferença, ainda não sabemos.

Uma pessoa que está feliz com o anúncio, no entanto, é Sarah Jones, que faz campanha pela abordagem da saúde pública desde que foi eleita deputada trabalhista de Croydon Central em 2017.
Ela acredita que "interruptores de violência" podem ser a chave para deter o crime com facas em algumas áreas de Londres.
"Há pequenos grupos em Londres que cumprem um papel semelhante, mas precisamos ter mais gente que seja respeitada e tenha a confiança dessas comunidades", diz ela.

"Ter alguém para intervir no momento em que eles estão pensando em agir com violência pode fazer uma diferença enorme."
"A Unidade de Redução da Violência é um passo na direção certa, mas precisa do compromisso de todos no longo prazo", finaliza.

BBC News


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