sábado, 1 de setembro de 2018

Crédito está estagnado à espera das eleições

Claudia Safatle

Expansão da oferta de crédito é crucial para o crescimento

O crédito, no Brasil, é caro, escasso e sua alocação é de eficiência duvidosa. A inadimplência é alta, e a recuperação, irrisória. A expansão do crédito é crucial para o crescimento econômico e para gerar ganhos de produtividade que vão alimentar o nivel da atividade.

Nas últimas décadas o mercado de crédito, no Brasil, passou por duas experiências marcantes. Uma, de mudanças institucionais, a exemplo da lei de falências, que foi bem-sucedida e deu impulso ao mercado. A outra foi pautada por intervenções diretas do governo, mediante o uso dos bancos públicos para a redução do "spread" bancário, e fracassou.

O momento é propício para mudanças. As distorções do passado recente estão sendo corrigidas. O crédito direcionado, que cresceu e praticamente empatou com o crédito livre, está em queda, assim como encolhe a expansão do crédito concedido pelos bancos públicos. O governo passado induziu os bancos federais a reduzir o "spread" bancário (que representa a diferença entre a taxa de captação e a de aplicação dos bancos), na esperança, vã, de que as instituições privadas os seguissem.

De 2003 a 2015 houve um salto na oferta de crédito, primeiramente embalado pelo consignado. O saldo aumentou de 24% do PIB para 53,7% do PIB no período, que foi seguido de uma retração, durante a recessão, que reduziu a proporção para 46,4% do PIB, segundo os últimos dados do Banco Central relativos a julho.

O mercado de crédito, hoje, está estagnado à espera de uma definição sobre o quadro eleitoral, que vai ditar os rumos da economia nos próximos anos. Até agora, dois candidatos à Presidência da República anteciparam propostas concretas. O vice na chapa do PT, Fernando Haddad, disse que vai tributar os bancos na proporção do "spread" cobrado do tomador de crédito. Ciro Gomes, do PDT, anunciou que pretende tirar 63 milhões de pessoas do SPC mediante a renegociação das dívidas. Os demais candidatos mencionam de forma genérica a necessidade de expandir o crédito para que a economia possa voltar a crescer.

Ana Carla Abrão, da Oliver Wyman, doutora em microeconomia bancária, elaborou estudo sobre crédito - um dos temas da série Panorama Brasil, que ela coordena e que faz um diagnóstico de questões ligadas ao desenvolvimento do país.

A economista fez uma abordagem detalhada da situação, tal como descrito acima. Como ponto de partida ela identifica causalidade entre o tamanho e a profundidade do mercado de crédito e o crescimento da economia.

Não há, segundo Ana Carla, uma "bala de prata" para corrigir as várias disfuncionalidades e ineficiências que afetam a política de crédito no país. Há, sim, uma vasta agenda de mudanças microeconômicas a ser empreendida para aumentar a segurança jurídica e diminuir a assimetria de informações com potencial para reduzir os preços e aumentar o volume de crédito.

" No Brasil, as regras geram um crédito caro e estimulam a má alocação", diz ela.

A inadimplência, no país, é de 3,9% do total do crédito concedido. Mais alta do que no México (2,3%), na Argentina, no Chile (1,8%) e no Reino Unido (0,9%), diz o estudo.

A recuperação do crédito é baixa e demorada. De cada R$ 1,00 de inadimplência, os bancos conseguem recuperar R$ 0,13 após 4 anos. Nos países da OC DE essa proporção é de 0,71 para cada unidade em 1,7 ano. Na América Latina é de 0,31 em 2,9 anos. Com a lei de falência, a recuperação de crédito no Brasil chegou a 0,25 por unidade. Os juízes, porém, afrouxaram a aplicação da lei, e a recuperação caiu.

Dentre as propostas do documento, consta o desenvolvimento de plataformas de compartilhamento de dados (implantação do "open banking"). Outra sugestão é aumentar o crédito livre e reduzir o direcionado. Hoje a faixa livre representa 24,52% do PIB, e a direcionada, que chegou a 26,39% do PIB em 2015, caiu para 22,25% do PIB em julho.

O estudo defende a aprovação do novo projeto de cadastro positivo, como instrumento de redução do custo do dinheiro para os bons pagadores. Sugere, ainda, a diminuição dos depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central, que no Brasil é maior do que no resto do mundo. Embora se saiba que a preferência do Banco Central é por reduzir a taxa de juros quando há oportunidade.

Peso relevante é atribuído à educação financeira dos tomadores de crédito. Os indicadores nessa área são alarmantes. Cerca de 99,4% da população brasileira desconhece o conceito de juro composto, taxa que incide sobre os financiamentos.

Levantamento feito pelo SPC e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) mostra que 47% dos inadimplentes pouco ou nada sabem sobre a sua renda disponível para o próximo mês e 42% desconhecem o valor das contas básicas do mês.

A pesquisa mostra, ainda, que 48% dos inadimplentes não sabem em quantas prestações dividiram suas compras e 47% não se lembram do que foi adquirido no cartão de crédito. Esse é um quadro que demanda educação e planejamento financeiro das pessoas bancarizadas.

Há iniciativas, como as descritas no documento, para melhorar a segurança jurídica dos contratos, a exemplo da lei do distrato na área imobiliária - que foi aprovada pela Câmara em junho e rejeitada em julho pelo Senado. A proposta que amplia e aperfeiçoa a legislação do cadastro positivo está em discussão no Congresso, e o projeto de lei que altera o sistema de garantias foi aprovado, mas ainda não está em operação.

A proposta do PT de aprovar tributação progressiva sobre o "spread" bancário é um contrassenso, na medida em que os impostos são parte relevante da composição do "spread". Ou seja, o custo da tributação vai ser repassado para o tomador final, que o programa do PT quer proteger. A ideia de Ciro Gomes, de tirar 63 milhões de brasileiros do SPC para que voltem a tomar crédito para aquecer o consumo, pura e simplesmente, traz o risco de retorná-los ao SPC.

O melhor é tratar esse assunto levando em conta sua complexidade.

Valor Econômico


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