Claudia Safatle
Expansão da oferta de crédito é
crucial para o crescimento
O
crédito, no Brasil, é caro, escasso e sua alocação é de eficiência duvidosa. A
inadimplência é alta, e a recuperação, irrisória. A expansão do crédito é
crucial para o crescimento econômico e para gerar ganhos de produtividade que
vão alimentar o nivel da atividade.
Nas
últimas décadas o mercado de crédito, no Brasil, passou por duas experiências
marcantes. Uma, de mudanças institucionais, a exemplo da lei de falências, que
foi bem-sucedida e deu impulso ao mercado. A outra foi pautada por intervenções
diretas do governo, mediante o uso dos bancos públicos para a redução do
"spread" bancário, e fracassou.
O
momento é propício para mudanças. As distorções do passado recente estão sendo
corrigidas. O crédito direcionado, que cresceu e praticamente empatou com o
crédito livre, está em queda, assim como encolhe a expansão do crédito
concedido pelos bancos públicos. O governo passado induziu os bancos federais a
reduzir o "spread" bancário (que representa a diferença entre a taxa
de captação e a de aplicação dos bancos), na esperança, vã, de que as
instituições privadas os seguissem.
De 2003
a 2015 houve um salto na oferta de crédito, primeiramente embalado pelo
consignado. O saldo aumentou de 24% do PIB para 53,7% do PIB no período, que
foi seguido de uma retração, durante a recessão, que reduziu a proporção para
46,4% do PIB, segundo os últimos dados do Banco Central relativos a julho.
O
mercado de crédito, hoje, está estagnado à espera de uma definição sobre o
quadro eleitoral, que vai ditar os rumos da economia nos próximos anos. Até
agora, dois candidatos à Presidência da República anteciparam propostas
concretas. O vice na chapa do PT, Fernando Haddad, disse que vai tributar os
bancos na proporção do "spread" cobrado do tomador de crédito. Ciro
Gomes, do PDT, anunciou que pretende tirar 63 milhões de pessoas do SPC
mediante a renegociação das dívidas. Os demais candidatos mencionam de forma
genérica a necessidade de expandir o crédito para que a economia possa voltar a
crescer.
Ana
Carla Abrão, da Oliver Wyman, doutora em microeconomia bancária, elaborou
estudo sobre crédito - um dos temas da série Panorama Brasil, que ela coordena
e que faz um diagnóstico de questões ligadas ao desenvolvimento do país.
A
economista fez uma abordagem detalhada da situação, tal como descrito acima.
Como ponto de partida ela identifica causalidade entre o tamanho e a
profundidade do mercado de crédito e o crescimento da economia.
Não há,
segundo Ana Carla, uma "bala de prata" para corrigir as várias
disfuncionalidades e ineficiências que afetam a política de crédito no país.
Há, sim, uma vasta agenda de mudanças microeconômicas a ser empreendida para
aumentar a segurança jurídica e diminuir a assimetria de informações com
potencial para reduzir os preços e aumentar o volume de crédito.
"
No Brasil, as regras geram um crédito caro e estimulam a má alocação", diz
ela.
A
inadimplência, no país, é de 3,9% do total do crédito concedido. Mais alta do
que no México (2,3%), na Argentina, no Chile (1,8%) e no Reino Unido (0,9%),
diz o estudo.
A
recuperação do crédito é baixa e demorada. De cada R$ 1,00 de inadimplência, os
bancos conseguem recuperar R$ 0,13 após 4 anos. Nos países da OC DE essa
proporção é de 0,71 para cada unidade em 1,7 ano. Na América Latina é de 0,31
em 2,9 anos. Com a lei de falência, a recuperação de crédito no Brasil chegou a
0,25 por unidade. Os juízes, porém, afrouxaram a aplicação da lei, e a
recuperação caiu.
Dentre
as propostas do documento, consta o desenvolvimento de plataformas de
compartilhamento de dados (implantação do "open banking"). Outra
sugestão é aumentar o crédito livre e reduzir o direcionado. Hoje a faixa livre
representa 24,52% do PIB, e a direcionada, que chegou a 26,39% do PIB em 2015,
caiu para 22,25% do PIB em julho.
O estudo
defende a aprovação do novo projeto de cadastro positivo, como instrumento de
redução do custo do dinheiro para os bons pagadores. Sugere, ainda, a
diminuição dos depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central, que no
Brasil é maior do que no resto do mundo. Embora se saiba que a preferência do
Banco Central é por reduzir a taxa de juros quando há oportunidade.
Peso
relevante é atribuído à educação financeira dos tomadores de crédito. Os
indicadores nessa área são alarmantes. Cerca de 99,4% da população brasileira
desconhece o conceito de juro composto, taxa que incide sobre os
financiamentos.
Levantamento
feito pelo SPC e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL)
mostra que 47% dos inadimplentes pouco ou nada sabem sobre a sua renda
disponível para o próximo mês e 42% desconhecem o valor das contas básicas do
mês.
A
pesquisa mostra, ainda, que 48% dos inadimplentes não sabem em quantas
prestações dividiram suas compras e 47% não se lembram do que foi adquirido no
cartão de crédito. Esse é um quadro que demanda educação e planejamento
financeiro das pessoas bancarizadas.
Há
iniciativas, como as descritas no documento, para melhorar a segurança jurídica
dos contratos, a exemplo da lei do distrato na área imobiliária - que foi
aprovada pela Câmara em junho e rejeitada em julho pelo Senado. A proposta que
amplia e aperfeiçoa a legislação do cadastro positivo está em discussão no
Congresso, e o projeto de lei que altera o sistema de garantias foi aprovado,
mas ainda não está em operação.
A
proposta do PT de aprovar tributação progressiva sobre o "spread"
bancário é um contrassenso, na medida em que os impostos são parte relevante da
composição do "spread". Ou seja, o custo da tributação vai ser
repassado para o tomador final, que o programa do PT quer proteger. A ideia de
Ciro Gomes, de tirar 63 milhões de brasileiros do SPC para que voltem a tomar
crédito para aquecer o consumo, pura e simplesmente, traz o risco de
retorná-los ao SPC.
O melhor
é tratar esse assunto levando em conta sua complexidade.
Valor
Econômico
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