Everardo
Maciel
Dizer que a
isenção na distribuição dos resultados constitui privilégio dos acionistas é
ignorância ou má-fé, pois eles já foram tributados nos lucros
Veiculou-se que há consenso entre os candidatos a presidente quanto à
tributação dos dividendos, ainda que apenas alguns deles defendam essa tese. O
tema é interessante porque encerra alguns questionamentos. Por que os capitalistas
são isentos e os trabalhadores são descontados na fonte? Por que só o Brasil e
a Estônia concedem essa isenção? Por que não reduzir a tributação do Imposto de
Renda (IR) das empresas e tributar os dividendos?
A isenção na distribuição de resultados integrou a ampla reforma do
Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) dos anos 90, que de 1996 a 2002
produziu um crescimento real de arrecadação de 117% e aumento de 49,7% de sua
participação no PIB. A reforma, contudo, foi bem recebida pelos contribuintes,
porque o IRPJ se tornou mais racional, seguro e simples.
Na apuração do IRPJ, é certo que a tributação dos salários dos
trabalhadores legitima sua dedução, para prevenir a bitributação. Idêntica
lógica se aplica à dedutibilidade de despesas na aquisição de insumos e na
contratação de serviços. O retorno dos investimentos, por sua vez, será
impactado pela tributação do lucro na empresa e dos resultados distribuídos, em
conjunto ou isoladamente.
Há países que tributam apenas o lucro, como o Brasil e mais duas
dezenas de países; há os que só tributam na distribuição, como a Estônia,
apontada erroneamente como a solitária companhia do modelo brasileiro; e há os
que tributam o lucro e a distribuição, como os EUA e os países da Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Dizer que a isenção na distribuição dos resultados constitui
privilégio dos acionistas é supina ignorância ou má-fé, pois eles já foram
tributados nos lucros. É um disparate equivalente a afirmar que, ao receber
devolução do IR, o trabalhador estaria recebendo subsídios, quando em verdade
ele foi tributado a maior na fonte.
A isenção na distribuição dos resultados, com tributação exclusiva no
lucro, tem muitas vantagens. É mais simples, tanto para o contribuinte quanto para
o Fisco, justamente porque é uma tributação exclusiva na fonte, como aliás
preferem os brasileiros. É neutra em relação aos regimes de tributação das
empresas (lucro real, lucro presumido e Simples). Flexibiliza a alocação de
investimentos, pois propicia ao investidor ampla liberdade de escolha. É menos
vulnerável à evasão fiscal, pois torna sem sentido a distribuição disfarçada de
lucros, fenômeno de difícil controle e presente em muitos países.
Já a tributação dos dividendos é complexa, estimula a distribuição
disfarçada dos lucros, além de ser mitigada por várias hipóteses de
desoneração. Ela só se explica no contexto da extremamente complexa tributação
de renda nos EUA, que só a França consegue rivalizar.
Se a Reforma Trump reduziu a alíquota do IRPJ de 35% para 21%, por que
não fazer o mesmo no Brasil, inclusive introduzindo a tributação de dividendos?
Primeiro, é preciso deixar claro que os contribuintes não pagam
alíquotas, mas impostos. Ainda que óbvio, é indispensável salientar que a base
de cálculo foi severamente alterada, produzindo resultados muito diferenciados
sobre os contribuintes. Por isso, é ainda prematuro avaliar esses efeitos.
É fora de propósito imaginar que a opção por investimentos se deduz da
leitura de alíquotas nominais. Para essa decisão concorre uma miríade de
variáveis, tributárias ou não. A principal condicionante tributária para o
investimento, conquanto não seja a única, é a segurança jurídica. Sem ela, nada
existe.
Admitamos que se proceda à redução da alíquota nominal com consequente
tributação dos dividendos. Se resultar em tributação maior, haverá aumento da
já elevada carga tributária, com inevitável reação dos contribuintes; se menor,
implicará perda de arrecadação num quadro de crise fiscal; se igual, cabe
indagar qual a razão para adotar tal medida se dela resultam maior complexidade
e aumento da carga tributária para 10 milhões de sócios dos 4 milhões de empresas
optantes do Simples e 850 mil do lucro presumido? Há quem não tolere a
simplicidade.
O
Estado de São Paulo
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