MAGDALENA
MARTÍNEZ
General Guido Manini Ríos recebe a
maior sanção possível para um militar por violar a disciplina castrense
consagrada na Constituição
O
general Guido Manini Ríos, comandante máximo do Exército do Uruguai, foi punido
nesta semana com 30 dias de detenção —a maior punição que pode ser imposta a um
militar em decorrência de suas funções— por suas reiteradas declarações contra
a reforma das pensões militares. O Governo do presidente
Tabaré Vázquez tomou essa inédita decisão depois que o
comandante-geral acusou-o indiretamente de mentir ao ministro do Trabalho,
Ernesto Murro, num programa de rádio. Foi a última de uma série de declarações
de Manini Ríos que, segundo o Executivo, violam a disciplina militar prevista
na Constituição.
O
comandante do Exército uruguaio seguirá em seu cargo – o Governo, apesar do
castigo, não retirou sua confiança –, mas, após seu expediente de trabalho terá
de passar seu tempo livre confinado e sem poder receber visitas, provavelmente
em sua residência particular. Também nesta semana, o Governo uruguaio puniu o
chefe do Estado-Maior, o general Marcelo Montaner, depois de que a banda
musical do Exército tocou um hino do Partido Nacional (na oposição) durante um
evento público. A ação, interpretada como um protesto contra a sanção a Ríos,
desembocou em uma punição de três dias de prisão simples para o número dois do
Exército uruguaio.
A
contundência do Governo
de Vázquez (centro-esquerda)surpreendeu num país onde as relações entre o
poder civil e o militar estão normalizadas desde o final da ditadura militar
(1973-1985). Sob a democracia, os maiores choques se deram por conta dos
numerosos casos de desaparecimentos e assassinatos depois do golpe de Estado,
mas a Justiça canalizou a maioria dos conflitos entre o Executivo e o Exército.
Mas a Frente Ampla, partido de Vázquez e do ex-presidente
José Mujica, nunca conseguiu revogar a lei de anistia que poupou os
responsáveis por violações dos direitos humanos durante a ditadura.
A
aprovação no Senado de uma reforma do sistema de pensões militares abriu a
caixa de Pandora e gerou tensão nas relações entre o Governo e os quartéis. Com
uma taxa de natalidade em queda livre (1,7 filho por mulher em 2017) e uma
expectativa de vida de 77 anos – uma das mais altas da América Latina –, o
debate sobre o futuro e a sustentabilidade do sistema previdenciário ganha
força no Uruguai: o déficit do regime geral de pensões chegou a 582 milhões de
dólares (2,37 bilhões de reais) em 2017, e o da caixa militar foi de 550
milhões (2,24 bilhões). A combinação de altas pensões por aposentadoria e
idades precoces de reforma fez os recursos destinados aos 60.000 militares
causarem o mesmo buraco nas contas públicas que os dedicados ao pagamento da
pensão de 700.000 pensionistas civis.
Tanto o
Governo como a oposição cogitam um possível aumento da idade geral de
aposentadoria, de 60 para 65 anos, a fim de garantir um sistema que é cada vez
mais oneroso para os cofres públicos uruguaios. Esta medida, muito impopular,
contrasta com a média de idade de aposentadoria para os militares, que é de 49
anos. As patentes mais altas do Exército recebem até o triplo que o resto dos
aposentados. À espera do voto na Câmara dos Deputados, o mais provável é que a
iniciativa da Frente Ampla seja aprovada.
Consciente
da sensibilidade do caso, a reforma do Governo foi
tímida e só terá resultados visíveis sobre o déficit previdenciário dentro de
uma ou duas décadas, pois mantém a situação atual para a maioria dos militares
e só se aplicará aos que têm atualmente menos de 15 anos de serviço. Mesmo
assim, o senador Jorge Larrañaga, do Partido Nacional (centro-direita),
criticou que “tenha imperado no Governo em relação às Forças Armadas um
conjunto de preconceitos e de estigmas, de ressentimentos. Acho que não é
preciso transitar por estes caminhos onde infelizmente há um rumo de liquidar
as Forças Armadas”. O governismo defende a “justiça social” da reforma em curso
e salienta que os benefícios para os militares foram decretados durante a
ditadura e se mantiveram apesar de todo o regime previdenciário do Uruguai ter
sido alterado em 1997.
EL PAÍS
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