Luis Barrucho
Assim
como o juiz federal Sergio Moro, o ex-promotor italiano Antonio Di Pietro foi
alçado à condição de herói nacional.
Na
Itália dos anos 90, ele colocou atrás das grades políticos e empresários ao
conduzir a operação Mani Pulite ("Mãos Limpas", em português), que
inspirou a brasileira Lava Jato.
Mas sua
atuação também causou polêmica - Di Pietro enfrentou uma série de acusações,
que incluíam desde realizar prisões ilegais até a destruir o sistema de
partidos, passando pela de ser um agente secreto sob ordens da CIA (a agência
de inteligência dos Estados Unidos). Ao fim da operação, ele acabou fundando
seu partido e se tornando político.
Em
conversa com a BBC Brasil, ele comentou a condenação do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e, embora diga que não lhe cabe julgar "o papel e as
atividades" do petista, reforçou que todos "devem obedecer às leis,
mesmo aqueles que têm ou tiveram papéis importantes no país, até Lula".
E sai em
defesa de Moro: na sua visão, o Brasil vê uma tentativa de inversão de posições,
assim como ocorreu na Itália. Ou seja: não culpar os autores dos crimes, mas
quem descobriu as ilegalidades.
Leia abaixo os principais trechos da
entrevista, concedida por email.
BBC Brasil - Moro acaba de condenar o
ex-presidente Lula, um dos políticos mais populares do mundo, à prisão por
lavagem de dinheiro e corrupção. O que o sr. acha que essa decisão representa
para a Justiça do Brasil e para o futuro do país?
Antonio Di Pietro - Não me cabe julgar o papel e
as atividades políticas do ex-presidente. Mas é importante reafirmar que todos
devem obedecer à lei, mesmo aquelas que têm ou tiveram papeis importantes no
país, até Lula.
Aproveito
para reiterar minha total solidariedade com o trabalho do Judiciário brasileiro
(e, no caso, com o juiz Sergio Moro e sua equipe). Ele tem cumprido seu papel e
não é culpa dele ou de outros magistrados se o julgamento desses graves atos de
corrupção tem perturbado o quadro político nacional.
A culpa
recai sobre aqueles que cometeram os crimes. Sendo figuras do primeiro escalão,
como Lula, isso se torna ainda mais grave, pois traíram a confiança dos
cidadãos que votaram neles.
BBC Brasil - A opção pela condenação foi
polêmica, pois críticos dizem que não há evidências de crimes cometidos por
Lula. O sr. acredita que isso poderia diminuir o papel da Justiça no Brasil? Ou
poderia ter o efeito oposto?
Di Pietro - Se Lula foi condenado, isso
significa que o Judiciário concluiu que havia provas suficientes de que ele é
culpado. Como sabemos, existe sempre a possibilidade de que ele apele da
decisão. O que é inaceitável, contudo, é a tentativa - que está acontecendo
agora no Brasil e aconteceu durante a operação Mãos Limpas na Itália - de
inverter posições.
Existe
uma tentativa deliberada de fazer a opinião pública acreditar que a culpa pelo
que aconteceu não é de quem usou sua função pública para conseguir benefícios
pessoais ilegalmente, mas de quem descobriu as ilegalidades cometidas.
Seria
como dizer que, se o médico descobre que o paciente tem câncer, ele é culpado,
enquanto a culpa deveria recair sobre o tumor que afeta a saúde do paciente -
neste caso, o paciente é o país e seus cidadãos.
A
atuação dos magistrados contra figuras políticas não tem fins políticos, como
muitas vezes os políticos envolvidos em investigações querem acreditar. Existe
sempre um critério técnico por trás de qualquer condenação. Cabe ao juiz julgar
com imparcialidade, independentemente de quem seja o autor do crime. Não é sua
culpa se o crime for cometido por um sem teto ou o presidente da República.
BBC Brasil - Quais implicações o sr. vê se a
condenação contra Lula não for mantida?
Di Pietro - Claro que Lula tem todo o
direito de recorrer. Mas isso não significa que o que foi feito até agora não
deveria ter sido feito.
Se você
partir do princípio de que figuras poderosas não devem ser investigadas ou
possivelmente condenadas porque mais tarde essas condenações podem ser
derrubadas, isso significa que não estaremos mais em um Estado de Direito, em
um país democrático e em uma sociedade civilizada.
Por essa
razão, desejo ao Judiciário brasileiro que continue seu trabalho com
serenidade. Também tenho um recado para o povo brasileiro: continuem apoiando a
Lava Jato e não se distraiam com as inúmeras tentativas de desacreditar a
operação.
BBC-Brasil
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