sexta-feira, 21 de julho de 2017

A vida mansa dos vereadores-marajás: cinco dias de trabalho e salário de até R$ 30 mil

Lucio Vaz

O vereador Vasco Neto (PSDB) foi eleito com 280 votos em Cristalândia (TO), pequeno município com cerca de 7 mil habitantes, onde nasceu, distante 120 quilômetros de Palmas. As sessões da Câmara Municipal são concentradas na primeira semana do mês. Vasco passa uma semana por mês em Brasília, onde ajuda o irmão a tocar a rede de academias Vasco Neto Sport, ou em Gurupi (TO), onde montou outra unidade. O salário de Vasco – R$ 30,2 mil – é pago pela Câmara dos Deputados, onde é servidor efetivo.

O caso de Vasco não é isolado. Algumas dezenas de servidores públicos federais recebem salário dos cofres da União e ocupam cargos de vereador, prefeito ou vice-prefeito em pequenas cidades do interior. Trocam a vida agitada de Brasília ou de cidades de porte médio pela tranquilidade dos sertões. Muitos retornam à terra natal para fazer política. A frustração com o trabalho conquistado pelo concurso público também é motivo para a mudança.

Dados obtidos por intermédio da Lei de Acesso à Informação revelam que 55 servidores da Câmara dos Deputados, Senado Federal, Banco Central (BC), Receita Federal, Ministério da Fazenda e Advocacia Geral da União (AGU), entre outros, estão licenciados para exercício de mandato eletivo. Os maiores salários variam entre R$ 25 mil e R$ 30 mil. Nas Câmaras de Vereadores, a remuneração fica entre R$ 6 mil e R$ 3 mil. Pela lei, eles podem escolher a fonte pagadora. Quando são eleitos deputado estadual ou federal, eles optam pelo salário do mandato.

“Tô tendo prejuízo”
O vice-prefeito de Pentecoste (CE), Vicente do Zuza (PMDB), não exerce nenhum cargo na prefeitura. “Ajudo nas secretarias, mas nada assim formal, não tenho cargo”, relata o procurador federal afastado. Ele recebe salário de R$ 24,9 mil da AGU. Questionado por que não optou pelo salário de vice-prefeito, não faz rodeios: “Porque é menor”. Disse que fica em torno de R$ 10,4 mil.

Pergunto se é correto receber pela AGU se ele não exerce nenhuma função na prefeitura. Ele fala que está é perdendo dinheiro: “Se eu estivesse no meu cargo, eu tava (sic) ganhando uns R$ 8 mil ou R$ 10 mil a mais porque tem gratificação, honorários advocatícios, mas só recebe quem está na ativa. Aí, tô tendo um prejuízo financeiro muito grande. Acho que vou até entrar na Justiça para ver se tenho direito porque quem se aposenta tem. Os colegas estão achando que vai chegar a R$ 10 mil mensais”.
Mas ele fala que está cumprindo um dever: “Quando a gente é eleito, quando o povo escolhe, a gente tem que trabalhar no município, ajudando a administração, do jeito que eu faço, sem ganhar nada”. Pentecoste fica distante 92 quilômetros de Fortaleza, onde Vicente tem uma casa, no bairro Fátima, avaliada em R$ 550 mil – o seu maior patrimônio. Fica a três quilômetros da praia da Iracema. Ele afirma que vai à capital em finais de semana. “É, sempre a gente vai”.

“Cemitério de competências”
Eleito vereador com 140 votos em Presidente Kubitschek (MG), no Vale do Jequitinhonha, Dirceu Carneiro (PSDB) divide o seu tempo entre a cidade e Sete Lagoas, distante 240 quilômetros, onde moram a mulher e o filho. “Fico indo e vindo. Passo uns quatro dias em Presidente”, afirma. A Câmara Municipal tem uma sessão semanal, às 19h de segunda-feira. O subsídio de vereador é R$ 3,2 mil, mas ele optou pelo salário de R$ 25,4 mil como auditor fiscal licenciado da Receita Federal. O seu maior patrimônio é uma casa em Sete Lagoas, com valor declarado de R$ 1,34 milhão.

Dirceu explica por que decidiu ser vereador: “Eu nasci lá, tenho propriedade rural na cidade. O meu irmão era o prefeito da cidade. Essas câmaras são muito carentes. Os vereadores são muito despreparados, não fazem projetos, ficam repetindo o que o prefeito quer. Você não imagina o que é uma Câmara de Vereadores num município desses. A maioria mal sabe escrever o nome”. Questionado se é correto ser vereador com salário de auditor da Receita, responde: “É legal, é legítimo. Pelo que eu produzo, acho que sim. Oxalá toda cidade do porte da minha tivesse a oportunidade de ter um vereador saído dos quadros da Receita ou de outro órgão federal. Isso tem um potencial até revolucionário”.

Ele também fala da frustração que tinha no seu emprego público: “A Receita é o maior cemitério de competências que existe. Eu sou engenheiro de petróleo. Trabalhei na Petrobras dez anos. Então, o que estou fazendo da Receita Federal? Isso é coisa de país de terceiro mundo. Assim como eu, tem doutores em teologia, química, economia, que estão lá na Receita acompanhando processinho de restituição de R$ 50 mil. Essas pessoas tinham que estar produzindo na iniciativa privada. A maior parte dos auditores da Receita é superqualificada para o cargo. Ficam todos frustrados e começam a pensar besteira. Eu ficava frustrado. O cara não larga o emprego por quê? Porque ganha muito bem. Eu não vou abandonar o meu emprego da Receita para ganhar salário de vereador em Presidente Kubitschek. Obviamente, não”.

Dirceu afirma que é mais útil como vereador: “A nossa cidade está no Vale do Jequitinhonha. Aquele ali é o vale da miséria, uma das regiões mais pobres do país. Sabe o que os governos federal e estadual mandam para lá? Curso de artesanato, de dança e de música. Só ensinam as meninas a balançar o corpo, os menininhos a batucar e as mulheres a bordar. Nenhuma empresa se instala naquele lugar porque não tem nem energia elétrica. Não tem estrada, não tem nada. Aquilo ali é um lugar esquecido de Deus”.

“Nunca gostei de política”
O servidor do Banco Central Baltazar da Silva nunca gostou de política, mas acabou entrando na disputa, conseguiu 213 votos e foi eleito vereador em Datas (MG), município de 5 mil habitantes no Alto Jequitinhonha, próximo a Diamantina. A Câmara Municipal tem duas sessões ordinárias mensais e reuniões semanais das comissões, sempre às quintas-feiras, às 19h. Ele relata por que trocou Brasília pelo interior: “Eu nunca gostei de política. Mas, ultimamente, fiquei incomodado de ver as coisas acontecendo na minha cidade. Fiquei pensando que poderia ajudar, e tentar fazer diferente”.

Na cidade, ele dá cursos gratuitos para jovens, principalmente carentes, que se preparam para concursos públicos e para o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). Também criou um projeto de inclusão digital, colocando um ponto de internet na praça central.

Baltazar afirma que optou receber pelo BC – R$ 18,6 mil – porque isso “onera menos o município”. Pergunto se não seria mais correto receber como vereador. “Se eu estivesse no BC, teria mais condições de crescer pessoalmente. Se tivesse que reduzir o salário, jamais um servidor público se candidataria. O objetivo é estimular o servidor público a assumir a política. Eu quase desisti de vir. Há perdas de benefícios, plano de saúde, e qualidade de vida. No interior, a sua vida fica muito exposta. A gente teme até algum atentado. No interior, os ânimos são muito acirrados”.
“Morei aqui quando criança”

O servidor do Senado Cláudio Tolentino já está no terceiro mandato de vereador em Cláudio (MG), município de 28 mil habitantes. Foi eleito pelo PTB, com 577 votos. A sessão da Câmara Municipal acontece uma vez por semana, na terça-feira, a partir das 15h. Ele recebe R$ 34,8 mil pelo Senado Federal.
Ele conta por que optou pela carreira política. “Para ser útil à minha cidade. É a cidade da família do meu pai, morei aqui quando era criança. Tenho conseguido muitos benefícios através de parlamentares. Estou prestando um serviço à comunidade, da mesma forma que, no Senado, estaria trabalhando para o povo, para o Brasil. O trabalho não é menor de forma alguma”.

“Sessão concentrada”
A reportagem tentou várias vezes fazer contato com Vasco Neto. Ele estava na academia na Asa Norte, mas não atendia. Só aceitou receber a Gazeta do Povo, na quarta-feira (28), quando foi informado de que o assunto seria o seu mandato de vereador em Cristalândia. Na sala da administração, foi logo explicando por que estava em Brasília. “Neste mês, estou mais aqui porque é recesso. Junho é mês de recesso. E faço contatos aqui para facilitar as coisas para eles”.

Relatei que havia procurado por ele várias vezes, sem ser atendido, embora ele estivesse em Brasília. “A sessão é concentrada, uma semana por mês, de segunda a sexta. Aqui, todo mês eu venho. Fico uma semana, uma semana e pouco, e volto. Quem resolve as coisas da academia é o meu irmão. Pelo fato de decidir ir para lá, temos também uma academia em Guripi. Agora estou montando outra em Palmas. A ideia nossa é ir para lá. A vida do interior é muito boa. Eles querem que eu me candidate a prefeito”.

Ele fala dos projetos que está implantando no município. O “Banco da Construção” já virou lei. O prefeito disponibilizou um galpão para receber restos de construção, tijolo, areia, equipamentos. Os agentes de saúde fazem um cadastro e os mais necessitados são beneficiados. “Isso diminui a promiscuidade que existe em todo o país, das pessoas estarem oferecendo o seu voto por uma telha. Isso vai melhorar a condição de muita gente e deixar desse negócio de pedir. Fui atrás do voto consciente”, comenta Vasco Neto. Ele também está implantando projetos de academia ao ar livre e construção de paradas de ônibus.

Questionado se não deveria optar pelo salário da Câmara Municipal, afirmou: “Eu não queria ter esse vínculo com o município. Estou aqui como servidor da União pago pelo governo federal para ajudar em tudo o que precisarem, sem ter vínculo com o prefeito, presidente da Câmara, nem parlamentar. Isso me trouxe a completa desvinculação. Não quero um centavo que venha de lá. Estou até pensando em ver com o presidente da Câmara de destinar o salário de vereador para uma instituição de caridade”.

Gazeta do Povo
Curitiba - 17/07/2017

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