ANA TORRES MENÁRGUEZ
Ex-assessora
de educação do Governo sueco se posiciona contra as novas metodologias
educacionais
Não é
fácil encontrar uma opinião como a de Inger Enkvist (Värmland, 1947). Enquanto
a maioria dos gurus educacionais defende acabar com as fileiras de
carteiras escolares e os formatos convencionais de aula e dar mais
liberdade aos alunos dentro da classe, Enkvist, ex-assessora do Ministério de
Educação da Suécia, acredita que é preciso recuperar a disciplina e a
autoridade dos docentes na sala de aula. “As crianças têm que desenvolver
hábitos sistemáticos de trabalho e para isso necessitam que um adulto as
orientem. Aprender requer esforço e, quando se deixa os alunos escolherem,
simplesmente não acontece.”
Catedrática
de Espanhol na Univesidade Lund (Suécia), Enkvist começou sua carreira na
educação como professora do ensino secundário e durante mais de trinta anos se
dedicou a estudar e comparar os sistemas educacionais de diferentes países.
Além da publicação de livros como Repensar a Educação (Bunker
Editorial, 2014), escreveu mais de 250 artigos sobre educação.
Enkvist
compareceu em março à Comissão de Educação do Congresso dos Deputados da
Espanha para apresentar sua visão sobre o modelo educacional espanhol, no qual
aponta falta de motivação por parte do professorado e a necessidade de
reformulação dos graus de professor em Educação Infantil e Primário –
correspondente aos anos de ensino fundamental no Brasil – para tentar atrair os
melhores estudantes.
Pergunta. As novas correntes de inovação
educacional reivindicam um papel mais ativo por parte dos alunos. Acabar com as
aulas expositivas e criar metodologias que impliquem ação por parte do
estudante. Por que você se opõe a esse modelo?
Resposta. A nova pedagogia promove a
antiescola. As escolas foram criadas com o objetivo de que os alunos
aprendessem o que a sociedade havia decidido que era útil. Qual é o propósito
da escola se o estudante decide o que quer fazer? Essas correntes querem
enfatizar ao máximo a liberdade do aluno, quando o que ele necessita é de um
ensino sistemático e bem estruturado, sobretudo se levamos em conta os
problemas de distração das crianças. Se não se aprende a ser organizado e a
aceitar a autoridade do professor no ensino fundamental, é difícil que se
consiga isso mais tarde. O aluno nem sempre vai estar motivado para aprender. É
preciso esforço.
P. Em seu livro a senhora questiona a crença de que
todas as crianças querem aprender e, portanto, é uma boa opção deixar que tomem
a iniciativa e aprendam sozinhos. Quais são seus argumentos contra isso?
R. Nunca foi assim. É uma ideia romântica que vem de
Rousseau: dar como certo que o ser humano é inocente, bem-intencionado e bom.
Uma criança pode concentrar-se em uma tarefa por iniciativa própria, mas
normalmente será numa brincadeira. Aprender a ler e escrever ou matemática básica
requer trabalho e ninguém se sente chamado a dedicar um esforço tão grande a
assimilar uma matéria tão complicada. É preciso haver apoio, estímulo e algum
tipo de recompensa, como o sorriso de um professor ou os cumprimentos dos pais.
P. O que se deveria recuperar do antigo modelo de
educação?
R. Ter claro que o professor
organiza o trabalho da classe. Se os alunos planejam seu próprio trabalho, é
muito complicado que obtenham bons resultados, e isso desmotiva o professor,
que não quer responsabilizar-se por algo que não funciona. Essas metodologias
estão distanciando das salas de aula os professores mais competentes. Já não se
considera benéfico que o adulto transmita seus conhecimentos aos alunos e se
fomenta que os jovens se interessem pelas matérias seguindo seu próprio ritmo.
Em um ambiente assim não é possível ensinar porque não existe a confiança
necessária na figura do professor. Viver no imediato sem exigências é bem o
contrário da boa educação.
P. A senhora qualificou a autoaprendizagem como
contraproducente. Mas uma vez terminada a formação obrigatória, e que os
estudantes consigam um trabalho, o mercado de trabalho muda rápido e eles podem
se ver obrigados a se reciclar e mudar de profissão. Não acha que é uma boa
ideia lhes ensinar desde pequenos a tomar a iniciativa na aprendizagem?
R. Essa é a grande falácia da nova pedagogia. As
crianças têm que aprender conteúdos, e não o chamado aprender a aprender.
Não basta dizer aos alunos que devem tomar decisões. Não vão saber como fazer
isso. Dou um exemplo. O Governo sueco oferece cursos de formação para adultos e
é um desespero quando só se apresentam cidadãos com um perfil educacional
elevado. Eles se interessam e acham útil, e por isso têm entusiasmo para
começar. Se uma pessoa aprende um conteúdo, considera que é capaz e que no
futuro poderá voltar a fazer isso. Quem é mais adaptável e mais flexível ao
perder um emprego? Aquele que já tem uma base de conhecimentos, que conta com
mais recursos internos, e isso é a educação que lhe proporciona. Quanto mais
autodisciplina, mais possibilidades você tem pela frente e menos desesperado se
sentirá diante de uma situação limite.
P. Há um grande debate quanto à utilidade dos
exames. Alguns especialistas defendem que na vida adulta não ocorra esse tipo
de prova e que o importante é ter desenvolvido habilidades para adaptar-se a
diferentes entornos.
R. Essa é a visão de alguém que não sabe como
funciona o mundo das crianças. Na vida adulta, todos temos prazos, momentos de
entregar um texto, e isto se aprende na escola. Com os exames a criança aprende
a se responsabilizar e entende que não comparecer a uma prova tem
consequências: não será repetida para ele. Se não cumprimos nossas obrigações
na vida adulta, logo nos veremos descartados dos ambientes profissionais. Os
exames ajudam a desenvolver hábitos sistemáticos de trabalho.
P. Por que você considera que o momento atual da
escola não permite que ninguém se destaque?
R. A escola não é neutra, nem
todos vão aprender do mesmo modo. Nas classes há desequilíbrios enormes em um
mesmo grupo, pode haver até seis anos de diferença intelectual entre os alunos.
A escola deveria manter as crianças com diferentes capacidades juntas até os
onze anos e, a partir daí, oferecer diferentes níveis para as matérias mais
complexas. Isso é feito em algumas escolas públicas da Alemanha. Para os
que não entendem, dou um exemplo. Imagine colocar em uma mesma classe 30
adultos com níveis socioculturais e interesses totalmente díspares e pretender
que aprendam juntos. Isso é o que estamos pedindo a nossos filhos. Em menos de
uma semana haveria uma rebelião.
P. A escola mata a criatividade, segundo o pedagogo
britânico Ken Robinson.
R. O mais simples é pensar em um músico de jazz.
Parece que está improvisando, brincando. Como pode fazer isso? Sabe 500
melodias de memória e usa pedaços dessas peças de forma elegante. Repetiu isso
tantas vezes que parece que o faz sem esforço. A teoria é necessária para que
surja a criatividade.
P. Quanto aos conteúdos que se aprende na escola,
acha que seria necessário modernizá-los?
R. Uma professora espanhola me contou que um de seus
alunos lhe disse na sala de aula: para que serviria estudar Unamuno? Que
aplicação prática poderia ter? Precisamos conhecer a situação de nosso país,
saber de onde viemos. Com Unamuno se aprende um modelo de reação, que não há
motivo para ser adotado, mas conhecê-lo te ajuda a elaborar a sua própria forma
de ver o mundo.
EL PAÍS
EL PAÍS
Nenhum comentário:
Postar um comentário