Demétrio Magnoli
(*)
Na França, da noite para o dia, as
urnas aposentaram uma elite política e fabricaram outra
"Manupiter
em Versalhes" –a manchete de capa do jornal Libération, acompanhada pela
figura do presidente Emmanuel Macron nas vestes de Júpiter, segurando
relâmpagos bifurcados, traduz tanto uma crítica quanto uma constatação.
Crítica:
a reunião de uma sessão conjunta do Senado e da Assembleia Nacional no grande
palácio erguido por Luís 14 desvendaria inclinações autocráticas, um retorno ao
estilo da presidência monárquica do general De Gaulle. Constatação: Macron
emerge como o "deus dos deuses" na cena devastada do sistema
político-partidário francês.
A
aventura começou numa noite fria de abril, em Amiens. Perante duas centenas de
pessoas, o ministro da Economia do desprezado governo socialista de Hollande,
um jovem de 38 anos, anunciou a criação de um novo movimento político, o En
Marche!.
Um ano
depois, Macron venceu o primeiro turno das presidenciais e, no turno decisivo,
impôs uma derrota humilhante a Le Pen, a candidata da direita
ultranacionalista. Finalmente, seu partido improvisado conquistou maioria
avassaladora na Assembleia Nacional, assegurando-lhe um mandato legítimo para
mudar a economia e a política francesas.
Uma
"revolução pelo voto", nem mais nem menos, numa democracia moderna
com partidos consolidados. Na Assembleia Nacional francesa eleita, quase dois
terços dos deputados nunca tiveram mandato parlamentar e jamais ocuparam cargos
governamentais.
Da noite
para o dia, as urnas aposentaram uma elite política e fabricaram outra. Nem
tudo, obviamente, são flores. O turno final das legislativas registrou
abstenção recorde, de 57%. Macron não é Júpiter –e, obviamente, corre o risco
de fracassar. Mas seu movimento já demonstrou que, contrariando uma lenda
popular, a democracia representativa é um sistema aberto à mudança.
A crise
da globalização –a mesma que impulsionou as reações nacionalistas expressas no
Brexit e no triunfo de Trump– produziu o fenômeno oposto na França. Macron
apostou, incessantemente, na clareza. Disse que o sistema político tradicional
perecera e, desafiando dogmas sacrossantos, comprometeu-se a modernizar o
código de trabalho e reformar a legislação previdenciária.
Enfrentando
narrativas populistas simétricas, à direita e à esquerda, defendeu a União
Europeia e os mercados abertos. A vitória, sobre os escombros do Partido
Socialista, em meio à dilaceração da centro-direita gaullista, provou a
vitalidade de uma agenda perdida: a Terceira Via.
Na manhã
seguinte ao turno inicial das presidenciais, a extrema-esquerda saiu às ruas de
Paris para protestar contra o "neoliberal" Macron, em manifestação
concluída por centenas de black blocs que atiravam bombas e pedras. Entre as
presidenciais e as legislativas, perplexos líderes gaullistas qualificaram o
presidente eleito como um "socialista disfarçado", sugerindo que
representaria uma reencarnação do arruinado partido de Hollande.
A
Terceira Via, cujas fontes encontram-se no americano Bill Clinton, no britânico
Tony Blair e na renovada social-democracia alemã, confunde igualmente
conservadores e socialistas. No lugar da polaridade esquerda/direita, opera na
gramática da clivagem internacionalismo/ nacionalismo ou aberto/fechado.
A
fórmula de Macron conecta a economia de mercado aos direitos sociais. Nas duas
pontas, rejeita os privilégios corporativos de empresários e sindicatos. De um
lado, aposta na concorrência e na inovação. De outro, na qualificação dos
serviços públicos universais, especialmente a educação.
A França
que votou em Macron está farta de uma elite política burocrática, inclinada à
corrupção, e aprendeu que o discurso populista do nacionalismo econômico é um
pátio ideológico compartilhado pela extrema direita e pela extrema esquerda.
Paris
não é aqui –mas descortina-se uma larga avenida para o surgimento de um En
Marche! brasileiro.
Folha de S. Paulo
(*) Comentário do editor do
blog-MBF: a fórmula Macron ou Capitalismo
Social. Já são
42 anos que venho propondo esta alternativa e para implementá-la, mais
democracia ainda: fim dos partidos políticos, TODOS, para que seja o eleitor a
indicar os candidatos. Só aí o sufrágio universal será democrático na correta acepção
do termo, pois estaremos retirando das corporações classistas a prerrogativa de
nos impor candidatos, que uma vez "eleitos" atenderão primeiro os interesses deles e só depois, se não os atrapalhar, os da sociedade.
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