quarta-feira, 5 de julho de 2017

O fenômeno Macron pode ocorrer aqui?

CHRISTOPHER GARMAN e JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES

É pouco provável. É difícil que um candidato fora das fileiras dos grandes partidos existentes seja competitivo no Brasil

A eleição de Emmanuel Macron para a Presidência da França, seguida agora pelo espetacular triunfo de seu movimento político, A República em Marcha, nas eleições parlamentares do país, gerou uma onda de otimismo na Europa. Os eleitores na França estão claramente desencantados com o establishment político. Mas, em vez de eleger alguém da direita populista – como Marine Le Pen, da Frente Nacional (FN) –, o eleitorado escolheu um líder jovem e enérgico como Macron, que representa um compromisso renovado com a integração econômica da União Europeia e com ideais socialmente progressistas.

Esse resultado produziu em alguns círculos no Brasil uma centelha de esperança de que as eleições do próximo ano possam seguir um caminho semelhante. Seria possível que um eleitorado desencantado gerasse uma liderança nova e jovem capaz de revigorar a estrutura política brasileira em favor de reformas modernas e necessárias? Embora não se deva descartar a possibilidade de que um candidato “estilo Macron” venha a emergir em 2018, é pouco provável que o enredo francês se repita por aqui.

Isso não quer dizer que o tipo de raiva dos eleitores franceses diante do establishment político não tenha paralelos com o Brasil. Pesquisas de opinião pública mostram existir semelhanças marcantes nas opiniões dos eleitores dos dois países. A Ipsos Public Affairs realizou uma pesquisa global no fim de 2016 em que tentou medir a extensão do desencanto dos eleitores com a classe política em 23 países da Europa e em grandes economias emergentes. Uma descoberta importante da pesquisa é que o sentimento “anti-establishment” está campeando com força tanto na Europa continental quanto em países latino-­americanos. Na França, 78% dos pesquisados pela Ipsos disseram que partidos e políticos “não se preocupam com gente como eu”. No Brasil, esse número chegou a 68%. Quando indagados se “a economia é manipulada para favorecer os ricos e poderosos”, 71% dos franceses concordaram com a afirmação. No Brasil, o número chegou a 72%. E esses resultados foram obtidos antes do escândalo que abala o governo do presidente Michel Temer.

Esse fenômeno não é específico da França ou do Brasil. Os eleitores estão irritados com os políticos em vários países e, consequentemente, os partidos mais tradicionais, que antes ocupavam o centro político, estão começando a perder seu poder em muitos lugares, como na França, na Espanha e na Itália. Nos Estados Unidos, esse processo não começou com a dissolução dos dois principais partidos, mas com a perda de controle das lideranças tradicionais dentro dos partidos Democrata e Republicano.
Embora possam até ser replicados no Brasil, os caminhos pelos quais a raiva anti-establishment se traduz num candidato como Emmanuel Macron não são triviais. Em primeiro lugar, não há nada inerente a um profundo descontentamento político que leve um candidato com o perfil de Macron e as políticas que ele defendeu a ser vitorioso num processo eleitoral. Esse resultado, antes da campanha presidencial, era dado como improvável até mesmo na França.
Embora Macron tenha vencido de maneira avassaladora numa disputa de segundo turno contra a candidata da extrema-direita, Marine Le Pen, é importante lembrar que, no primeiro turno, 41% dos votos foram dados a outros dois candidatos anti-establishment com propostas muito diferentes das de Macron – se somarmos os votos dados a Le Pen e ao candidato da extrema-­esquerda, Jean-­Luc Mélenchon, que concorreu pelo movimento França Insubmissa. Macron acabou derrotando Le Pen no segundo turno por grande margem de votos devido a diversas razões. Uma delas pode ser porque, embora canalizasse parte da raiva do eleitorado francês, Le Pen não era exatamente um rostinho novo e tinha muitas vulnerabilidades.

Outro ponto importante é que, embora os eleitores, tanto na França quanto no Brasil, estejam muito irritados, eles não têm uma agenda política clara. Isso significa que quem consegue vestir melhor o figurino anti-establishment depende muito da oferta de candidatos. No Brasil, isso vai depender muito dos candidatos que efetivamente concorrerão. Uma questão crucial será saber se o ex-presidente Lula poderá lançar sua candidatura, ou se os tribunais vão desqualificá-lo antes da campanha presidencial. Mas uma decisão igualmente importante virá do PSDB. Se o partido optar pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que seria um candidato do establishment por excelência, então a possibilidade de candidatos anti-establishment “surpresa” se tornará mais real.
Uma grande diferença na comparação com a França é que é muito difícil no Brasil um candidato fora das fileiras dos partidos políticos existentes ser competitivo. Consequentemente, vai ser difícil ver um colapso dramático da representação dos partidos tradicionais no Legislativo semelhante ao que ocorreu na França. O motivo tem a ver com a legislação eleitoral brasileira e a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir as doa­ções empresariais às candidaturas. Com os candidatos desprovidos de meios para financiar suas campanhas junto ao setor privado, o ativo mais importante será o tempo de televisão e o acesso aos fundos partidários públicos. Ambos dependem do tamanho da bancada no Congresso.

Portanto, a verdadeira questão será saber que partidos escolherão candidatos que possam convencer como anti-establishment. O perfil desse candidato pode ser tanto o de alguém como o prefeito de São Paulo, João Doria, um rosto novo na cena política, muito alinhado com as reformas pró-mercado, quanto o de um ex-juiz que possa ser visto como confiável em ações contra a corrupção. A esquerda não está em boa situação para vencer no ano que vem, mesmo que Lula tenha condições de concorrer, mas também não pode ser inteiramente descartada se nenhum candidato anti-establishment convincente emergir no centro ou na direita. Nas eleições de 2018 , o mais provável é que o vitorioso saia de um partido estabelecido, em vez de um novo movimento político.

Não é só o Brasil que entrará num ciclo eleitoral em 2018. O mesmo ocorrerá na Colômbia, no México, no Chile, na Venezuela e na África do Sul. Os eleitores estão irritados em todos esses países. A confiança nos partidos políticos tradicionais atingiu um dos níveis mais baixos da História. A eleição francesa gerou um líder novo e moderno, alinhado com a integração econômica e com reformas pró-mercado. Isso pode ocorrer também no Brasil, mas o que chama a atenção é que não é exatamente isso que os eleitores estão pedindo.

No Brasil, um candidato com boas chances de ser bem-sucedido na campanha presidencial será aquele que se apresentar como não político. Ele deverá, ao mesmo tempo, dar respostas a uma série de questões com as quais a classe média emergente do país está insatisfeita: saúde, educação, crime e corrupção. Um candidato moderno pró-reformas pode preencher esse perfil, mas outros candidatos não alinhados com as reformas também poderão fazê-lo. Por isso, as eleições de 2018 no Brasil serão tão imprevisíveis.

Revista ÉPOCA
02/07/2017.

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