CHRISTOPHER GARMAN e JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES
É pouco provável. É difícil que um
candidato fora das fileiras dos grandes partidos existentes seja competitivo no
Brasil
A
eleição de Emmanuel Macron para a Presidência da França, seguida
agora pelo espetacular triunfo de seu movimento político, A República em
Marcha, nas eleições parlamentares do país, gerou uma onda de otimismo na
Europa. Os eleitores na França estão claramente desencantados com o establishment
político. Mas, em vez de eleger alguém da direita populista – como Marine Le
Pen, da Frente Nacional (FN) –, o eleitorado escolheu um líder jovem e enérgico
como Macron, que representa um compromisso renovado com a integração econômica
da União Europeia e com ideais socialmente progressistas.
Esse
resultado produziu em alguns círculos no Brasil uma centelha de esperança de
que as eleições do próximo ano possam seguir um caminho semelhante. Seria
possível que um eleitorado desencantado gerasse uma liderança nova e jovem
capaz de revigorar a estrutura política brasileira em favor de reformas
modernas e necessárias? Embora não se deva descartar a possibilidade de que um
candidato “estilo Macron” venha a emergir em 2018, é pouco provável que o enredo
francês se repita por aqui.
Isso não
quer dizer que o tipo de raiva dos eleitores franceses diante do establishment
político não tenha paralelos com o Brasil. Pesquisas de opinião pública mostram
existir semelhanças marcantes nas opiniões dos eleitores dos dois países. A
Ipsos Public Affairs realizou uma pesquisa global no fim de 2016 em que tentou
medir a extensão do desencanto dos eleitores com a classe política em 23 países
da Europa e em grandes economias emergentes. Uma descoberta importante da pesquisa
é que o sentimento “anti-establishment” está campeando com força tanto na
Europa continental quanto em países latino-americanos. Na França, 78% dos
pesquisados pela Ipsos disseram que partidos e políticos “não se preocupam com
gente como eu”. No Brasil, esse número chegou a 68%. Quando indagados se “a
economia é manipulada para favorecer os ricos e poderosos”, 71% dos franceses
concordaram com a afirmação. No Brasil, o número chegou a 72%. E esses
resultados foram obtidos antes do escândalo que abala o governo do
presidente Michel Temer.
Esse
fenômeno não é específico da França ou do Brasil. Os eleitores estão irritados
com os políticos em vários países e, consequentemente, os partidos mais
tradicionais, que antes ocupavam o centro político, estão começando a perder
seu poder em muitos lugares, como na França, na Espanha e na Itália. Nos
Estados Unidos, esse processo não começou com a dissolução dos dois principais
partidos, mas com a perda de controle das lideranças tradicionais dentro dos
partidos Democrata e Republicano.
Embora
possam até ser replicados no Brasil, os caminhos pelos quais a raiva
anti-establishment se traduz num candidato como Emmanuel Macron não são
triviais. Em primeiro lugar, não há nada inerente a um profundo
descontentamento político que leve um candidato com o perfil de Macron e
as políticas que ele defendeu a ser vitorioso num processo eleitoral. Esse
resultado, antes da campanha presidencial, era dado como improvável até mesmo
na França.
Embora
Macron tenha vencido de maneira avassaladora numa disputa de segundo turno
contra a candidata da extrema-direita, Marine Le Pen, é importante lembrar que,
no primeiro turno, 41% dos votos foram dados a outros dois candidatos
anti-establishment com propostas muito diferentes das de Macron – se somarmos
os votos dados a Le Pen e ao candidato da extrema-esquerda, Jean-Luc
Mélenchon, que concorreu pelo movimento França Insubmissa. Macron acabou
derrotando Le Pen no segundo turno por grande margem de votos devido a diversas
razões. Uma delas pode ser porque, embora canalizasse parte da raiva do
eleitorado francês, Le Pen não era exatamente um rostinho novo e tinha muitas
vulnerabilidades.
Outro
ponto importante é que, embora os eleitores, tanto na França quanto no Brasil,
estejam muito irritados, eles não têm uma agenda política clara. Isso significa
que quem consegue vestir melhor o figurino anti-establishment depende muito da
oferta de candidatos. No Brasil, isso vai depender muito dos candidatos que
efetivamente concorrerão. Uma questão crucial será saber se o ex-presidente
Lula poderá lançar sua candidatura, ou se os tribunais vão desqualificá-lo
antes da campanha presidencial. Mas uma decisão igualmente importante virá do
PSDB. Se o partido optar pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que
seria um candidato do establishment por excelência, então a possibilidade de
candidatos anti-establishment “surpresa” se tornará mais real.
Uma
grande diferença na comparação com a França é que é muito difícil no Brasil um
candidato fora das fileiras dos partidos políticos existentes ser competitivo.
Consequentemente, vai ser difícil ver um colapso dramático da representação dos
partidos tradicionais no Legislativo semelhante ao que ocorreu na França. O
motivo tem a ver com a legislação eleitoral brasileira e a decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) de proibir as doações empresariais às candidaturas. Com
os candidatos desprovidos de meios para financiar suas campanhas junto ao setor
privado, o ativo mais importante será o tempo de televisão e o acesso aos
fundos partidários públicos. Ambos dependem do tamanho da bancada no Congresso.
Portanto,
a verdadeira questão será saber que partidos escolherão candidatos que possam
convencer como anti-establishment. O perfil desse candidato pode ser tanto o de
alguém como o prefeito de São Paulo, João Doria, um rosto novo na cena
política, muito alinhado com as reformas pró-mercado, quanto o de um ex-juiz
que possa ser visto como confiável em ações contra a corrupção. A esquerda não
está em boa situação para vencer no ano que vem, mesmo que Lula tenha
condições de concorrer, mas também não pode ser inteiramente descartada se
nenhum candidato anti-establishment convincente emergir no centro ou na
direita. Nas eleições de 2018 , o mais provável é que o vitorioso saia de um
partido estabelecido, em vez de um novo movimento político.
Não é só
o Brasil que entrará num ciclo eleitoral em 2018. O mesmo ocorrerá na Colômbia,
no México, no Chile, na Venezuela e na África do Sul. Os eleitores estão
irritados em todos esses países. A confiança nos partidos políticos
tradicionais atingiu um dos níveis mais baixos da História. A eleição francesa
gerou um líder novo e moderno, alinhado com a integração econômica e com
reformas pró-mercado. Isso pode ocorrer também no Brasil, mas o que chama a
atenção é que não é exatamente isso que os eleitores estão pedindo.
No
Brasil, um candidato com boas chances de ser bem-sucedido na campanha
presidencial será aquele que se apresentar como não político. Ele deverá, ao
mesmo tempo, dar respostas a uma série de questões com as quais a classe média
emergente do país está insatisfeita: saúde, educação, crime e corrupção. Um
candidato moderno pró-reformas pode preencher esse perfil, mas outros
candidatos não alinhados com as reformas também poderão fazê-lo. Por isso, as
eleições de 2018 no Brasil serão tão imprevisíveis.
Revista ÉPOCA
02/07/2017.
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