Editorial
Os
intelectuais petistas começam a admitir em voz alta aquilo que seus colegas
militantes apenas murmuravam aqui e ali: a esquerda - como eles a entendem - é
totalmente dependente de Lula da Silva para existir como força eleitoral. Sem o
demiurgo petista e suas bravatas demagógicas, reconhecem esses amuados
ativistas, os partidos do dito “campo popular” dificilmente serão capazes de
comover os eleitores com seu discurso estatizante, baseado na puída tese
marxista da luta de classes. Ou alguém acredita que Dilma Rousseff, que se
julga herdeira de Leonel Brizola e seu esquerdismo terceiro-mundista, teria
sido eleita e reeleita presidente da República não fosse seu padrinho?
“Impedir
o PT de ter um candidato competitivo a um ano do pleito equivale a banir a esquerda
da vida política”, sentenciou o professor de História da USP e autor do livro
História do PT, Lincoln Secco, em recente entrevista ao Estado. Segundo Secco,
“a esquerda não tem plano B sem o Lula”. Mais do que isso: o professor petista
considera que, “sem apoio do Lula, nenhum candidato da esquerda se viabiliza”.
O
professor Secco não está sozinho nessa avaliação. A sentença do juiz federal
Sérgio Moro que condenou Lula a mais de nove anos de prisão por corrupção e
lavagem de dinheiro teve o condão de fazer com que outros militantes
manifestassem sua preocupação com o futuro eleitoral da esquerda, depois de
mais de uma década de bonança petista. Para essa turma, é preciso começar a
encarar a vida sem Lula na cédula de votação em 2018.
O mais
curioso desse diagnóstico é que Lula da Silva jamais foi de esquerda. Sua
carreira como líder sindical e depois como político se notabilizou pelo
oportunismo desbragado. “Eu nunca fui um esquerdista”, disse o chefão petista
em 2006, quando era presidente, buscava a reeleição e tinha de convencer o
mercado de que nada mudaria na condução prudente da política econômica. Já
quando precisa insuflar a militância esquerdista, Lula não tem dúvida em
bradar, como fez no mais recente congresso do PT, que é necessário fazer “a
esquerda voltar a governar o País”. Cabe aos ingênuos escolher em qual Lula se
deve acreditar.
Diante
da perspectiva muito concreta de passar os próximos anos na cadeia, Lula da
Silva parece ter intuído que o melhor a fazer no momento é travestir-se de
esquerdista, vociferando palavras de ordem contra o capital, a imprensa e a
classe média, de modo a eletrizar os tolos que ainda se dispõem a defendê-lo, a
despeito de todas as evidências. Sua intenção é óbvia: transformar seu
julgamento em um caso político, como se sua condenação judicial, acompanhada de
carradas de provas, fosse uma ação da “direita”, interessada em destruir as
chances eleitorais da “esquerda”.
Essa
encenação para engambelar esquerdistas bocós conta com a participação ativa da
cúpula do PT, ciente, é claro, do risco de ver o partido encolher drasticamente
nas próximas eleições caso Lula não possa concorrer. No mais recente encontro
do Foro de São Paulo - o notório convescote de partidos esquerdistas da América
Latina que acabam de se reunir em Manágua -, a presidente do PT, senadora
Gleisi Hoffmann, disse que “a direita reacionária e golpista não descansa” em
seu intento de “destruir o PT e impedir que o maior líder popular brasileiro,
Lula, seja nosso candidato nas eleições presidenciais de 2018”. Segundo a
petista, “mais do que nunca necessitamos de um governo de esquerda de volta ao
nosso país”. No mesmo discurso, sem ruborizar, a senadora aproveitou para se
solidarizar com as ditaduras da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua.
A estratégia
petista de vincular o destino de Lula ao da esquerda - não só brasileira, mas
latino-americana - parece estar funcionando bem, a julgar pelo lamento dos
esquerdistas que já se consideram órfãos do chefão petista. Isso só comprova a
miséria do pensamento dito “progressista” no País. Afinal, se essa esquerda,
para existir, depende de um rematado demagogo condenado por corrupção, então é
mesmo o caso de considerá-la moralmente extinta.
O Estado de S. Paulo
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