Luiz Carlos Azedo
A política de conciliação continua
vivíssima. Tornou-se, mais uma vez, a tábua de salvação do velho
patrimonialismo. Estão aí o clientelismo com gastos públicos e as articulações
contra a Lava-Jato
Não
existe política de conciliação no Brasil sem uma grande dose de
patrimonialismo, que é a marca registrada das práticas políticas que não
distinguem os limites do público e do privado. O patrimonialismo surgiu com a
decadência do Império Romano, por influência dos bárbaros germânicos, quando os
governantes começaram a se apropriar privadamente dos antigos bens da
República. Tornou-se uma característica do absolutismo e, assim, chegou ao
Brasil, com a concessão de títulos, sesmarias e poderes quase absolutos aos
senhores de terra pela Coroa portuguesa.
No
clássico Coronelismo: enxada e voto, Vitor Nunes Leal descreve como o
patrimonialismo sobreviveu ao Império e chegou à República Velha. Em troca dos
votos dos coronéis fazendeiros, o Estado brasileiro homologou seus poderes
formais e informais. Em contrapartida, os senhores de terra foram se adaptando
aos novos tempos políticos, entregando os anéis para não perderem os dedos. Isso
não seria possível sem a velha política de conciliação do Império, inaugurada
no gabinete do Marquês de Paraná.
Entre a
abdicação de Dom Pedro I e o Golpe da Maioridade de Dom Pedro II, os partidos
liberal e conservador protagonizavam disputas políticas da época. Os liberais
(luzias) reivindicavam a ampliação da autonomia dos governos provinciais e a
reforma de alguns aspectos contidos na Constituição de 1824; os conservadores
(saquaremas) eram favoráveis à manutenção da estrutura política centralizada e
à preservação dos poderes reservados ao imperador.
A
eclosão das rebeliões e de outros movimentos de contestação que questionavam as
determinações da Regência resultou, em 1840, no Golpe da Maioridade. Dom Pedro
II assumiu o governo, foi apoiado e prestigiou a presença de figuras liberais
em seu ministério. Escândalos de violência e corrupção envolvendo os liberais
nas eleições, porém, provocaram a dissolução do ministério, em 1853, e a
convocação de Honório Carneiro Leão, o Marquês de Paraná, um político
conservador que estava havia 10 anos rompido com Dom Pedro II, para compor um
novo gabinete. No regime parlamentarista da época, o imperador escolhia o
presidente do Conselho de Ministros, e este formava o gabinete, escolhendo os
demais ministros. Carneiro Leão montou um gabinete de liberais e conservadores
mais leais a Dom Pedro II do que aos seus partidos.
O
Gabinete Paraná representou a consolidação de uma inédita estabilidade, que
proporcionou conquistas inimagináveis em tempos de ferrenha disputa política.
Como havia unidade de interesses das elites liberais e conservadoras,
principalmente em defesa da escravidão, o Segundo Reinado conseguiu manter a
sua estrutura centralizada sem maiores sobressaltos. Carneiro Leão, que fora
nomeado presidente da província de Pernambuco após a repressão à Revolução
Praieira, descobriu em primeira mão que os princípios partidários eram vistos
como irrelevantes e ignorados em níveis provinciais e locais. Um gabinete
poderia ganhar o apoio de chefes locais para candidatos nacionais usando apenas
o clientelismo.
Quem
narra muito bem esse período é Joaquim Nabuco, no livro Um Estadista no
Império, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não cansou de recomendar
aos tucanos inconformados com sua aliança com o PFL, como o falecido governador
paulista Mário Covas. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu seus
passos com sinal trocado, o que resultou no transformismo petista. Dilma
Rousseff, também desse ponto de vista, fez tudo errado e perdeu o apoio das velhas
oligarquias e dos novos chefes políticos.
Clientelismo
Na
chamada Nova República, o grande partido da conciliação vem sendo o PMDB, que
soube conviver em conflito com o PT nos estados e a ele se aliar no poder
central, como os saquaremas fizeram com os luzias no Império. A política de
conciliação sobreviveu a duas ditaduras e continua vivíssima. Tornou-se, mais
uma vez, a tábua de salvação do velho patrimonialismo. Estão aí o clientelismo
com gastos públicos e as articulações para salvar da Operação Lava-Jato os que
foram pegos se apropriando de bens públicos.
O
problema é o custo dessas alianças para os cofres públicos, como acontece
agora. Ontem, o governo anunciou mais um aumento de impostos, para obter uma
receita adicional de R$ 10,4 bilhões. O objetivo das medidas é cumprir a meta
fiscal de 2017, um deficit (despesas maiores que receitas) de R$ 139 bilhões. A
conta não inclui as despesas com pagamento de juros da dívida pública. Para
compensar a tunga no bolso do contribuinte, fará um bloqueio adicional de R$
5,9 bilhões em gastos no orçamento federal.
A
tributação sobre a gasolina subirá R$ 0,41 por litro, ou seja, mais que dobrou,
já que passará a 0,89 cada litro de gasolina, considerando a incidência da
Cide, que é de R$ 0,10 por litro. O diesel subirá em R$ 0,21 e ficará em R$
0,46 por litro. Segundo a Receita Federal, o crescimento de 0,77% na receita
foi insuficiente para fechar as contas públicas. Na verdade, a receita com
impostos e contribuições caiu 0,20% no período. O resultado positivo foi salvo
pelos royalties pagos por empresas que exploram petróleo. O governo Temer não
cortou na própria carne; pendurou a conta do ajuste fiscal na lei do teto de
gastos. Ou seja, empurrou com a barriga.
Correio Braziliense
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