HELOÍSA MENDONÇA
Ex-secretário de Política Econômica
do Governo Lula avisa que para “para resolver crise, teremos que rever direitos
adquiridos”
Apesar
da combalida economia brasileira dar alguns pequenos sinais positivos, o
economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do governo Lula e presidente
do Insper, alerta que o reequilíbrio das contas públicas continua sendo
urgente. "Estamos andando sobre gelo fino e o problema não para de
aumentar", explica. Com ou sem o presidente Michel Temer no
poder, Lisboa defende que a agenda de reformas, principalmente a da
Previdência, terá que ser tocada ou corremos o risco de voltar a temida crise
dos anos 80 e assistir também à falência dos Estados.
O
economista não se diz otimista quanto ao tamanho do desafio que o país precisa
enfrentar, mas acredita que, mesmo diante da turbulência política, o Brasil
vive hoje uma janela de oportunidade para deixar o país organizado para as
eleições de 2018 e recuperar parte do que perdemos nos últimos três anos de
recessão. "A política monetária funciona, íamos bater no muro até 2016,
mas demos um alívio", pondera.
Pergunta. Alguns sinais de uma leve
melhora da economia brasileira começam a se despontar. Pequena recuperação
de postos de trabalho, inflação e juros caindo... Ainda é cedo para falar em
uma retomada?
Resposta.Temos problemas estruturais que
estão presentes e comprometem a capacidade da economia brasileira crescer de
forma sustentável ao longo de vários anos. O Brasil não vai crescer como na
década de 2000 vários anos seguidos. O que está se discutindo hoje não é a
volta de um crescimento sustentável e sim uma recuperação da recessão. Tivemos
uma grave crise no país por erros de política econômica, problemas estruturais
e o que tenho dito sobre esse momento é que temos uma janela de oportunidades.
Quando houve a troca de Governo, Michel Temer sinalizou um
compromisso maior em acertar uma das pontas do problema que é a questão fiscal,
e a chance do Brasil ter uma crise como a dos anos oitenta diminui.Com isso, o
prêmio de risco cai, a taxa de juros cai e isso permite uma recuperação da
atividade do emprego, permite que a gente recupere um pedaço do que perdemos
nos últimos três anos de recessão. Não vai recuperar tudo, a renda per capita
do Brasil caiu em 10%.
P. Qual o pior problema nas contas públicas do
Brasil?
R. O Brasil tem hoje um problema contratado para o
futuro e outro presente. O contratado para o futuro é a previdência. Os
gastos vão crescer seis pontos do Produto Interno Bruto (PIB) nas próximas
décadas, porque a população em idade de aposentadoria cresce 3,5% a 4% ao ano.
Já a população que trabalha aumenta cerca de 0,8% e, daqui a pouco, esse número
vai diminuir ainda mais. Se nada for feito, a despesa com a previdência vai
passar de 13% do PIB a 19%. Esse aumento equivale a 350 bilhões de reais. A
reforma é para evitar esse colapso. Para além disso, temos um déficit de 140
bilhões de reais, quando deveríamos ter um superávit, no mínimo, de 200 bilhões
para não deixar a dívida crescer. Isso é, com os gastos públicos como estão,
estamos numa trajetória de endividamento crescente que não é sustentável.
P. Mas como tapar esse rombo? Se a meta este ano era
um déficit de 140 bilhões e o Governo já não está conseguindo cumprir e
teve que, inclusive, subir impostos. Qual a solução?
R. Realmente é complicado. Você vai ter que discutir
mais carga tributária, gastos obrigatórias, discutir reforma dos Estados. Não
tem saída. Você tem que discutir o desenho da política pública. Há hoje uma
profusão de políticas públicas no Brasil que não são avaliadas adequadamente.
Em grande parte delas, já não sabemos o que funciona e que não. Algumas, como o
programa do Bolsa Família, sabemos que é muito eficaz. Já as políticas do BNDES não
sabemos. O Governo emprestou muito dinheiro ao BNDES com taxas de juros
subsidiadas, o crédito do banco cresceu várias vezes, e qual o resultado disso?
A causa originária do problema é essa visão que cabe ao Estado liderar o
crescimento, subsidiar investimento privado, e pior: sem avaliação e com muita
pouca técnica. Isso custa, as políticas são caras. Foram dadas também muitas
desonerações tributárias. Há setores que pagam muito pouco imposto no Brasil.
Então é preciso rever essa estrutura tributária, as políticas públicas sociais,
os recursos para os setores privados e fazer uma avaliação do que é eficaz.
Esse é um processo longo que o país vai ter que enfrentar, na verdade, já
estamos enfrentando e estamos vendo a resistência.
P. O aumento dos impostos sobre os combustíveis
solucionará o problema fiscal deste ano?
R. Não é uma solução, apenas vai ajudar a completar
o ano. Estão tentando terminar o ano direito, mas o esforço é terminar o ano
com a casa arrumada, estabilizada. Podemos crescer, nos próximos dois anos, uns
2% ou 3%, recuperar um pouco do que perdemos. Se agenda não andar direito, seja
pela política ou por outro motivo, isso não será possível. Estamos andando
sobre gelo, e gelo fino, o problema é grande e não para de aumentar. Cada vez
que se demora a solucioná-lo, a dívida cresce e fica mais custoso sair dessa
crise. O nosso problema não é apenas o nível dela, que é muito alta para um
país emergente, o problema é que o descontrole fiscal recorrente - o que entra
de receita normalmente- faz a dívida crescer muito alto. A despesa tem crescido
acima do PIB não importa quanto o Brasil cresça. Então crescer tampouco resolve
o problema fiscal.
P. Ao assumir o Governo, Temer chegou a dizer que
estava disposto a tocar as reformas impopulares necessárias para o país. Hoje,
no entanto, ele vive a maior crise de seu Governo. O senhor acredita que ele
ainda tem capital político para fazer mudanças até 2018?
R. Vamos ter que fazer ou vamos pagar as
consequências: uma crise mais grave daqui a dois anos ou três anos. Temos a
janela de oportunidade. A política monetária funciona, íamos bater no muro até
2016, mas demos um alívio e a economia está em um momento de recuperação. O
cenário externo está extremamente favorável para o Brasil. O mundo está bem, os
resultados da China, os dados de atividade. Ou aproveitamos a oportunidade para
começar uma agenda de reformas, reavaliar as políticas públicas, as diversas
"meias-entradas" que dominam essa economia ou a gente desperdiça e
volta para a crise. Medidas impopulares são desemprego e inflação, isso é
verdadeiramente impopular, essas que precisam ser feitas afetam os grupos de
interesses. Não é toda a sociedade que é afetada, é um grupo de empresas que se
beneficia dos subsídios do BNDES, esses grupo de empresas vão reclamar, setores
vão reclamar. No entanto, não concretizar essas mudanças nos levará a um quadro
de mais desemprego e mais inflação nos próximos anos, o que prejudicaria a
imensa maioria da população.
P. Qual o efeito das denúncias de corrupção contra o
presidente Michel Temer sobre a economia?
R. A gente já viu o efeito. A reforma da
Previdência, que estava sendo encaminhada, está paralisada. Então estamos
sentindo as dificuldades crescentes em avançar e destravar os problemas do
país. Com a reforma parada, o Governo precisa olhar outros problemas do Brasil,
o problema fiscal de curto prazo que é urgente, que vai além da previdência. O
Governo deu aumentos salariais por três anos seguidos para elite dos
servidores. Muitos deles acima da inflação. Será que não é o caso de cancelar
esses aumentos dada a gravidade da situação que estamos enfrentando?
Vamos ter que enfrentar temas difíceis. Para agravar ainda mais temos as
falências dos Estados. O governo Temer teve dois grandes fracassos no ano
passado. Um foi o reajuste salarial que ele deu a elite dos servidores e
o outro foi não enfrentar a questão dos Estados. Até agora, ele só fez algumas
medidas paliativas, com exceção do trabalho do Tesouro que tem garantido maior
transparência sobre o real tamanho do problema. Ele tem de fato feito um
trabalho para viabilizar maior luz sobre o problema do estado. E o que essa luz
mostra é que a gravidade da situação é maior do que se pensava. Vários estados
enfrentam problemas sérios com a aposentadoria e em vários deles este é o
principal nó. Sem enfrentar esse problema, vários estados não têm saída.
Seremos forçados a discutir problemas duros, como rever direitos adquiridos,
que no Brasil ganhou uma áurea imensa.
P. O senhor acredita que há espaço para tocar nesses
direitos?
R. Não vejo nenhuma alternativa sem discutir
direitos adquiridos. Discutir quanto pode cobrar da previdência dos servidores,
a estabilidade em alguns casos, como você faz uma gestão de pessoas mais
meritocrática. É preciso discutir como ficam os auxílios moradia e toda uma
série de benefícios que o estado paga para diversas categorias, que não são
calculadas como salário. Tem uma agenda imensa. Temos um estado grande e pouco
eficiente. É claro que há ilhas de excelência. O Brasil não pode demonizar o
setor público como um todo, mas o conjunto da obra, essas ilhas de excelência
estão em meio a um setor público que é muito maior que o que países pares
possuem, mas temos indicadores médios muito piores. Casos de colapso fiscal,
como o do Rio de Janeiro, eu não sei qual é a saída. Estão paralisando as
escolas, os serviços de segurança e saúde. Os salários estão atrasados. Há
anos, o Rio vem empurrando o problema com a barriga e ele só aumenta. Alguma
hora ele vai ter que resolver. Não tem como fechar as contas públicas sem
discutir. E vamos assistir a progressiva falência de serviços essenciais. O
caso dos Estados é grave porque são eles os provedores dos serviços diretos à
população: saúde, educação e segurança.O Governo Temer teve um fracasso imenso
nessa área no ano passado. Não conseguiu resolver essa questão. Na verdade,
foram feitas várias medidas, como a renegociação das dívidas, que apenas adia o
problema. O risco da economia brasileira chegar de maneira desorganizada em
2018 é grande.
P. Como os investidores estão olhando o momento
político-econômico turbulento?
R. Há investidores estrangeiros que estão olhando a
curto prazo e para eles existem algumas oportunidade no Brasil. Acho que não se
imagina que o país terá uma ruptura na economia nos próximos meses. Sempre há o
risco de um cenário político provocar essa ruptura, mas não é o cenário
provável. O que não está tendo no Brasil é aposta no futuro, é construção de
fábrica, investimento de longo prazo. Estamos vendo muitas compras de
coisas que já existem, que estão baratas e muita aplicação de curto prazo.
Apostas de longo prazo não estão sendo concretizadas dado o tamanho da
incerteza que a gente vive aqui. Sabemos que o sistema atual fiscal é
impraticável, precisamos rever tributos e despesas. Mas como você faz uma plano
de negócio de longo prazo se sabe que a estrutura tributária provavelmente será
alterada? Os desafios são grandes.
P. Qual a sua opinião sobre a reforma
trabalhista sancionada neste mês por Temer?
R. Não é a minha área de pesquisa, mas acho que ela
vai na direção certa. O Brasil, entretanto, não tem uma bala de prata. Não tem
uma grande reforma que vai resolver a questão trabalhista. Não vai dormir
Brasil e acordar um país desenvolvido em sua legislação. As reformas no Brasil
são progressivas, precisa ir consertando uma série de pequenos problemas. Teve
um avanço, mas não termina aqui. O país ainda possui uma série de distorções na
jurisprudência trabalhista e é uma agenda que vai ser longa. A boa notícia é
que, se a gente avança no fiscal e chega levemente organizado em 2018, podemos
ter um debate nas eleições sobre qual o país que nós queremos.
P. Qual seria o cerne desse debate das eleições
de 2018 quanto à economia?
R. Acho que o Brasil viveu uma ruptura da política
econômica em dois momentos nas últimas décadas. O primeiro foi no início dos
anos anos 90. O Brasil vinha daquela velha tradição nacional desenvolvimentista
de décadas - [Getúlio] Vargas, Juscelino Kubitschek , [Ernesto] Geisel - em que
o estado é grande, há concessão de subsídios. Onde há economia fechada,
protecionismo, nacionalismo. Tudo isso que levou a uma crise monumental dos
anos 80. Nos anos 90 e 2000, o Brasil seguiu para outro caminho. Abrimos a
economia, começaram as privatizações, as políticas mais horizontais, sem
escolher vencedores e o estado mais focado em políticas sociais. A política
nacional desenvolvimentista jamais deu bola para a política social, não foi um
tema relevante. A educação não era prioridade nem a saúde e tampouco as
políticas sociais para os mais pobres. Todos esses temas só vieram depois dos
anos 90. O aumento de gastos em educação, salário mínimo e os programas de
distribuição de renda, como o Bolsa Família, toda essa agenda vingou até
meados dos anos Lula. Foi interrompida, no entanto, quando ele optou
por voltar ao modelo antigo: protecionismo, crédito subsidiado, escolha de
vencedores, expansão descontrolada do gasto público, o que resultou nessa
imensa crise que o país atravessa. A questão é que esse modelo deu errado uma
vez, duas vezes e voltou a dar errado uma terceira vez. O debate agora é sobre
projetos. Vamos escolher o mundo nacional desenvolvimentista dos anos 50 e 70
ou vamos optar pela volta da social-democracia com o estado focado em política
social dos Governos Fernando Henrique Cardoso (FHC) e do primeiro Governo Lula?
Qual desses mundos queremos? Ir mais pra Chile e mais pra Colômbia. Ou queremos
nos aproximar mais da Venezuela?
P. A pauta da previdência vai acabar caindo para
2018 também?
R. Vai ter muita pauta para 2018, pois há muito o
que fazer. Não tem como fazer tudo agora, já não ia fazer. Fomos irresponsáveis
no Brasil, a situação crítica já era conhecida há 20 anos e uma reforma da
previdência demora 20 anos. Se o Brasil decidir voltar ao social democrata de
FHC e Lula, há um mar de oportunidades e conseguiremos enfrentar o [problema]
fiscal. Foi feita tanta bobagem na economia nos últimos anos, tanta decisão
equivocada, que cada pequena melhora é uma oportunidade de crescimento. Foi uma
mistura de arrogância e incompetência técnica e essa visão torta do mundo que
levou a maior crise da nossa história. Mas isso significa, por outro lado, um
mar de oportunidades para o país voltar a crescer, é desfazer todas as
bobagens.
EL PAÍS
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