Editorial
A
secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, informou que o governo
estuda adiar os reajustes salariais do funcionalismo já aprovados para 2018 e
que resultarão em um custo adicional de R$ 22 bilhões. A simples menção a essa
possibilidade bastou para que sindicatos de servidores partissem para a ameaça
de greve, desconsiderando o delicado momento pelo qual passam as contas
públicas. O País não pode continuar refém de corporações para as quais nada
interessa senão benesses, em total desconexão com a realidade nacional.
A maior
parte dos reajustes ao qual Ana Paula Vescovi se referiu foi concedida pelo
presidente Michel Temer em junho do ano passado, quando ainda era interino,
durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Compreende-se
que, naquela ocasião, na interinidade, Temer se sentisse obrigado a respeitar
os compromissos assumidos por Dilma, além de precisar arrefecer a pressão dos
funcionários públicos, incitados pelo PT. Uma vez efetivado no cargo, Temer
anunciou um severo regime de austeridade de gastos. E hoje, quando a equipe
econômica luta para encontrar uma forma de cumprir a meta fiscal e paira no ar
a ameaça até mesmo de suspensão do funcionamento de partes da máquina estatal
por falta de recursos, está claro que a concessão aos servidores foi um erro.
Durante
os governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff, o quadro de funcionários
públicos cresceu exponencialmente. Foram adicionados 131 mil servidores nesse
período, um acréscimo de 27%, depois de uma tentativa de enxugamento na
administração de Fernando Henrique Cardoso. Além de mais numerosos, esses
funcionários, de um modo geral, foram contemplados com generosos aumentos
salariais, tornando-se mais bem remunerados, em média, do que empregados com
formação equivalente no setor privado.
Em junho
e dezembro de 2016, foram concedidos aumentos ao funcionalismo que, somados,
representam um custo de R$ 64 bilhões até 2019. Na ocasião, Temer argumentou
que esses reajustes haviam sido negociados por Dilma Rousseff. Entre os
benefícios estão, por exemplo, o pagamento de bônus de eficiência de R$ 3 mil
para auditores fiscais da Receita Federal – inclusive aposentados e
pensionistas. Dos 45 mil beneficiados, 27 mil já não trabalham, razão pela qual
é difícil compreender como se pode falar em “eficiência” nesse caso. Além
disso, o vencimento básico inicial de um auditor da Receita foi fixado em R$
19.211,01. Em 2019, esse valor salta para R$ 21.029,09. Não há nada parecido
com esse piso no setor privado.
Assim, é
compreensível que um dos primeiros sindicatos a manifestar repúdio à
possibilidade de adiamento do reajuste tenha sido o dos auditores fiscais.
“Certamente as entidades não ficarão paradas”, informou o presidente do
Sindicato dos Auditores Fiscais (Sindifisco), Claudio Damasceno. Já a
Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP) anunciou que entrará na
Justiça para impedir o adiamento. Seu argumento é que, durante a negociação, o
governo de Dilma Rousseff não mencionou o estado deplorável das contas
públicas. “A outra parte (o governo) tinha de ter colocado o problema na mesa”,
disse o presidente da CNSP, Antonio Tuccilio. Ou seja, a notória falta de
transparência de Dilma tornou-se desculpa para a manutenção de um reajuste que
obviamente não deveria ter sido acertado. “Uma vez que o aumento foi decidido,
tem de ser cumprido”, disse o sindicalista.
Assim,
mais uma vez, a incapacidade dos governantes de enfrentar a corporação dos
funcionários públicos resulta em prejuízo para o País. Enquanto a maioria dos
trabalhadores do setor privado luta para manter seu emprego e para ter um
salário ao menos suficiente para pagar as contas, em meio aos efeitos da
gravíssima crise econômica, o setor público, beneficiando-se de seu livre
trânsito no meio político, mantém privilégios e deles não abre mão.
O
adiamento de um reajuste salarial que nem deveria ter sido concedido seria uma
rara vitória da sensatez num ambiente em que predomina a irresponsabilidade.
O Estado de S. Paulo
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