Samuel Pessôa
O jornal
"Valor Econômico" de quarta-feira passada (28) tinha uma pequena
notícia perdida à página A4, no meio do caderno principal. Dizia o título:
"Rio aprova lei orçamentária de 2018 com rombo de R$ 20,3 bi".
Como um
ente da Federação que não tem capacidade de se endividar nem de emitir moeda é
capaz da aprovar Orçamento com deficit?
Para
entender essa bizarrice, é necessário compreender a forma como se dá o
relacionamento orçamentário dos diversos Poderes e órgãos estaduais.
O
Orçamento do Estado compreende o orçamento dos Poderes Executivo, Legislativo
(que inclui o Tribunal de Contas Estadual) e Judiciário e o dos demais órgãos
que têm autonomia orçamentária: Ministério Público Estadual e Defensoria
Pública.
O Poder
Executivo é responsável pela arrecadação. Os demais Poderes, em razão de seu
orçamento, têm por direito a transferência até o dia 20 de cada mês de um
duodécimo do gasto previsto no orçamento para aquele ano.
Alguns
Poderes ou órgãos têm receita própria. Nesse caso, o Executivo transferirá
mensalmente, até o dia 20, para o Poder ou órgão, o duodécimo do saldo entre o
gasto orçado para o ano e a previsão de receita própria também para o ano.
Com ou
sem receita própria, percebe-se que qualquer deficit ou frustração de receita
dos demais Poderes ou órgãos é empurrado para o Executivo.
Explica-se
a economia política do Orçamento estadual: as corporações mais poderosas do
setor público pressionam o Legislativo a aprovar Orçamento com gasto compatível
ao que elas, corporações, consideram que seja desejável, seja lá por que
critério, e independentemente de haver receita ou não.
Não
havendo receita —ou porque a receita foi menor do que a orçada ou porque o
Orçamento já previa deficit—, os Poderes e órgãos estão blindados. A falta de
recursos fica na conta do Executivo. Executivo significa saúde, educação e
segurança. A conta do privilégio das corporações é jogada para a população.
Na
quinta passada (29), a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) aprovou
a lei complementar que estabelece um teto para o crescimento do gasto em função
da inflação passada. O teto do gasto era um item importante e previsto pela lei
complementar 159, que instituiu o regime de recuperação fiscal (RRF).
O RRF
permite que o Estado fique três anos sem pagar sua dívida com a União e com os
organismos internacionais cujas dívidas têm aval do Tesouro, além da
possibilidade de o Estado contrair empréstimo no valor de até R$ 3,5 bilhões
com aval do Tesouro, dando como garantia as ações da Cedae, sua companhia de
saneamento.
Diferentemente
do teto federal, o teto do gasto para o Estado do Rio não estabelece um limite
de gasto por Poder. Novamente, se o gasto de um Poder subir muito, o Executivo
terá de se ajustar. Joga-se o ajuste na saúde, na educação e na segurança, em
vez de permitir um compartilhamento mais equânime entre os Poderes da crise
fiscal que assola o setor público brasileiro.
Para
aqueles que acreditam que a reforma da Previdência foca os benefícios dos
trabalhadores do setor privado, vale lembrar que um item importante da atual
reforma que tramita na Câmara é o fim do princípio da paridade no serviço
público entre benefício de aposentados e salário dos servidores ativos, um
primeiro passo para conter os privilégios das corporações. Entende-se o motivo
de tanta resistência à reforma da Previdência.
Folha de S. Paulo
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