Luiz Carlos Azedo
A alta burocracia estatal, para
manter os privilégios, aliou-se à elite política e fechou os olhos para o
clientelismo e o patrimonialismo, quando não incorreu nas mesmas práticas
A Era
Vargas sempre foi um tema controverso na história do Brasil. Nélson Werneck
Sodré e Hélio Jaguaribe, por exemplo, viram a Revolução de 1930 como um
movimento de classes médias, fruto das contradições econômicas entre esses
setores médios da sociedade e os grandes fazendeiros que controlavam a
República Velha. Wanderley Guilherme dos Santos e Ruy Mauro, em contraponto,
foram os primeiros a defender a tese de que, na verdade, resultou da cisão da
burguesia nacional e da ascensão da burguesia industrial ao aparelho do Estado.
Na década
de 1970, Boris Fausto publicou tese sobre a Revolução de 1930, caracterizada
como o resultado do conflito intraoligárquico, no qual movimentos militares
dissidentes liquidaram a hegemonia da burguesia cafeeira. Em virtude da
incapacidade de as demais frações de classe assumirem o poder de maneira
exclusiva, e com o colapso da burguesia do café, abriu-se um espaço vazio que
possibilitou o surgimento de um “Estado de compromisso”, fruto de um grande
acordo entre as várias frações de classe e “aqueles que controlam as funções do
governo”, sem vínculos de representação direta.
No
ambiente de radicalização política da década de 1930, que resultou na II Guerra
Mundial, embora o Brasil tenha tomado o lado dos Aliados, Vargas flertou com o
fascismo de Mussolini. Isso se traduziu no golpe de 1937 e na implantação do
chamado Estado Novo, a forma institucional que encontrou para o tal “Estado de
compromisso”, a pretexto de combater a ameaça comunista. Ao lado do
patrimonialismo e do clientelismo, velhos conhecidos, emergiu no Brasil o
corporativismo, consagrado pelo jurista Francisco Campos, na Constituição de
1937.
No
corporativismo, o poder Legislativo é atribuído a corporações representativas
dos interesses econômicos, industriais ou profissionais, por meio de
representantes de sindicatos de trabalhadores e patronais, associações de
comércio, indústria e agricultura, academias, universidades e etc. Conhecida
como “Polaca”, a nova constituição ampliou os poderes de Vargas. A inexistência
de um partido que intermediasse a relação entre o povo e o Estado não impediu o
ditador de construir uma ampla rede de apoio, por meio de mecanismos de
controle e da negociação política com os caciques regionais.
Além
disso, a nova legislação trabalhista, inspirada na Carta Del Lavoro, garantiu o
apoio dos sindicatos, até então tratados como caso de polícia. Ao conter o
conflito de interesses entre trabalhadores e empresários, Vargas criou
condições favoráveis ao desenvolvimento do setor industrial brasileiro. Foram
criadas a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Companhia Vale do Rio Doce
(1942), a Fábrica Nacional de Motores (1943) e a Hidrelétrica do Vale do São
Francisco (1945). Entre os novos órgãos criados pelo governo, como o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que era responsável por controlar
os meios de comunicação da época, o novo Departamento Administrativo do Serviço
Público (DASP) deu origem a uma nova burocracia, menos afeita ao tráfico de
influências, às práticas nepotistas e a outras regalias.
Os privilégios
Em 1943,
um documento intitulado Manifesto dos Mineiros, assinado por intelectuais e
influentes figuras políticas, exigiu o fim do Estado Novo e a retomada da
democracia. Vargas criou uma emenda constitucional que permitia a criação de
partidos políticos e anunciava novas eleições para 1945. Em 1945, com o fim da
II Guerra, a saída de Vargas tornou-se inevitável, mas não é o caso de tratar
disso aqui. O que nos interessa destacar é o legado corporativista que lhe
garantiu um mandato como senador, entre 1945 e 1951, e o retorno ao poder nas
eleições de 1951.
O
corporativismo sobreviveu ao suicídio de Vargas, na crise de 1954, e ao golpe
ocorrido 10 anos depois. O regime militar se utilizou de sindicatos patronais e
de trabalhadores, dependentes do imposto sindical criado por Vargas e da
Justiça do Trabalho, e ainda ampliou a alta burocracia federal, que adotou uma
ideologia tecnocrática para legitimar o apoio ao autoritarismo. O
corporativismo na burocracia estatal, com a formação de núcleos de excelência
em órgãos públicos e empresas estatais, ganhou ainda mais força com a
democratização, graças aos Poderes e direitos adquiridos com a Constituição de
1988. Na verdade, a alta burocracia estatal, para manter os privilégios,
aliou-se à elite política e fechou os olhos para o clientelismo e o
patrimonialismo, quando não incorreu nas mesmas práticas.
Isso
resultou na acumulação de mordomias, privilégios e altos salários por esses
setores, equivalentes aos executivos das empresas privadas, ao contrário da grande
massa de servidores responsáveis diretos pela prestação de serviços à população
que tiveram salários aviltados. Parte da crise de financiamento do Estado
brasileiro decorre desses privilégios, principalmente, na Previdência, que
garante aposentadorias com vencimento integral, incorporando gratificações,
muito acima do que recebem os trabalhadores que se aposentam no setor privado.
Agora, com a crise fiscal, tudo isso entrou em xeque.
Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário