Bolívar Lamounier
(*)
Com os três principais partidos
incapazes de se transformar, País não periga dar certo
Num
texto publicado neste espaço no dia 13/7, intitulado O puma, os piratas e
outros bichos, o senador José Serra (PSDB-SP) fez uma instigante análise da
pulverização partidária brasileira. Misericordioso, Serra fez o possível para
não melindrar seus leitores; consciente de que se trata de uma realidade
trágica, optou por pintá-la no tom pastel das boas comédias.
Meticuloso,
não se esqueceu de ressaltar paralelo entre o famigerado imposto sindical, a
água turva na qual o peleguismo se alimenta desde a ditadura Vargas, com o
atual Fundo Partidário, sem o qual a exponencial fissão partidária que conspurca
nossa vida política já teria sido interrompida há muito tempo. A esse respeito,
Serra escreveu: “A criação em série de partidos, no Brasil, não visa a
preencher novos espaços doutrinários, trata-se de abocanhar recursos do Fundo
Partidário, subvencionado pelo Orçamento federal, e, sobretudo, tirar proveito
do tempo gratuito de TV”.
A fim de
estancar tal processo, José Serra propõe o fim das coligações partidárias em
eleições legislativas, a cláusula de barreira e a implantação do voto distrital
misto. O ilustre senador paulista mostra-se otimista quanto à possibilidade de,
em médio prazo, o Congresso Nacional aprovar essas três medidas.
Tal
proposta me parece tímida (realista, caso se prefira); é melhor que nada, mas é
pouco. Isoladamente ou em conjunto, as três medidas citadas podem de fato
reverter o processo de fragmentação, mas por si só isso não significa que as
mazelas de nosso sistema político serão decisivamente extirpadas. Consideremos,
por exemplo, a cláusula de barreira - um porcentual mínimo da votação nacional
para um partido se fazer representar na Câmara dos Deputados. Com sua notória
timidez, os parlamentares geralmente propõem barreiras de dois ou três por
cento. Suponhamos que se aprovasse uma barreira de cinco ou dez por cento. Aí, sim,
teríamos poucos partidos. Mas quem garante que seus integrantes teriam outra
mentalidade e um entendimento mais responsável da atividade parlamentar - outra
concepção de política, enfim?
Antes de
avançar nesta linha de argumentação, creio ser imprescindível pôr em relevo
alguns aspectos da presente conjuntura brasileira. Somos um país aprisionado na
armadilha da renda média - ou seja, incapaz de crescer. Nossa renda anual por
habitante sofreu um baque de dez por cento por obra e graça da recessão de três
anos engendrada pelos governos Lula e Dilma. Em tal cenário, o conflito
redistributivo - “farinha pouca, meu pirão primeiro” -, desde sempre agudo em
razão da espinha dorsal corporativista sobre a qual se sustentam a nossa
sociedade e o próprio aparelho do Estado, atingiu alturas nunca vistas. Certos
Estados - com destaque para o Rio de Janeiro - estão quebrados e à beira da
desordem. Mais educação, saneamento, etc.
Volto à
mentalidade dos partidos que provavelmente sobreviverão à cláusula de barreira.
O PT,
que tantas esperanças despertou quando de sua fundação, já lá se vão 37 anos,
evoluiu do assembleísmo e de certo socialismo de sacristia para o populismo
lulista. Enganou-se redondamente quem pensou que a brava agremiação havia
atingido o fundo do poço. Dias atrás, suas senadoras encenaram uma festa de
Babete na Mesa do Senado, cena que percorreu o mundo e deu ensejo a sonoras
gargalhadas. Mas o pior estava por vir: em viagem à Nicarágua, sua presidente,
a senadora Gleisi Hoffmann, teceu rasgados elogios ao que a América Latina
produziu de pior nas últimas décadas, a começar, naturalmente, por Nicolás
Maduro, o presidente venezuelano, que não sossegará enquanto não levar seu país
à guerra civil.
O que o
PT chama de política econômica, como bem sabemos, é a ideia de que o Estado
pode produzir riqueza, ou pelo menos dar uma mãozinha a empresários campeões -
alguns dos quais têm atualmente um apetrecho eletrônico amarrado aos pés.
Que
dizer do PMDB? Que ideias tem ele a oferecer ao País? Seus próceres sabem que,
cedo ou tarde, o Brasil terá de pegar no tranco - mediante reformas estruturais
profundas e um ambiente econômico propício a grandes investimentos, e nesse
aspecto, justiça seja feita, o governo de Michel Temer vinha saindo melhor que
a encomenda. Mas o partido é uma federação de grupos estaduais dotados de agudo
faro pecuniário; por favor, não me falem em capitanias hereditárias, pois me
refiro a formas modernas de aglutinação política, não raro azeitadas por hábeis
incursões no domínio do ilícito.
O caso
do PSDB poderia ser menos grave, mas não o é, por uma razão facilmente
perceptível. Não, não me refiro à eterna rivalidade entre seus caciques, muito
menos ao seu temperamento hamletiano, também conhecido como “murismo”. Um
partido ter vários líderes é um sinal de modernidade, muito melhor que não ter
nenhum (como o PMDB), ou ter um só, dedicado em tempo integral a impedir o
surgimento de uma nova geração (como Lula e “seu” PT). O problema do PSDB é sua
eterna crise de identidade.
Os
tucanos parecem nutrir em segredo uma vontade de ser como o PT. Querem ser
“sociais”. Apoiam o princípio do mérito, compreendem a necessidade de uma
política fiscal séria, abominam a herança populista da América Latina, mas
fogem do adjetivo liberal como o diabo foge da cruz. Gaguejam toda vez que
falam em economia de mercado e temem sufragar com clareza os valores da classe
média. Tanto isso é verdade que nunca assumiram de peito aberto o legado do
governo Fernando Henrique.
Com as
três principais entidades partidárias incapazes de se transformar, não há
dúvida, o Brasil não periga dar certo.
O Estado de S.Paulo
(*) Comentário do editor do blog-MBF: o Brasil tem jeito sim, mas antes precisa acabar
com as organizações criminosas que o mantém no atraso, desde sempre: os partidos políticos.
São essas corporações que se unem
para cuidar dos seus interesses de grupo, uma para cada atividade, e onde o
país e seu povo nunca é considerado, salvo na hora de referendar os bandidos
que eles nos impõem como candidatos, nesta farsa de eleições.
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